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Começos (ainda) inesquecíveis: J.M. Coetzee

29/06/2008

A retrospectiva da seção dá um salto no tempo para ir entrando no clima da Flip. Esse sul-africano esquisitão aí ao lado foi responsável pelo momento mais polêmico – para mim e outras cinco pessoas o melhor, para a maioria do público um desastre – da festa paratiense do ano passado. O post abaixo foi publicado em 3/3/2007.

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Para um homem de sua idade, cinqüenta e dois, divorciado, ele tinha, em sua opinião, resolvido muito bem o problema de sexo. Nas tardes de quinta-feira, vai de carro até Green Point. Pontualmente às duas da tarde, toca a campainha da portaria do edifício Windsor Mansions, diz seu nome e entra. Soraya está esperando na porta do 113. Ele vai direto até o quarto, que cheira bem e tem luz suave, e tira a roupa. Soraya surge do banheiro, despe o roupão, escorrega para a cama ao lado dele. “Sentiu saudade de mim?”, ela pergunta. “Sinto saudade o tempo todo”, ele responde. Acaricia seu corpo marrom cor-de-mel, sem marcas de sol, deita-a, beija-lhe os seios, fazem amor.

E já que andamos falando do homem, vai aí o começo do tétrico romance “Desonra”, obra-prima do escritor sul-africano J.M. Coetzee (Companhia das Letras, 2a. edição, 2003, tradução de José Rubens Siqueira). O professor universitário David Lurie, personagem solitário, orgulhoso e triste, logo vai descobrir – a um preço alto – que não resolveu tão bem quanto imaginava “o problema de sexo”.

13 Comentários

  • Julio César Mulatinho 29/06/2008em13:05

    Puxa vida, adorei a sinopse, me deixou louco de vontade de ler este livro. Quem já o leu, favor postar aqui suas impressões.

  • Camila 29/06/2008em14:42

    Seis, Sérgio – pode me incluir nessa conta. “Desonra” foi minha leitura mais compulsiva do ano passado, e certamente das mais emocionantes. Por toda a história – bem construída a ponto de, ao final, parecer absolutamente óbvio, lógico e necessário que o “homem que resolveu o problema de sexo” tivesse levado o fim que levou, tão convincente é o encadeamento dos fatos – perpassa um tema que me é muito caro: como manter alguma dignidade em meio a uma realidade progressivamente absurda. O interesse do livro, para mim, está nisso, bem como em sua capacidade de mostrar por que estranhas vias algumas premissas absurdas levam a realidades cujo sentido ninguém mais parece questionar. Valeu pela lembrança, Sérgio.

  • Gabriel Leirbag 29/06/2008em15:27

    Com uma narrativa tão direta como essa, quantas páginas deve ter esse livro? Ele não parece perder tempo mesmo com a filosofia. Tá na lista.

  • Mr. WRITER 29/06/2008em17:04

    Inesquecível mesmo, não só o começo, ma o livro todo.
    Para quem ainda não leu, corram, vale cada página.

    Esse tom e essa narrativa seca é o que embala o livro todo. Claro, e a crueldade do autor também. Recomendadíssimo.

  • Sérgio Rodrigues 29/06/2008em18:24

    Camila: a conta de cinco pessoas já incluía você…

  • Paulo 29/06/2008em18:37

    Sérgio, foi esse começo que me fez comprar o livro, assim que saiu pela Cia. das Letras. Valeu cada centavo. Abraço.

  • Barbara 30/06/2008em07:55

    Sergio, uma coisa que nao entendo é porque o titulo foi traduzido como “desonra” e nao como “desgraca”. Nao soh porque as duas palavras, apesar de primas, me parecem diferentes (desonra esbarra na sensacao de vergonha, algo que depende um tanto da moral que voce mesmo inventa para voce. Desgraca é maior que voce, é uma escolha da vida, implacavel, irreversivel), mas tb porque lah pelo meio do caminho, quando Lurie diz “I’m disgraced”, me parece muito claro que o que ele esta dizendo é que é um homem em desgraca, nesse estado de total falta de harmonia com a vida, com os deuses (se é que esses existem)…

  • Isabel Pinheiro 30/06/2008em08:50

    Sérgio, bom dia e desculpe pelo assunto off-topic. Mas é que eu nunca tinha visto uma notícia como essa que saiu hoje na Folha de S.Paulo: a Companhia das Letras vai fazer recall de um livro do Borges por causa de erros de grafia! Eu achei sensacional e um baita exemplo, quem sabe não serve de modelo pra tantas outras editoras que não estão nem aí com o básico: lançar livros bem feitos. A notícia tá em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq3006200817.htm (para assinantes). E, se a moda pegar, outra candidata a recall é a biografia do Paulo Coelho pelo Fernando Morais. Erros de grafia, de informação, de nomes… Boa semana!

  • Sérgio Rodrigues 30/06/2008em09:39

    Barbara, me parece que a tradução preferencial para disgrace é mesmo desonra. É forte na palavra o sentido de mancha indelével na reputação, de perda de dignidade. E, portanto, de participação ativa do disgraced no processo. Nossa “desgraça”, que numa de suas acepções quer dizer apenas “azar, infortúnio”, tem um sentido mais cósmico e aleatório que não parece ter estado nas intenções de Coetzee. Um abraço.

  • Sérgio Rodrigues 30/06/2008em09:39

    Isabel: muito interessante a notícia. Se a moda pega…

  • Breno Kümmel 30/06/2008em13:44

    Desonra realmente é uma tradução melhor que “desgraça”, que no português está mais perto de “desastre” do que de uma “perda de graça” (graça como no uso religioso da palavra).

    O livro é sensacional, todos deveriam lê-lo. Pena que nenhum dos outros livros que eu li do Coetzee é tão bom quanto este (tem outros bons, mas nenhum chegou a esse patamar de excelência).

  • Felipe 30/06/2008em14:36

    Legal, vou comprar. Do Coetzee, li apenas O mestre de Petersburgo, e achei muito bom. Valeu!

  • El Torero 30/06/2008em19:29

    É tão inesquecível, que me lembro dele mesmo…creio que foi no Nominimo mesmo, pois se fosse em sebo ou biblioteca teria pego para ler o livro…vai pra lista, que é comprida e a grana curta.