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Charge

19/07/2008

Ao mostrar o casal Barack Obama encarnando os boatos que circulam contra o candidato democrata em setores conservadores dos EUA, a capa da revista “The New Yorker” tenta, pelo exagero da cena, expor tais boatos ao ridículo. Se a estratégia corre o risco de incompreensão que sempre acompanha a ironia, o que ninguém pode negar é que toda boa charge tem isso em comum: agressividade e exagero. Ou o gênero de desenho jornalístico que filtra o noticiário pela lente do humor não teria esse nome.

O francês charge, de onde veio nossa palavra, quer dizer apenas carga, mas nesse caso com o sentido de crítica contundente. Trata-se de uma extensão metafórica da acepção militar de ataque – presente numa expressão como carga de cavalaria – adaptada ao vocabulário da imprensa e especialmente ao trabalho dos desenhistas cômicos. O italiano caricatura (inicialmente, ato ou efeito de carregar) partiu do mesmo ponto e chegou a resultado parecido. Tão parecido que é lícito supor que um vocábulo tenha surgido como tradução do outro. Nesse caso, há indícios de que a caricatura veio antes: segundo o Houaiss, o primeiro registro de sua acepção moderna (fins do século 16) aparece quase cem anos à frente da primeira charge francesa.

No Brasil, charge e caricatura – assim como cartum, termo mais recente, do inglês cartoon – são palavras sinônimas e usadas muitas vezes de forma intercambiável. O que as diferencia são nuances. No sentido mais estrito, a caricatura retira seu humor apenas do exagero dos traços fisionômicos, enquanto a charge, que pode ou não incluir o recurso à caricatura, privilegia o exagero da situação.

Publicado na “Revista da Semana”.

11 Comentários

  • Paulo Ilmar Kasmirski 19/07/2008em12:27

    Humor da ficção

    Humor da ficção tem charque de abertura com umas pessoas sentadas no pinico lendo um livro em branco sem texto nasceram para preencher essas paginas em branco do livro de acordo com tudo que aprendemos e devemos escrever do fim para o começo para quem vem aprender precisamos ser mais evoluído

  • Swamoro Songhay 19/07/2008em13:12

    Caso fosse o Bush com gibão e chapéu de couro encarapitado em jegue, entrando no salão oval, não haveria charge e/ou cartoon que ganhasse. Só que os eleitores norte-americanos talvez não entendessem nada. Tal como os eleitores brasileiros quando veem a mesma coisa a cada eleição. É agressivo, é exagerado e absurdo. Por isso pode causar sentimentos diversos, dependendo de quem olha e com quais olhos olha.

  • Claudia Freire 19/07/2008em15:13

    Olha, Sérgio, já utilizei uns dois textos seus do tempo do “nominimo” em sala de aula. Lembro que um deles tratava do uso do eufemismo, não sei mais se o título era “Vamos contingenciar o eufemismo”. Este que instrui sobre o gênero charge e estabelece relações semânticas entre charge e caricatura não vai ficar de fora.
    Obrigada, ótimo!

  • Sérgio Rodrigues 19/07/2008em21:08

    Cláudia, o título era esse mesmo. E sou eu que agradeço a mensagem. É sempre bom encontrar uma leitora dos velhos tempos. Um abraço.

  • Guilherme Montana 21/07/2008em15:06

    Essa capa aí… ironia em larga escala. Não sei se isso existe.

  • Rodolfo 21/07/2008em15:55

    Acho que o pessoal não foi feliz na charge. Não porque ela pegue pesado (deve pegar), mas porque sua compreensão ficou um pouco mais dúbia do que o aconselhável. Se você precisa de uma informação extra para entender o cartum, sua existência não se justifica. O que eu entendi é que esse é um olhar republicano sobre os candidato democrata. Pensei em uma possibilidade de deixar isso mais claro: se a cena estivesse dentro das lentes de um binóculo empunhado por um notório republicano (Bush, por exemplo), ficaria mais fácil de entender. Quer dizer, o casal estaria vestido como sempre, mas, dentro dessa visão republicana, tomaria a forma da charge.
    A aparente tentativa de causar alvoroço, contudo, deu certo (apesar de os envolvidos terem se ofendido pela involuntária insinuação de que são terroristas). E provavelmente essa foi mesmo a intenção da revista. Minha sugestão provavelmente não seria bem aceita por lá.

  • Murilo Gabrielli 21/07/2008em16:35

    Sérgio,
    pode ser viagem minha mas acho que cartum tb adquiriu, nos últimos anos uma nuance de sentido própria, distinta das de charge e caricatura (que seu post define à precisão, a meu juízo): enquanto estas satirizam, em geral, uma pessoa ou uma situação específicas (em geral tiradas das págimas dos noticiários), o cartum trata de situações e personagens ficcionais, ainda que calcados tb no noticiário, como numa crônica visual.

  • Murilo Gabrielli 21/07/2008em16:36

    opa, festival das vírgulas erradas. Segue o correto.

    Sérgio,
    pode ser viagem minha, mas acho que cartum tb adquiriu, nos últimos anos, uma nuance de sentido própria, distinta das de charge e caricatura (que seu post define à precisão, a meu juízo): enquanto estas satirizam, em geral, uma pessoa ou uma situação específicas (em geral tiradas das págimas dos noticiários), aquele retrata de situações e personagens ficcionais, ainda que calcados tb no noticiário, como que numa crônica visual.

  • Chico 24/07/2008em13:20

    Interessante focalizar a diferenca entre a charge e a caricatura pois mesmo que o Jon Stewart tenha defendido a capa, tudo nao passou de um terrivel equivoco por parte da New Yorker e transformando o fogo amigo num possivel tiro no pe. Ainda bem que quem le a revista nao le a National Review!

  • samella 13/10/2008em15:09

    gosto muito de seus testos sou sua grande fan mirim