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Aumenta que isso aí é Monteiro Lobato!

25/02/2010

Você já ouviu a voz de Monteiro Lobato? Eu nunca tinha ouvido até a Isabel Pinheiro, todoprosista de longa data, me enviar o link dessa entrevista ao “radiologista” (a piada é lobatiana) Murilo Antunes Alves, da Rádio Record, em 1948. O grande escritor tinha 66 anos, idade avançada para a época, e logo sofreria um derrame fatal.

Atenção: se você ainda não ouviu isso, a visita é obrigatória. A entrevista tem outras duas partes, que podem ser acessadas aqui e aqui.

Mais do que da voz propriamente dita – meio anasalada e pelo menos uma oitava acima do que suas sobrancelhas me faziam supor – o prazer maior vem da “voz” de Lobato, o tom mordaz em que expressa suas opiniões desiludidas e politicamente incorretas. “Todas as nossas experiências têm fracassado, não há razão para acreditar (no Brasil)… Só os céticos absolutos acertam”. Tudo, porém, sem perder a ternura e a auto-ironia jamais. “É isso o que pensa o velho Lobato com a sua longa experiência acumulada”, sorri.

Do prazer interiorano de comer formiga torrada – que tem “um cheirinho que eu não digo do que é, para não escandalizar o público” – à conjuntura internacional do pós-guerra – “o que está faltando ao mundo, para o restabelecimento da paz, é apenas isso: bomba atômica para todos” – Lobato deixava claro que, àquela altura da vida, estava se lixando para o que pudessem pensar os fariseus. A única exceção: a recusa em emitir juízos sobre política nacional. No mais, julgava-se um grande e vivido intelectual público exercendo o direito de remar contra as marés. E era exatamente isso.

Veja-se seu conselho a um jovem escritor hipotético: “Crescer e aparecer. Se ele não tiver qualidades boas, fracassará, e com muita justiça”. Afinal, para ele, o mercado editorial era auto-regulável: “Se o livro não se vende, é porque não presta”. Daí sua resposta à velha questão do que mais o satisfazia em seu legado: “De todas as minhas obras, a que mais me agrada é a que me dá mais dinheiro: ‘(Reinações de) Narizinho’, que já vendeu mais de 100 mil exemplares”.

O sarcasmo só se suaviza quando ele fala, enlevado, do prazer de escrever para crianças. Mas também aí aparece um travo amargo: “Eu perdi tempo escrevendo para gente grande, que é uma coisa que não vale a pena”.

Já no fim da entrevista, o anfitrião radiofônico lhe perguntou qual era, àquela altura da vida, seu maior desejo. “Meu maior desejo neste momento seria ver este locutor pelas costas.” Foi prontamente atendido. José Bento Renato Monteiro Lobato, grande figura, morreu poucos dias depois.

29 Comentários

  • Rafael 25/02/2010em11:38

    Sou fã confesso de Monteiro Lobato, o grande intelectual que este país no século passado. É imperdoável a campanha difamatória conduzida pelos fanfarrões de 22 (Mário de Andrade à frente) por causa do (excelente) artigo escrito sobre a exposição de Anita Malfatti. Os deuses da Literatura (acredito neles, pois sou pagão) se vingam: a obra infantil de Lobato foi mais lida e comentada, vendeu muito mais, cativou muito mais gente que aquela desgraça insossa, Macunaíma, o livro sem nenhuma cativação.
    Tenho em casa a coleção de obras adultas do Monteiro Lobato, uma edição antiga — que prazer ler. Há coletâneas de entrevistas cheias de pérolas, que revelam a figura ferina, mordaz e absolutamente convicta da justiça das bandeiras que empunhava. Ele faz falta nesta época tão modorrenta!
    Perguntaram a ele como sentiu que era escritor. A resposta:
    Senti um dia um galo na cabeça. ‘Será berne?’, murmurei comigo. Espremi. Não era berne. Era o primeiro livro!…
    Figuraça!
    Outra citação, profissão-de-fé na independência do espírito:
    Não há uma bússola para o escritor que não se vende nem se aluga. Homens desse tipo em vez de bússola guiam-se por um ponteiro fixo e rígido que marca uma só direção: a do seu temperamento.
    Subscrevo integralmente!

    • Geraldo 25/02/2010em16:27

      Fanfarrão??? Turma de 22??? Então, ou você não tem cultura, ou não conhece aqueles fanfarrões que, por sinal, foram amigos de Monteiro Lobato…Desculpe-me, procure ler e aprender, antes de falar asneiras…Serão estas asneiras PARANÓIA OU MISTIFICAÇÃO de sua parte???

    • Rafael 25/02/2010em16:40

      Mário de Andrade foi o principal difamador do Monteiro Lobato. Com seu senso de oportunismo desvairado, ele se mostrou um digno pai do herói sem nenhum caráter ao patrocinar uma verdadeira campanha contra o Monteiro Lobato.
      É verdade que o Oswald de Andrade (não o chato do Mário) teve alguns livros publicados pelo Monteiro Lobato. Este, aliás, escreveu um artigo elogioso sobre o autor de Serafim Ponte Grande, embora com algumas alfinetadas aqui e ali.
      Dizer que ele foi amigo daqueles fanfarrões… mostre-me uma fonte para tal informação, já que você, diferentemente da minha pessoa, parece ser um cara lido e aprendido.

  • Isabel Pinheiro 25/02/2010em12:34

    Sérgio, seu post me emocionou quase tanto quanto a gravação. Que bom que você gostou! Um beijo

  • Pedro David 25/02/2010em13:18

    Sabe o que me assustou nessa história ? A vendagem de ” Reinações”… Cem mil livros é muita coisa, não ?

    Quem vende cem mil livros hoje ?

    Lia-se mais ? Mas não havia muito mais analfabetos e menos gente no Brasil ?

    Os livros são piores ?

    Mudaram as gentes ? Mudaram os tempos ? Os livros ? Os escritores ?

    E por falar em ” best sellers”, Tem um camarada que trabalhava comigo que jurava que a J.K Rolling leu o Lobato antes de escrever seu Harry Potter… Era argumentação de mesa de bar, meio piada… Mas havia umas semelhanças sim… rsrsrsr

  • Daniel 25/02/2010em14:12

    Assino embaixo do que o Rafel disse.
    Fantástico Monteiro Lobato que junto com meus pais moldaram minha infância, meus sonhos e minha vida.
    Um tributo ao Mestre.

  • Carlos de Morais 25/02/2010em14:25

    Nesse intervalo houve o comicio de Prestes, no qual estive presente. Monteiro Lobato era um dos oradores. Como náo pode comparecer suas palavras foram gravadas e repetidas no comicio. Estranho [e que ninguem at[e agora encontrou a grava;;áo. Alguem deve estar com ela. Parabens pelas lembran;as do lgralnde Lobato.

  • Rosângela 25/02/2010em15:03

    ó eu aqui… que pena que não posso comentar… Conheço esse vídeo… E seus livros? uau!
    Pronto.
    Vô falar mais nada, não. Valeu.

  • Rosângela 25/02/2010em15:04

    Ti bisoiei ali no verbo solto…

  • Rosângela 25/02/2010em15:07

    num é um nareba, não? kkkkkkkkkk

    Ass. Todaprosista interrompida

  • Rosângela 25/02/2010em15:13

    Em tempo:
    Todaprosista de “data” interrompida.. rsrs …

  • C. S. Soares 25/02/2010em16:27

    Post adequado para lembrarmos o importante projeto on-line Monteiro Lobato e outros modismos brasileiros”, coordenado por Marisa Lajolo na UNICAMP. O site disponibiliza
    documentos de Lobato, assim como divulga ensaios e estudos sobre ele.

    E já que estamos em São Paulo… Lembrando os 65 anos da morte de Mário de Andrade, em homenagem ao autor, o Pontolit, instituiu hoje no Twitter o #diademacunaima.

    • Rosângela 25/02/2010em16:53

      C.S. Soares, agradeço a dica. Adorei isto aqui. Né qui é???
      Vivendo entre 1882 e 1948 Lobato viveu entre dois brasis. Um mais
      agrícola, patriarcal, tradicionalista . Com este Brasil, Monteiro Lobato ajustou
      contas inventando um sítio onde impera o matriarcado, onde em vez de gado tem
      um burro falante e um sabugo sábio . O outro era um Brasil que mudava de cara
      com a extinção da escravatura, com a industrialização e com o crescimento das
      cidades.

  • Silvio... Silva 25/02/2010em16:30

    Putz, um achado mesmo. Sou mais uma da geração que acompanhava direto as aventuras televisivas do Sítio (a versão da Globo, de 1977). Foi pela curiosidade em saber mais sobre o criador daquele universo que conheci jóias como ‘Urupês’ e ‘O Presidente Negro’.

  • Silvio... Silva 25/02/2010em16:33

    Errata: “Sou mais um”, etc etc.

  • Rosângela 25/02/2010em16:55

    Calma. Já tô saindo.
    .
    .
    .
    .
    .
    Inté.

  • Colafina 25/02/2010em19:59

    Sérgio,
    Neste site, Galeria de Vozes, tem a voz de muita gente boa gravada para a posteridade!
    http://www.vozesbrasileiras.com.br/home.html

  • João Daltro 26/02/2010em00:10

    Engraçado como a voz do Monteiro Lobato (que eu nunca ouvira) lembra a do Lamartine Babo. Bem, os dois foram bambas no que se propuseram a fazer, mas foi uma sorte nenhum dos dois ter abraçado a carreira de “radiologista”.

  • Silvio Barreto de Almeida Castro 26/02/2010em10:35

    Auntenticidade, pelo visto, era uma qualidade dele. A desesperança e misantropia, com o final da vida, não devem ser consideradas como defeitos.

  • Daniel Brazil 27/02/2010em00:20

    Boa e polêmica figura. Boa, porque polêmica. E polêmica, porque boa.

  • denise bottmann 27/02/2010em17:45

    magnífico resgate.

    uma vez, em algum lugar, comentei: se houvesse algum patrono da tradução no brasil, a meu ver seria monteiro lobato.

    … e seu livro da jângal virou de alex marins, e seu lobo do mar virou de pietro nassetti, na martin claret.

  • Ricardo Ferreira 19/03/2010em17:45

    Olá, sou colecionador dee Monteiro Lobato, e realmente é uma preciosidade essa gravação. Só que ele estava abatido e com a memória um pouco debilitada.
    A ironia, o humor fino e saboroso ainda aparecem, mas o guerreiro já está com as malas prontas pra grande viagem, como ele mesmo dizia.
    Abraços lobatianos
    Ricardo

  • silas silva 10/11/2010em11:42

    alguma idéia do que deveras pensava o autor de notório destaque na literatura infantil brasileira? sugiro que leiam esta matéria
    http://www2.uol.com.br/historiaviva/reportagens/eugenia_a_biologia_como_farsa_imprimir.html

  • silas silva 10/11/2010em11:44

    A ficção de Lobato contém em si a junção de todos os desejos e medos de uma sociedade eugenizada. Segundo o autor, o princípio da eficiência “resolverá todos os problemas materiais dos americanos, como o eugenismo resolverá todos os problemas morais”. Para Lobato, a eugenia e a eficiência seriam as chaves para solucionar os males da humanidade. (P. D.)

  • silas silva 10/11/2010em11:44

    O choque das raças ou o presidente negro é o único romance escrito por Monteiro Lobato. Em 1926, o autor criou uma trama futurista num tempo regido pela eugenia, no qual é eleito o primeiro presidente negro dos Estados Unidos, no ano de 2228. A partir desse enredo, Lobato faz a defesa dos ideais eugênicos. O entusiasmo com a doutrina aparece também em carta escrita a seu amigo, o médico Renato Kehl:

    “Renato, tu és o pai da eugenia no Brasil e a ti devia eu dedicar meu Choque, grito de guerra pró-eugenia. Vejo que errei não te pondo lá no frontispício, mas perdoai a este estropeado amigo. (…) Precisamos lançar, vulgarizar estas idéias. A humanidade precisa de uma coisa só: póda. É como a vinha. Lobato.”