Clique para visitar a página do escritor.

Handke, Milosevic, ‘Asas do desejo’

03/06/2006

A vida do escritor austríaco Peter Handke piorou muito desde que ele compareceu ao funeral de Slobodan Milosevic, em março, e fez um emocionado discurso de adeus ao ex-ditador sérvio, o último grande genocida de um século rico nesse gênero.

A primeira conseqüência sofrida por Handke foi o cancelamento da temporada de uma peça de sua autoria em Paris, pela direção da Comédie Française. A segunda virá na semana que vem, quando – a agência France-Presse dá isso como certo – o conselho municipal da cidade alemã de Dusseldorf vai se reunir para lhe tomar o prêmio literário Heinrich Heine. A honraria foi atribuída a Handke, mas ainda não entregue.

Um dos grandes escritores de língua alemã da atualidade, Peter Handke é pouco lido no Brasil. Alguns de seus principais livros, “A ausência” e “A repetição”, foram lançados pela Rocco, mas andam fora de circulação; ainda disponível em livrarias virtuais, só encontrei “História de uma infância” (Companhia das Letras). Influenciado pela experiência radical (e freqüentemente ilegível) do noveau roman, mas capaz de levar a lentidão da narrativa a novos níveis de ressonância poética, Handke ficou mais conhecido por aqui pela longa parceria com o cineasta Wim Wenders, traduzida em filmes como “O medo do goleiro diante do pênalti” e a obra-prima “Asas do desejo”.

Qual é a novidade? Trata-se de mais uma prova, entre milhares, de que talento literário e uma cabeça política saudável nem sempre andam juntos. Basta pensar em Ezra Pound, em Jorge Luis Borges, em tantos outros. A verdade é que já pensei em todos eles, mas adiantou pouco. Continuo achando difícil conciliar o autor de “Asas do desejo” e o exaltador de Milosevic na mesma pessoa.

28 Comentários

  • BCK 03/06/2006em09:26

    Do artigo sobre o autor na Wikipedia:

    On 18. March 2006, Handke spoke at the funeral of Slobodan Milo?ević in front of over 20.000 visitors. His speech in Serbian caused much controversy over what he said, and has wrongly been translated as expressing his happiness at being close to Milo?ević, who defended his people.[1] What he actually said was: “I don’t know the truth. But I look. I listen. I feel. I remember. This is why I am here today, close to Yugoslavia, close to Serbia, close to Slobodan Milo?ević.”

  • Luis Antonio Escobar 03/06/2006em10:21

    Você citou escritores com ligações à direita. Por que é que escritores com ligação com regimes fortes de esquerda continuam com a aura de santo? Ninguém quer caçar os prêmios concedidos a Jorge Amado e Sartre, stalinistas, ou a Gabriel García Márquez e Saramago, admiradores do paradón cubano.

  • Flávio 03/06/2006em11:05

    O Nobel do Sartre nem precisou ser cassado, já que ele mesmo dispensou o prêmio. Handke não foi o primeiro nem vai ser o último escritor de destaque a defender um regime escroto. García Márquez, Saramago e Jorge Amado (que, ao contrário do que escreveu o Rodrigo, foram e são patrulhados – com razão, diga-se de passagem – por suas posições) apoiaram Fidel Castro e outros ditadores de esquerda. Pound e Cocteau simpatizavam com o Fascismo. Céline era anti-semita. Borges ficou encantado com a ditadura militar argentina. Mesmo o proselitismo liberal do Vargas Llosa às vezes dá no saco. Assim como as exortações anti-Bush de Harold Pinter.
    E por aí vai. Mas não creio que uma opinião política equivocada (e/ou ingênua) diminua o valor da obra de um autor.

  • Sérgio Rodrigues 03/06/2006em11:08

    BCK, esse verbete da Wikipedia está um pouco pró-Handke demais. São inúmeras as fontes confirmando que ele disse o que disse.

    Quanto à diferença de tolerância com abusos à direita e à esquerda, Escobar, você tem uma certa razão, mas o xis da questão no caso de Milosevic está acima – ou abaixo – disso. Chama-se genocídio.

  • André Pessoa 03/06/2006em11:24

    Bem, acho normal a decepção com o autor, ou mesmo um certo patrulhamento sobre a atitude pública dele.

    Mas a verdade é que isso não tem relação direta com o trabalho dele. Não vejo porque possa ser motivo para o cancelamento de uma peça ou de um prêmio literário. Ele deixou de ser um grande escritor por ter dito uma coisa daquelas?

  • Bruno Galera 03/06/2006em11:33

    Borges zombava (e muito) da seriedade com que as pessoas interpelavam-no a respeito de posicionamento político. São as mesmas pessoas que, hoje em dia, não conseguem ler uma linha de qualquer autor sem questionar sua ideologia. A literatura, em si, pouco importa.

  • Peter Blake 03/06/2006em11:59

    Sérgio, mil perdões, mas vou bagunçar um pouco seu blog pra te agradecer o toque com o “Mãos de Cavalo”. Duca. Prometo não ler nem uma linha sobre as opiniões politicas do Daniel Galera (seu parente, Bruno?) pra preservar a excelente impressão.

  • Bruno Galera 03/06/2006em12:01

    Há de ser meu irmão, por supuesto.

  • Peter Blake 03/06/2006em12:04

    Liga não. Meu irmão também é bem mais fodão do que eu. Manda um abraço pro cara, que é bom, apesar de gaúcho (meu novo eu catarinense se manifestando).

  • Bruno Galera 03/06/2006em12:08

    Faço isso, assim que tiver paciência de atravessar Santa Catarina para reencontrá-lo em São Paulo ;]

  • Sérgio Rodrigues 03/06/2006em12:09

    Em respeito à tremenda complicação que é essa história, e que eu tentei traduzir na nota, convém não perder de vista algumas coisas:

    1. É tão ridículo supor que uma posição política torta retira qualidade da literatura de um autor quanto que uma postura política irretocável acrescenta valor a um escritor medíocre.

    2. A atitude de cassar um prêmio por conta de questões políticas é duvidosíssima, mas não sejamos ingênuos de supor que quem o faz age movido por qualquer mistura de política e estética. Trata-se, claro, de uma resposta puramente política a uma atitude política.

    3. Finalmente, espero ter deixado claro que Handke é um grande escritor, e não deixaria de ser um grande escritor ainda que negasse o Holocausto. Mas eu compreenderia o leitor que, neste caso, desistisse de gastar seu tempo com ele. (Isso é uma hipótese, o caso não chega a tanto.)

  • Peter Blake 03/06/2006em12:10

    Pula o Paraná que eu recomendo. E um abraço pro cê tambem, ora esta.

  • Pedro Curiango 03/06/2006em12:26

    O caso Handke deve ser visto à luz do que representa: a censura imposta por burocratas à liberdade de expressão, uma repetição, em tom menor, do que fizeram nazistas, fascistas e soviéticos. Handke se posicionou como testemunha de um fato maior do que as simples manchetes de jornal dizem: a guerra dos Balcãs não é um caso em branco-e-preto em que um lado é totalmente inocente e o outro totalmente culpado. O teatrólogo austríaco reconhece a culpa e a inocência de todos os lados e se coloca como testemunha num momento que não deveria ser de fechamento. Por mais que detestemos QUAISQUER crimes de guerra, a morte de Milosevic – que não era ditador, já que fora DEMOCRATICAMENTE eleito, nem foi condenado, já que seu processo ainda não tinha sido concluído – não pode, como querem muitos, fechar o processo geral por que passa a região e o julgamento histórico da participação que tiveram lá os chamados “grandes poderes”. A questão continua em aberto e a atitude do diretor de teatro francês, ao recusar a apresentação já marcada de sua peça, ou a dos deputados de Dusseldorf, que querem “despremiá-lo”, é muito mais perigosa que o corajoso testemunho de Handke, chamando atenção para o fato de que em toda história sempre há mais de uma versão. Toda obra de Handke chama atenção para isto. E é, aliás, exatamente esta posição que os que admiram sua obra sempre esperaram dele.

  • Peter Blake 03/06/2006em12:33

    Impressionante, Curiango. Seu texto é incorreto em tanto pontos e em tantos níveis que eu até desanimo. Quer dizer que então que todas as versões são igualmente boas, que todos são culpados, inclusive os mortos, que o fato dele ter sido eleito o torna democrático? Nojo, nojo.

  • Pedro Curiango 03/06/2006em18:30

    Peter Blake: se o senhor segurasse seu “nojo” por um momentinho mais teria visto que eu não defendo Milosevic, nem QUAISQUER outros tipos de crimes de guerra. Muito pelo contrário: o que digo é que não é hora de “fechar o processo geral por que passa a região e o julgamento histórico da participação que tiveram lá os chamados ‘grandes poderes’. A questão continua em aberto…” O que provocaria nojo deveria ser o desejo de encerrar tudo, dando fim a um processo pela morte de um dos acusados, e tentando calar sumariamente os que testemunham [como Handke] a vontade de que é necessário continuar procurando a verdade. Seria bom ler o que disse Handke, que pode ser encontrado, em inglês, em muitas páginas da internet, e que, na sua totalidade, é bem mais positivo do que o pequeno texto que aparece na Wikipedia.

  • Idelber 03/06/2006em22:19

    Caro Sérgio, peço licença e desculpas para publicar um comentário um pouco mais longo que o normal.

    Em primeiro lugar, Pedro Curiango: clap, clap, clap. Parabéns. Enfrentar a troupe do linchamento moral sempre demanda coragem.

    Eu sempre achei que quando alguém diz que “há inúmeras fontes” confirmando algo e não cita nenhuma, é sempre bom dar uma segunda olhada. A mentira deslavada – que Handke, não sem razões, prefere chamar de calúnia – de que o escritor austríaco teria se referido a Milosevic como um “homem que defendeu o seu povo” (mentira infelizmente reproduzida neste blog) teve início num artigo publicado no Nouvel Observateur por uma certa Ruth Valentini, no dia 06 de abril de 2006. O artigo continha várias outras calúnias, todas elas já reconhecidas como “lamentáveis erros factuais” pela própria revista que o publicou.

    1. Nesse artigo, Valentini afirma que Handke “tremulou a bandeira sérvia”. Mentira, já reconhecida pela revista.
    2. O artigo também afirma que Handke se referiu ao povo sérvio como as “verdadeiras vítimas da guerra”. Mentira, já reconhecida pela revista.
    3. O artigo afirma que Handke “defendeu o massacre de Srebrenica”. Mentira, já reconhecida pela revista.
    4. O artigo afirma que Handke “colocou rosas no carro fúnebre de Milosevic”. Mentira, também já reconhecida pela revista (link)

    O que Peter Handke respondeu à revista – e que esta publicou sem contestar – foi o seguinte: eu fiz, sim, um discurso em sérvio. Traduzido ao francês, minhas declarações foram: “Le monde, le soi-disant monde, sait tout sur la Yougoslavie, la Serbie. Le monde, le soi-disant monde, sait tout sur Slobodan Milosevic. Le soi-disant monde sait la vérité. Pour cela, le soi-disant monde est aujourd’hui absent, et pas seulement aujourd’hui, et pas seulement ici. Je sais que je ne sais pas. Je ne sais pas la vérité. Mais je regarde. J’écoute. Je ressens. Je me souviens. Pour cela je suis aujourd’hui présent, près de la Yougoslavie, près de la Serbie, près de Slobodan Milosevic. (tradução ao inglês aqui).

    O embaraço foi tanto que até o venerável velhinho de 85 anos, Jean Daniel, fundador do Nouvel Observateur viu a necessidade de “controlar o prejuízo” no seu blog (link), enquanto o diretor da Comédie Française, Marcel Bozonnet, se apressava em dizer que o cancelamento não tinha tido nada a ver com o artigo de 06 de abril, como se o motivo pudesse ter sido outro. Entrando no modo “erramos, erramos, erramos, mas mesmo assim Handke continua sendo um traidor repugnante”, a Comédie Française se viu até mesmo obrigada a postar no seu site (link) o artigo em que Handke explica os seus verdadeiros motivos para estar no enterro: numa palavra, ser testemunha, com seus próprios olhos.

    Apesar da calúnia já ter sido mais que demonstrada, isso não impede que ela continue sendo reproduzida por “fontes” como o Yahoo News, que recebem a coisa de enésima mão, e daí, infelizmente, para este blog.

    Portanto, antes de juntar-se, mesmo involuntariamente, à troupe do linchamento, é bom apurar os fatos.

  • marco 03/06/2006em22:27

    Sentado na janela de seu apartamento, Jorge Amado pensava. Do outro lado do Sena, a Notre Dame se banhava na luz dourada que só o outono parisiense tem.

    Em que pensava Jorge Amado ?

    Nos capitães de areia de sua juventude ou no valor de seu imóvel na Paris de anos mais velhos, algo assim como uns 5 milhões de dólares?

    Ah…os escritores e suas sagradas contradições…

    abs,
    ma

  • Sérgio Rodrigues 04/06/2006em01:20

    Em resposta à longa defesa de Handke feita por Idelber ali em cima, alguns esclarecimentos importantes:

    1. Agradeço a informação sobre a notícia sensacionalista do Nouvel Observateur e lamento ter dado curso à frase sobre o “defensor de seu povo” – de todos as “calúnias” citadas no comentário, a única que veio parar neste blog. Como não tenho compromisso com o erro, já retirei a frase da nota. Não faz a menor falta.

    2. As fontes que deram curso à tal frase são muitas, da agência alemã Deutsch Welle ao jornal The Guardian, para citar apenas duas acima de qualquer suspeita. O Yahoo foi linkado aqui porque trazia um resumo mais amplo da história.

    3. A frase é, obviamente, secundária. O comparecimento ao velório de um genocida de carteirinha fala por si – e lamento informar a Idelber e Curiango que esse atributo de Milosevic está longe de ser uma questão histórica aberta, infelizmente.

    4. Nada poderia estar mais distante do espírito da minha nota do que o clichezão do “linchamento moral” de Handke, como acredito que qualquer leitor de olhos livres entendeu. O escritor austríaco tem o direito de defender – como defendeu em outras ocasiões – o nacionalismo sérvio e seu grande timoneiro. Mas achar que pode pagar tributo a uma figura como Milosevic e se safar com a conversa de ser apenas “testemunha” é ridículo.

    5. Sim, as retaliações que Handke está sofrendo levam jeito de censura. Noticiei-as, e em momento algum as defendi. Mas não, isso não torna sua posição mais aceitável.

    6. Não é sequer original essa argumentação que superdimensiona a notícia maldosa do Nouvel Observateur como se ela explicasse tudo e o gesto de Handke tivesse a inocência de um piquenique à beira do Sena. Passo a passo, até dando os mesmos links, ela pode ser encontrada num artigo de Gilles d’Aymery no site Swans. Faltou apenas levar até o fim a coragem de d’Aymery de retratar Handke como um herói solitário rodeado por “tubarões sedentos de sangue” e concluir, num grotesco tom de manifesto:

    Para aqueles que viajam nessa estrada pouco batida, Peter Handke nos conforta com sua convicção de que sim, há outra Europa, e na verdade outro mundo. A toda velocidade, avante.

    Acho que é o caso de dizer: Deus nos livre.

    Para uma visão mais ponderada e menos prêt-à-porter da questão, recomendo um artigo do português Público (link via Google, porque o jornal restringe o acesso ao arquivo) e outro do blogueiro parisiense do ‘Times’ de Londres.

  • Zurf 04/06/2006em13:31

    Pode-se esperar de uma imaginação fértil o suficiente para acreditar em deus, que também acredite em algo como cabeça política saudável.
    O que não se pode é aceitar pacificamente as substituição do popular deusmilivre por um esnobe Deus nos livre.

  • Zurf 04/06/2006em13:31

    a

  • Luis Antonio Escobar 04/06/2006em16:29

    Esse Idelber invadiu o seu espaço? Mais um chato… E com diploma!

  • santinha 04/06/2006em19:37

    É impossível deixar de ouvir as vozes dissonantes. Triste seria não ter um Idelber, um Pedro Curiango, debatendo, com segurança, um assunto pra lá de interessante. Muito bom!

  • Daniel Brazil 04/06/2006em21:51

    Por mais que se queira separar, a vida de um homem está intimamente ligado à sua obra. Toda vez que alguém quer lembrar de artistas que têm ou tiveram posições condenáveis, vêm à tona os nomes de Borges, Céline ou Pound, de um lado do espectro, ou de Garcia Marquez, Jorge Amado ou Saramago, de outro.
    Parecem mais exceções, uma vez que há um número muito maior de artistas notáveis que se perfilaram à esquerda ou à direita (mais à esquerda, é o que parece), de corpo e obra, mas que por motivos misteriosos são menos lembrados no calor dos argumentos.
    Como homens pensantes e participantes de seu tempo, a maioria dos escritores defendou pontos de vistas políticos. Por ação ou por omissão, inclusive.
    Parabéns pela resposta firme, Sérgio.

  • Marcelo Moutinho 05/06/2006em12:13

    Plac plac plac, Sérgio. É difícil – quiçá impossível – compreender certas atitudes de artistas cuja obra reputamos grande. Isso nada tem aver com ser de direita ou esquerda. Até porque o panfletarismo quase sempre dimimui a obra, e não o oposto

  • Idelber 05/06/2006em13:17

    Caro Sérgio, alegro-me muito de que a falsa citação tenha sido retirada do post. Talvez a pessoa à qual a citação foi falsamente atribuída não a considere tão “secundária” assim.

    Quanto a todos os outros aspectos desse imbróglio, preferi escrever no meu próprio blog, para, afinal de contas, não abusar do seu espaço.

    Deixo o convite, então, a você e seus leitores.

  • Dostoievsky da Silva 08/06/2006em15:55

    Handke, Hitler… Esses austríacos são muito estranhos…
    Dostoievsky da Silva

  • jose carlos 16/06/2006em08:07

    qdo eu leio sobre um monte de gente defendendo esse monstro assassino q foi esse milosovic me dá náuseas,ele deve estar feliz no inferno comemorando com o capeta .ser eleito democraticamente é uma coisa e se revelar uma besta sanguinária é outra coisa.

  • free ringtones 29/11/2006em12:01

    qtgg7xd7qx2yntrw qtgg7xd7qx2yntrw qtgg7xd7qx2yntrw qtgg7xd7qx2yntrw qtgg7xd7qx2yntrwa