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Começos inesquecíveis: José Agrippino de Paula

12/07/2007

Eu sobrevoava com o meu helicóptero os caminhões despejando areia no limite do imenso mar de gelatina verde. Sobrevoei a praia que estava sendo construída e o helicóptero passou sobre o caminhão de gasolina onde um negro experimentava o lança-chamas. Eu falei com o piloto do meu helicóptero apontando o caminhão de gasolina, e o helicóptero fez uma manobra sobre o caminhão-tanque e pousou alguns metros adiante. Eu saltei do helicóptero e gritei para o enorme negro que verificava o lança-chamas: “Hei!” Eu perguntei a ele como estava o lança-chamas para funcionar como coluna de fogo. O preto disse que eu me afastasse alguns metros e ligou o lança-chamas para o alto. O lança-chamas esguichou para cima um jato de fogo e o enorme negro fazia sinais para o homem que controlava a gasolina junto ao carro-tanque. Eu gritei para o negro que estava ótimo, que era exatamente aquilo que eu desejava. O negro foi controlando a saída de gasolina e a enorme nuvem de fogo erguida para cima foi diminuindo até se extinguir. Eu perguntei ao negro se ele sabia onde ele ia se esconder com o lança-chamas. O negro respondeu que o engenheiro já havia construído uma pequena elevação no mar de gelatina verde, e o esconderijo já estava cuidadosamente construído. “E o Burt?”, perguntei. O preto disse que não sabia, quando eu vi surgir do fundo de um edifício um caminhão trazendo Burt Lancaster com duas enormes asas brancas sobre os ombros. O caminhão estacou e eu perguntei: “Tudo bem, Burt?” “Péssimo!…”, respondeu Burt de cima do caminhão, com seus trajes brancos e as duas asas de anjo para cima.

A homenagem póstuma deste blog ao escritor paulistano José Agrippino de Paula (1937-2007), que morreu de enfarte na quarta-feira da semana passada e estaria completando 70 anos nesta sexta, vem na forma do trecho inicial de um brilhante – e rigoroso – delírio pop chamado “PanAmérica”, de 1967 (Editora Papagaio, 3.a edição, 2001).

18 Comentários

  • Tibor Moricz 12/07/2007em17:36

    5 vezes a palavra helicóptero em 8 linhas. Vai gostar de helicópteros assim lá no campo de marte.

  • Sérgio Rodrigues 12/07/2007em17:53

    Tibor, não é só isso. Repare quantas vezes se diz “o negro”, “lança-chamas” e, principalmente, “eu”. Essas repetições são fundamentais no estilo “chapado” do Agrippino. De onde você acha que o André Sant’Anna tirou as dele?

  • Tibor Moricz 12/07/2007em17:55

    Oras, nem reparei nas outras repetições. Isso é resultado da cannabis sativa… por isso “chapado”? hehehehe…

  • Sérgio Rodrigues 12/07/2007em17:59

    Quem sabe, mas eu usei “chapado” no sentido de sem meios-tons, assumidamente raso.

  • paramo 12/07/2007em18:19

    tibor: as repetições em literatura estouraram junto com os miolos de hemingway.

  • clara lopez 12/07/2007em20:42

    Não posso ir muito além no comentário porque não li o PanAmérica, mas por esse trecho estou certa de que não o lerei, parece chatíssimo.

  • Silvio... Silva 13/07/2007em00:03

    Pois é, também não curti muito a prosa do aGrippino, não (só li o PanAmérica). Tipo, penso que simplesmente o estilo dele não me “capturou”. Mas nesse nicho de escrita delirante/onírica, de imaginação, ou rólulos afins, acho interessante o trabalho de figuras tipo Campos de Carvalho, Bill Burroughs, Arrabal e por aí.

  • Bemveja 13/07/2007em06:36

    O começo é meio J G Ballard (circa The Drought), mas tb acho que as repetições (negro, helicóptero), nesse caso, tiram um pouco de musicalidade do texto. Excesso de gerúndios tb. Ou seja: excessos.

  • Rodrigo Lages 13/07/2007em12:50

    Li PanAmérica e o mais próximo de onírico que posso dizer do livro é que ele me fez dormir várias vezes. Muito chato, embora vanguarda, ou chato por este mesmo motivo. Do mesmo José Agrippino, procurando bem na internet, acha-se trechos mais interessantes de outros livros ou crônicas. Mas talvez seja apenas isso, um bom autor de excertos, cujos livros consituem um jornada difícil para o leitor…e sonífera, pelo menos no meu caso.

  • Wilson 13/07/2007em16:37

    O que mais aprecio, em todos os comentários sobre todos os textos do Sérgio, é a forma altamente egocentrica com que os leitores encaram a literatura de escritores que consideram altamente ególatras. Tanto esforço para ser tratado de forma tão superficial: gostei, não gostei.

  • Wilson 13/07/2007em16:40

    Mas uma coisa é certa, caro Sérgio, a janela de comentários do seu blog é um dos mais férteis terrenos para descobrirmos novos redatores para A PRAÇA É NOSSA, quanto para discutirmos literatura séria.

  • clara lopez 13/07/2007em17:31

    Aproveitando, Wilson, a deixa sobre comentários subjetivos nesse espaço tão democrático, quero dizer que apesar desse país estar num patamar iníqüo de corrupção, a gente se sente meio primeiro mundo com uma editora como a Cosacnaify. Acabo de receber dois livros em casa, duas maravilhas editoriais – lindos, cuidadíssimas edições, objetos raros, daquelas coisas que dão realmente prazer: O passado, que coisa mais linda, Wilson! E Gran cabaret demenzial. Quando os tiver lido, terei prazer também em fazer comentários subjetivos e pessoais, graças à liberdade dos blogs.

  • Kleber 13/07/2007em17:35

    sempre quis ler esse livro, mas nunca achei na biblioteca (é… eu uso biblioteca pública ou de faculdade…rs.).

  • Kleber 13/07/2007em17:39

    Pensei que eu era útopico, mas há pessoas piores… querer profundidade em comentários de blog? Nos textos dos blogs já não é muito fácil achar isso… imagina nos comentários. Aproveita que estamos falando de livros e vá direto à fonte, aos livros. Mesmo assim, não será em todos que irá encontrar a tal “profundidade”.

  • joao gomes 13/07/2007em18:20

    Concordo com o Kleber.
    Quer profundidade? Vá ler os anais de congressos científicos e revistas científicas. Pode começar com as “magazines” indexadas e produzidas nos USA e depois dos sete grandes.

  • Mr. WRITER 14/07/2007em15:58

    Quero ver alguém usar hoje em dia a palavra negro, ou japa, ou branquelo, criolo, alemão, americano burro entre outras em um livro… O politicamente correto é mesmo muma grande bosta que domina tudo… Pena, não se pode mais ser irônico, sarcástico, cáustico e destilador de humor negro… É politicamente incorreto… mundo chato.

  • Alice 15/07/2007em18:36

    Nossa! Que triste ele ter falecido. José Agripino teve um período em sua vida que ficou catatônico. Finalmente fizeram a reedição de seu PanAmérica. Esgotado faz muito tempo. Ainda bem que foi antes de ele falecer.
    Obrigada Sérgio pela lembrança de um dos grandes nomes da nossa literatura.

  • F. C. John 17/07/2007em01:03

    Negão lançando chamas, Burt Lancaster e gelatina verde? Fale um pouco mais sobre sua relação com seu pai…