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Drummond em alta voltagem emocional

08/07/2012


Carlito (centro) entre Eucanaã e o mediador Flavio Moura: poema inédito


O depoimento em vídeo de um poeta que conviveu com Carlos Drummond de Andrade e um poema inédito de outro poeta, mais jovem, que o chamou de “uma espécie de Buda” foram dois dos pontos de maior voltagem emocional de toda a Flip 2012. Ambos se deram em rápida sequência hoje à tarde, na mesa “Drummond – o poeta presente”. O depoimento em vídeo foi de Armando Freitas Filho, autor de “Raro mar”. O poema inédito, de Carlito Azevedo, autor de “Monodrama”. O também poeta Eucanaã Ferraz completou a tarde em tom mais sóbrio – o que o contido Drummond certamente aprovaria.

“Era um homem muito carinhoso, eu às vezes achava até que ele tinha pena de mim”, contou Armando. “ Aquela cara litográfica, limpa, limpa, parecia que tinha saído do banho. Aqueles olhos azuis, duas bolas de gude azuis. Era um homem muito simples, mas escrevia aquelas coisas extraordinárias… Ele escre via como quem faz a barba a seco, sem água, sem espuma e sem sabão… Escrevia com o próprio fígado, tirava dele, mas aquilo se transformava num discurso geral. Drummond não escrevia para ninguém mas escrevia para todos, isso era o que mais me impressionava, como ele conseguia abrir esse arco partindo do próprio fígado. Carlos Drummond, mesmo quando de luto, é uma festa. Você pode esquecer a letra do verso, mas você leva o sentimento que o verso trouxe.”

Carlito Azevedo acentuou o aspecto emocional da mesa. “As pessoas quebram”, disse, esparramado na cadeira sobre o palco, com toda a linguagem corporal de quem fala do fundo de uma depressão. “É quase como se Drummond fosse uma espécie de Buda e a poesia dele me ensinasse a iluminação pelo desapontamento. Lendo Drummond, descobri que as coisas têm que quebrar, e só quando elas quebram você consegue ver como são por dentro se tiver um bom – como ele diz – sentimento do mundo.” Em seguida, leu um poema inédito em homenagem a Drummond, afirmando ser a primeira coisa que escreve desde que terminou, há três anos, o criticamente festejado livro “Monodrama”. “Querido príncipe…”, começa o belo texto, que ao fim foi aplaudido de pé e demoradamente pelo auditório.

Eucanaã Ferraz, autor de “Cinemateca”, veio por último, depois de dois momentos de grande intensidade, e foi mais contido e apolíneo. Falou do percurso acadêmico de suas leituras de Drummond, dando crédito a diversos críticos como guias de leitura. “De certo modo”, afirmou, “o Drummond oferece o mesmo teatro do (Fernando) Pessoa, que leva às últimas conseqüências a fragmentação, a multiplicidade, aquilo a que a moderrnidade nos conduziu. Ao mesmo tempo, é como se Pessoa tivesse dado a isso uma espécie de arrumação. Nesse sentido o Drummond foi ainda mais radical, porque não fez a arrumação. Um livro contradiz o outro, um poema contradiz o outro dentro do mesmo livro, um verso contradiz o outro dentro do mesmo poema. O Drummond sempre nos deixa numa enrascada.”

3 Comentários

  • Antonio Vieira da Silva 08/07/2012em20:58

    É um auto elogio desse pessoal do mercado literário que acho que tá na hora de parar. Pra que serve o que esta acima escrito sobre outro escritor? Para nada. A mídia idolatra a literatura e a seus produtores, os escritores, os literatos, os da chamada alta literatura. Faz propaganda gratuita. Talvez por serem de campos mercantis similares, os apresenta, muitas vezes, como agora na Flip, como produtores de um saber indispensável. Ledo engano. A descoberta da partícula de Higgs, se é ela mesmo, não tem similar na literatura. Nem Shakespeare chega perto. O mercado literário se compara mais com a política. Você é livre para entrar, pode ganhar, se dar bem por um lance de sorte, etc… Mais matemática e menos literatura é do que precisamos (no mundo).

  • Sérgio 17/07/2012em23:39

    Sérgio,

    Comparar a literatura com a física ou a matemática, dizendo, a partir da Flip, que ela não tem a mesma importância, eis a questão. Se as pessoas lessem mais, sobretudo literatura de alta qualidade, sem se preocuparem com quem aparece aqui e ali na mídia, teriam, certamente, uma melhor visão sobre as coisas. Considerar que cientistas ou matemáticos são melhores do que escritores não tem cabimento; cada um tem sua importância em seu campo e, se são bons, contribuem com todos (que não se fecham num único universo) em que despertam interesse. É a mania de se achar que algo prático ou ligado à dita verdade dos fatos sempre se sobressai se comparado com uma criação, para quem enxerga assim, abstrata, sem fundamento “lógico”, “exato”, “preciso”. Mas é provado que cientistas também tiveram várias ideias a partir de criações literárias e cinematográficas, por exemplo (falar detalhes seria se estender diante de um argumento desses).

    • sergiorodrigues 17/07/2012em23:52

      Inteiramente de acordo, xará. Obrigado por se animar a fazer uma defesa daquilo que para mim, desde sempre, não precisa de defesa nenhuma, o que acaba por me deixar com uma preguiça gigantesca diante de filistinices do gênero. Defeito meu, claro. Um abraço.