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Apagão

18/01/2008

O Brasil está de parabéns pelo apagão. Não, o colunista não pirou. Motivo de orgulho é a palavra e não aquilo que ela nomeia – o catastrófico colapso de energia que passou raspando em 2001 e que agora, quase sete anos de imprevidência depois, uma nova estiagem volta a transformar em ameaça. Uma ameaça que os sucessivos desmentidos do governo, saindo pela culatra, tornam cada dia mais palpável.

Nomear uma coisa é o primeiro passo para dominá-la, eis a história da humanidade. É nesse sentido que o apagão merece ser comemorado. É fácil esquecer, mas entre nós a palavra surgiu outro dia mesmo. O dicionário Houaiss aposta em 1988 como data de “nascimento”. Pode ser, mas a novidade pegou aos poucos: no “Jornal do Brasil”, para ficar em um único exemplo, a palavra estreou em 1996.

Até então nossa língua dispunha apenas de “blecaute” – forma aportuguesada do inglês black-out – quando queria condensar num só vocábulo o horror de uma crise de escassez de energia. Nada contra blecaute, anglicismo bem plantado em nossa cultura popular graças ao nome artístico do cantor – negro, naturalmente – Otávio Henrique de Oliveira (1919-1983), intérprete das marchinhas “General da Banda”, “Maria Candelária” e outros antigos sucessos do carnaval. Mesmo assim, a superioridade de apagão é clara.

Não por ser uma palavra “nativa”, é bom frisar. A xenofobia lingüística do deputado Aldo Rebello, autor de um projeto de lei que prevê punição para quem usar termos estrangeiros, não vem ao caso aqui. Mesmo porque tudo aponta para mais uma influência de fora: o espanhol apagón é a matriz provável de nosso apagão. O que importa é que, com esse ão ambíguo – meio de exaltação, meio de gozação – pelo qual a cultura brasileira tem evidente predileção, conseguimos finalmente tomar posse da escuridão. Pena que as rimas não sejam (ainda) a solução.

Publicado na “Revista da Semana”.

12 Comentários

  • Carlos Magno 18/01/2008em12:24

    Gostaria de aduzir que apagão nos termos futebolísticos, – do antigo e desusado ludopédio brasileiro, – significa que o time está tirando um “soninho” em campo, desentrosou, enfim, está jogando lhufas!

    Apagão ou blecaute dá no mesmo. O que dói realmente não são os ouvidos, mas quando somos obrigados a racionar e ficar no escuro pela cegueira administrativa.

    E quanto à “deletar” ? Continuaremos a apagar deletando?

  • Daniel Brazil 18/01/2008em14:48

    Bem escrito e bem humorado!
    Minha mulher esteve num congresso em Cuba, em 2002, e vários colegas cubanos perguntavam sobre o “apagón” brasileiro. E contavam que Cuba, na década anterior, não tinha “apagón”, mas “lumión”. Faltava energia 23 horas por dia, e lá pelas tantas todos corriam pra aproveitar o “lumión”, aquela horinha básica de luz em casa…

  • João Athayde 18/01/2008em18:11

    Primeiro tentaram o “blecaute”, êta palavrinha mais besta! e não iria pegar mesmo. “Apagão” é uma palavra redonda, sonora, impactante. Lembra-se, Sérgio, da palavra “convescote”, para substituir a francesa “pic-nic”? Aportuguesada para “Piquenique”, o termo impera soberbo. De onde se conclui que nossa língua é filha exclusivamente da sabedoria popular.

  • Urubu Faceiro 18/01/2008em19:45

    Se não me engano, quem inventou essa de “apagão” foi o editor do Jornal Nacional. A Globo está sempre impondo seu newspeak – e os rastaqüeras adotam sem pensar. Aconteceu o mesmo com essa idiotice de “risco de morte”, que substituiu “risco de vida” entre os néscios semiletrados que desconhecem a pluralidade de funções do “de”.

  • Sérgio Rodrigues 19/01/2008em12:36

    É verdade, Urubu! Você come carniça mas no fundo é uma águia. O Jornal Nacional (como eu não pensei nisso antes?) inventou o apagão no mesmo dia em que criou a mais-valia, os índices de analfabetismo, o latifúndio e a seca do Nordeste. A corrupção dos três poderes e a violência urbana ficaram para o dia seguinte, não caberia tudo no mesmo jornal.

    (Por incrível que pareça, você acertou uma: “risco de morte”. Mas isso eu suponho que, de tanto eu repetir, você tenha aprendido aqui mesmo n’A Palavra É.)

  • persia 19/01/2008em13:38

    bárbaro o “tomar posse da escuridão” e o “lumión”. será este o proximo passo? rs.

  • Anderson de Souza 20/01/2008em00:59

    Sérgio, ótima análise sobre o “apagão” a próxima palavra poderia ser: “maromba” – que segundo o aurélio, o significado é: “vara com que se equilibram funâmbulos” – e por que os ratos de academia são denominados “marombados”?

  • HRP Mané Reloaded 20/01/2008em12:24

    Moços aqui do blog….o que há com o blog do Ricardo Calil?
    Morreu, está doente?
    Alguém pode explicar….foi um apagão?
    Bom dia e boa tarde!

  • Eric Novello 21/01/2008em11:33

    Também gosto da palavra apagão. Tem aquele charme decadente que acompanha nosso país aqui e ali. Meio jocoso. Devia virar nome de personagem de tirinha.

  • Carlos Magno 23/01/2008em12:38

    Desculpem colocar também aqui esse mesmo comentário postado no texto sobre Herman Melville.

    “Lendo tantos comentários técnicos sobre colocações de pronomes, fluência do texto, eufonia, etc., confesso meu completo espanto ao preciosismo.

    Perdoem à ignorância: mas ao espírito da obra, à imaginação do autor, aos argumentos, o que sobraria? Quantos por cento valeriam do total forma x conteúdo? Seria a intenção de se dizer “um animal cordado aquático” ao invés de “um peixe”, a colocação proposital mais apreciada e infinitamente mais desejável para se discutir literatura?

    Imagino o Esperanto, com tão poucas regras gramaticais e restrito vocabulário, vindo realmente se tornar a língua universal (espero que não, prefiro ainda o inglês) conforme afirmam os espíritas, onde iriam parar os exigentes analistas?

    No meu tempo escolar as análises gramaticais, léxicas e literárias dos professores eram detestadas pela quase totalidade dos estudantes. Passava por nossas cabeças quão difícil seria um dia escrever bem ou entender literatura. Acho que esses exageros movidos pelo excessivo purismo dos amantes dos textos quase perfeitos, contribuíram e continuam a contribuir para criar grandes entraves e barreiras psicológicas ao despertar do gosto pela leitura.

    E isso explica porque os catedráticos vivem lá nas cadeiras dos imortais, às nuvens, embalados pelos sonhos dos perfeitos, endeusando-se uns aos outros até que a esclerose não os suportando mais, passe mensagem obituária ao nobre órgão vital pulsante a fim de que, um a cada vez e de tempos em tempos, sejam levados para sempre, – conforme previsões oníricas, – aos diáfanos mundos dos raríssimos eleitos, onde se assentarão para sempre em trono dourado e onde reencontrarão os antigos cheirando à naftalina.

    Enquanto isso aqui na Terra, pau nos jovens que não querem ler e só pensam em bailes funks, cerveja, carnaval e futebol e outras coisas mais!”

  • Carlos Magno 23/01/2008em17:29

    leia-se: se assentarão pela eternidade em trono….

  • alexandre neto 10/02/2008em21:28

    a origem da palavra apagão, realmente ta fazendo um sucesso, lá fora, agora vai saber de onde surgio esse termo mesmo, bom é para os governantes que estão todos num apagão geral!!!!!!!!!!!!