Clique para visitar a página do escritor.

Lendas etimológicas: Forró

25/07/2009

O post de hoje é a junção de duas colunas publicadas no NoMínimo em 9 e 11/11/2005.

A leitora Natalia Vale Asari pega uma carona no tema do sucesso que fazem as teorias “etimológicas” pitorescas para tratar de outra palavra, esta bem brasileira: forró.

“A sua discussão sobre ‘etimologia romântica’ lembrou-me do acesso de fúria que o meu avô teve ao saber da produção de um filme chamado ‘For All’”, diz a leitora. “Ele adquiriu uma certa antipatia pelos estadunidenses que trabalharam na base militar em Natal e não admitia que essa crença de que ‘forró’ vinha de ‘for all’ estivesse se espalhando. Preferia acreditar na versão (mais plausível) de Câmara Cascudo, de que ‘forró’ vem de ‘forrobodó’. Enfim, qual das duas versões tem mais embasamento histórico?”

A resposta está na própria mensagem de Natália. Para a maioria dos etimologistas, forró é simplesmente a forma reduzida de “forrobodó”, que significa “baile popular, arrasta-pé” e também “confusão, balbúrdia”. A intromissão de for all nessa história parece ser mais um caso de excesso de imaginação. E mais um, também, em que a versão engraçadinha suplanta em popularidade, com muitos corpos de vantagem, aquela que procura manter os pés no chão.

*

Alguns leitores se queixaram, com razão, de que faltou explicar a origem da palavra “forrobodó”, da qual “forró” é a forma reduzida, segundo a maioria dos lingüistas.

Também aqui as teorias descabeladas dão as caras. Um leitor levanta a possibilidade de que “forrobodó” venha de for all body, mas cabe à leitora Ana Flores a contribuição mais saborosa de todas. “Para botar mais lenha na fogueira”, escreve ela, “a versão que eu sempre ouvi sobre a origem de ‘forró’ é que vem, realmente, de forrobodó, mas que esta palavra viria de for all but dogs, uma alusão à restrição de entrada dos animais nas festas.”

For all but dogs! Traduzindo: para todo mundo, menos cachorros. Eu, ignorante, não conhecia essa versão e ri muito com ela, que sem dúvida merece algum tipo de prêmio pela criatividade. Mas, mais uma vez, sou obrigado a dizer que não – não parece ser o caso.

A origem de “forrobodó” é controversa. Antenor Nascentes, Antonio Geraldo da Cunha e até o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa acreditam que esse brasileirismo surgiu por “formação expressiva”, aquele processo em que os sons pulam na frente e trazem os sentidos a reboque. Silveira Bueno concorda, e registra que a palavra “bode”, provavelmente, tem alguma coisa a ver com isso.

Cabe ao Houaiss – um dicionário que, como quem não quer nada, dá um discreto show de etimologia – apontar outros caminhos e registrar que o gramático Evanildo Bechara viu na palavra uma variação do galego forbodó, por sua vez associado a fabordão, do francês faux-bourdon, que tem o sentido de “sensaboria, desentoação”. Mas o que o forrobodó tem a ver com a desentoação, em termos de sentido? É que, prossegue o Houaiss, “na região pesquisada, segundo registra Bouza-Brey, a gente ‘danza com absoluta seriedad a golpe de bombo, los puntos monorrítmicos monótonos de ese baile que se llama forbodo’”.

Soa plausível, não? Além do mais, alguém já ouviu falar de um único cachorro que tenha sido barrado no forró?

8 Comentários

  • JH 26/07/2009em00:24

    “For all but dogs” também me fez rir “à larga” como gostava de dizer a minha avó D. Theodora. Inventivo! Mas, claro, quem “em domínio de suas faculdades mentais” (outra dela!) acreditaria quem em algum forró pudesse ter havido advertência assim? No máximo, “Deixem peixeiras e trabucos na entrada”. Dificilmente um cabra iria ao forró acompanhado de seu cão. E cães não sabem ler. Essas restrições aos animas só surgem com o hábito dos pets (cariocas levam os seus para cagar nas praias).

    Você tá numa trip etimológica, né?

  • JH 26/07/2009em00:25

    “restrições aos animais”

  • lfs 28/07/2009em16:18

    Outra engracada é a da origem do Baitôla.
    Diz-se que quando estavam constrindo uma estrada de ferro no Ceará, um engenheiro inglês homossexual lembrava a todos da bitola da ferrovia (pelo sotaque dele, Baitôla), desta forma, baitôla virou sinônimo de homossexual na região.

  • iara 28/07/2009em16:29

    adorei esse post! já fiz um trabalho sobre isso, mas nunca cheguei aps boatos de ‘faux-bourdon’ muito menos ‘for all but dogs!”. genial! pelo menos pra aumentar a historia e dar boas risadas hehe

  • Roger 01/08/2009em19:18

    Gente, acho que tem alguma ligação com cachorro sim!
    Conta uma lenda, que houve uma festa para os caninos, era proibido entrarem com o orgão reprodutor, ou seja, deveriam deixar pendurados num painel logo na entrada.Durante a festa, em dado momento houve uma confusão generalizada, a cachorrada se desentendeu e foi uma correria danada. Na confusão os mais fracos correram na frente e pegaram o orgão mais acessivel no painél. Óbvio que houve uma troca dos ditos cujos e até hoje quando os caninos se encontram, um cheira o outro pra ver se não é o dele perdido na ocasião.
    Isso sim é um forrobodó do cão.

  • andré carvalho 23/11/2009em17:57

    quando fui a natal, rn, ouvi mesmo essa explicação da base naval. agora, não é possível que as duas coisas tenham acontecido ao mesmo tempo? em alguns lugares tenha começado com diminutivo de forrobodó e em natal com o “for all”? uma versão exclui a outra? e se forrobodó for uma versão aumentada de forró, e não forró um diminutivo? acho difícil concluir algo sem ter registros precisos.

  • fred 12/05/2010em11:52

    Minha opinião é a de que o termo forró originou-se da festa que os negros alforriados – os negros forros – faziam quando conseguiam a alforria. “For all” não faz o menor sentido. Imagina que você vai para a Servia, quer se relacionar com a população local, resolve dar uma festa e convida todo mundo, e para isso faz uma placa com o convite…em portugues! Não tem o menor cabimento. abs, fred