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Dos elogios incondicionais

16/08/2010

Valério Schlondorf está relendo pela quinta vez a resenha que acabou de escrever. A caneta esferográfica em sua mão direita aplica rabiscos ocasionais nas folhas de papel sobre a mesa. Como sempre faz na hora de revisar seus escritos, tratou de imprimir este primeiro: apesar de jovem o bastante para ser considerado um dos valores da “nova geração de escritores brasileiros”, o capixaba Schlondorf é suficientemente velho para achar mais fácil flagrar deslizes, rimas indesejáveis, ideias inconsistentes e frases truncadas quando lê no papel, como se a fluidez da tela do computador mascarasse defeitos. Defeitos que, diga-se de passagem, ele não encontrou no romance que acaba de criticar. Nem para remédio: a resenha é francamente elogiosa.

Seu problema passa a ser então moderar os elogios para, num paradoxo apenas aparente, deixá-los mais potentes. Sabe que as pessoas desconfiam de loas demasiado rasgadas e não é para menos – no ambiente de compadrio, hipocrisia e pouco apreço ao profissionalismo crítico em que chafurdam as letras nacionais, faz muito bem o leitor em se precaver. Assim, em vez de “divisor de águas na literatura brasileira contemporânea”, opta pela sobriedade firme de “livro fundamental na literatura brasileira contemporânea”. No lugar de “gênio”, vai de “talento maior”. E finalmente, ao trocar “o grande nome de sua geração” por “um dos grandes nomes de sua geração”, Schlondorf parece se dar por satisfeito. Repousa a caneta sobre a mesa e, batucando no teclado, transfere rapidamente as alterações para o computador. Em seguida alcança o telefone:

– Alô, Rafinha? Tô com o texto pronto aqui. Estou mandando neste minuto pra você e você encaminha pro editor como da outra vez, tudo bem? Isso, já vai com a sua assinatura. A grana é sua, claro, pena que seja aquela merreca de sempre, o pessoal é muito mão de vaca. De todo modo obrigadíssimo, amigão, fico te devendo mais uma. O título? Coisa singela: “A consagração de Valério Schlondorf”. Hehe, pois é. Mas isso nunca se sabe, às vezes eles mexem no título por problemas de espaço. Sabe como é jornal, é a ditadura do espaço, a honestidade intelectual que se dane. Este mundo tá perdido, Rafinha!

4 Comentários

  • Vinicius 16/08/2010em18:30

    O final me pegou de surpresa!

  • Rafael Rodrigues 21/08/2010em00:11

    hahahaha muito bom, Sérgio, muito bom! abraço!

  • Crézio 21/08/2010em23:31

    Texto limpo, simples. Realista.

  • Foguete de Luz 10/09/2010em23:27

    “Faz o que eu faço mas não diz o que escrevo…” Boa, Sérgio… hehe!