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O dia em que a ‘New Yorker’ não falou da literatura brasileira

15/11/2010

Há pouco mais de dois anos recebi em casa uma ligação incomum: do outro lado da linha, uma simpática repórter da “New Yorker” queria saber minha opinião sobre Paulo Coelho, que seria tema de uma longa reportagem naquela que considero a melhor revista do mundo.

Animado pela vaidade de ter minha opinião requisitada pela “New Yorker”, ainda que sobre um tema pelo qual tenho reduzido interesse, falei longamente sobre nosso representante solitário no jet-set literário internacional. A conversa começou a degringolar quando a entrevistadora me perguntou por que, com seu enorme sucesso, PC não tinha franqueado as portas do mercado internacional para outros escritores brasileiros – por que, em suma, não contava com um mísero seguidor.

– Ah, porque seu trabalho é algo à parte, mais relacionado com Carlos Castañeda ou Richard Bach do que com qualquer coisa feita aqui – respondi. – Não tem ligação absolutamente nenhuma com a tradição da literatura brasileira.

Foi quando ouvi a pergunta singela, ofensiva, espantosa:

– Mas a literatura brasileira tem uma tradição?

Passado o choque que a arrogância imperialista sempre provoca, especialmente quando distraída, espontânea, simpaticíssima (“sua casa tem água encanada, jura?”), a entrevista virou um curso intensivo e meio atropelado de literatura brasileira: os românticos, os modernistas, os regionalistas, os urbanos, os canônicos, os marginais. Machado, Graciliano, Rosa, Amado, Campos de Carvalho, Clarice, Rubem, Raduan e sei lá mais quem. A repórter da melhor revista do mundo, a essa altura sob suspeita de foquice aguda, nunca tinha ouvido falar de nada disso.

Pareceu interessada, porém. Num e-mail posterior, chegou a pedir nomes de autores e livros. Mas duvido que tenha perseguido o assunto, pois a reportagem que acabou por escrever não passava sequer perto de mencionar essa estranha instituição chamada “tradição da literatura brasileira”. Aliás, nada do que eu lhe disse foi aproveitado na edição final.

A simpática repórter da “New Yorker” deve ter imaginado que isso não teria o menor interesse para seus leitores. E provavelmente estava certa.

24 Comentários

  • Foguete de Luz 15/11/2010em17:14

    Paulo Coelho? Ocultista da alta magia, disfarçado de escritor. Promete mundos e deixa todos nos fundos. Isso sim. Paulo Coelho… nada a ver com literatura. Nadica. Não quero dizer com isso que sou conhecedora de literatura. Não sei nada. Só gosto de ler. Mas digo: PC e literatura estão tão distantes quanto PT e honestidade.

  • Pedro David 15/11/2010em17:35

    Sérgio,

    Estava há um tempo esperando um gancho para falar de um tema que vem me incomodando recentemente. Gosto de usar o espaço aqui para tratar dessas idéias, mas não queria lançar de paraquedas a questão.

    Pois bem: ando fazendo aulas com um velho mestre, estamos tratando de literatura e cinema, auxiliados por algum texto filosófico. O cara é daqueles que colocam o sarrafo lá em cima, e fica difícil você se contantar com pouco. Daí que vem uma consntante frustração e vergonha da nossa republiqueta. As traduções são ridículas. A edição de um clássico como “Morte em Veneza”, da Abril, que você encontra nos sebos e feiras, é ilegível. Inacreditável. Um livro desses só pode ter sido colocado na rua pra figurar na prateleira de quem quer ter a coleção completa, mas não lê.

    Outros textos, a gente não encontra. “A marquesa de O”, Kleist, teve que ser buscada no Insituto Alemão; “Estética da resistência”, Weiss, não tem tradução. Alberto Morávia já não tem mais. E o mais triste: essas novas traduções de que tanto se gabam as editoras, muitas delas, prestam bem menos do que as antigas, feitas por grandes autores. Essas, só em sebo, quando muito.

    Tudo isso para dizer que bastou sair do maravilhoso mundo da pseucultura-jornalística-jornaleira, bastou bater um papo de meia duzia de aulas com um erudito mais turrão, e você constata: aqui não tem cultura encanada.

    Daí a pergunta: não está faltando estado, política cultural nessa história ? Ontem mesmo, falando com um músico amigo meu, ele me puxou a orelha. OK, o ministério do Gil foi excelente no fomento de pequenas manifestações culturais, mas e a cultura como política de estado, como política internacional ? Somos uma nação de duzentos milhões de pessoas, e somos tratados como exóticos, como falantes de um idioma marginal.

    Por que será que o Insituto Alemão guardou uma tradução bem bonitinha do Kleist ? OLha que não estamos falando do Goethe… É o só o Henrich Kleist. A internet pode até saciar a minha e a sua fome, mas ela nao vai gerar fome de Brasil em ninguém. E não termos cultura encanada, não significa que não venhamos a ser potência, não significa que nossos produtores ou consumidores de cultura morreram de fome e sede. Singnifica, apenas, que seremos sempre menores em espírito. Enfim, idéias tristes de um país que não existe, no dia de república…

  • Thiago Castilho 15/11/2010em17:44

    Saudaçoes, meu caro Sérgio. Dediquei metade do post dessa semana do Esconderijo ao Todoprosa. Espero que goste.
    http://www.esconderijo-do-observador.blogspot.com/
    Att,
    Thiago Castilho

  • Rafaela Gimenes 15/11/2010em19:09

    No Brasil, é verdade, não temos tradição literária… E, claro, há macacos no centro do Rio.

    Choque, mais nada.

  • saraivão 16/11/2010em00:01

    Ficou, porém, a pergunta que não quer calar: a literatura brasileira tem uma tradição, afinal?

  • Bruno Conde 16/11/2010em01:24

    Caro Sérgio Rodrigues,
    Sabe quem está interessado em publicar brasileiros no exterior? Os pequenos editores da LIBRE, via Apex (não sei quem correu atrás de quem, mas estão conversando). Os grandões, de Cia. das Letras a Sextante, cagam e andam. Como diria Vonnegut Jr., “coisas da vida”.
    Abraços,
    BC

  • marcio 16/11/2010em04:43

    “sua casa tem água encanada, jura?”

    comédia, isso

  • Vinícius Antunes 16/11/2010em07:34

    Sérgio, obrigado por compartilhar este desabafo. O curioso é que não temos a menor idéia do quanto a literatura brasileira é desconhecida no mundo. Estive há pouco tempo na Colômbia e ninguém conhecia um autor brasileiro sequer e olha que estamos falando de um país que está ao nosso lado. Pelo mundo afora, sempre se ouve falar de Machado, Machado, Machado e sempre se referem ao Antônio Machado, não existe Machado de Assis. Ou seja, sempre que falo com qualquer estrangeiro parece que vivemos num mundo exclusivo. Curioso é ver que países como México, Colômbia, Chile, Argentina, hermanitos bem próximos, possuem autores bem conhecidos por aí.

  • Tibor Moricz 16/11/2010em12:59

    Não há macacos no centro do Rio? O_o

  • Tibor Moricz 16/11/2010em13:02

    Se falarmos em literatura de gênero, e não mainstream, autores (editores e críticos)luminares nos EUA recitarão de cor e salteado uma lista (pequena) de autores nacionais que admiram. Viram só? Estamos melhores do que vocês…rs

  • alex castro 16/11/2010em13:12

    Oi Sergio.

    Eu dou aulas de português na Universidade de Tulane e meus alunos lêem muita literatura brasileira, sempre em português. Só pra te dar um exemplo de três cursos que dei (os cursos sempre incluem filmes tb, q nao vou citar):

    1) Panorama da Literatura Brasileira

    Clara dos Anjos, Lima Barreto
    Hora dos Ruminantes, J.J. Veiga
    Vidas Secas, Graciliano Ramos
    Felicidade Clandestina, Clarice
    Feliz Ano Novo, Rubem Fonseca

    2) Crônica Brasileira

    100 Melhores Crônicas Brasileiras, do Joaquim Ferreira dos Santos

    E fiz seleções de crônicas avulsas dos nossos melhores cronistas. Então, tivemos aulas especiais só para crônicas dos seguintes autores:
    Alencar, Machado, João do Rio, Nelson Rodrigues, Clarice, LF Veríssimo, Sabino, Rubem Braga, Drummond.

    As últimas 3 aulas foram sobre blogs, que é onde se faz a nova crônica.

    Tem mais detalhes aqui:
    http://www.interney.net/blogs/lll/2008/08/08/a_cronica_brasileira/
    http://www.interney.net/blogs/lll/2008/11/23/aula_de_blogs/

    3) Introdução aos Estudos Brasileiros

    Os Sertões, Euclides
    Casa Grande & Senzala, Freyre
    Quarto de Despejo, Carolina Maria de Jesus
    Hora da Estrela, Clarice
    Dom Casmurro, Machado

    Vale a pena lembrar o seguinte:

    A enorme maioria dos alunos é de outras disciplinas. Existem poucas pessoas fazem graduação em português, é verdade, mas muita gente, de todas as áreas, tem interesse no Brasil, em melhorar o português, em saber mais sobre cultura brasileira, etc. De 2005 até hoje, o número de alunos nas minhas aulas só faz crescer. A boa imagem do Governo Lula tem aumentado muito o interesse dos alunos. Entre os meus alunos, tem gente de Administração, Direito, Medicina, todas as áreas. Cada uma dessas aulas tinha, em média, 30 alunos e, começando ano passado, começamos a oferecer o dobro de cursos em língua portuguesa, para servir a demanda. Muitos dos meus ex-alunos agora estão no Brasil ou trabalham em empresas americanas que fazem negócios com o Brasil.

    Enfim, claro, a literatura brasileira continua totalmente desconhecida do mainstream, mas as coisas tem melhorado exponencialmente só nos últimos 6 anos em que estou aqui.

  • Antônio Conselheiro 16/11/2010em13:23

    Precisamos arranjar uma literatura de exportação, né mesmo?

  • juliana piotto 16/11/2010em14:24

    nem fico chocada com o comentário da água encanada, pois é realidade!
    Quando viajei pros EUA comprei uma camêra digital e um dos meus amigos gringos, de Idaho, disse curioso: “você vai ter onde descarregar as fotos? Tem energia elétrica no seu país?”

  • Bastardo Inglório 16/11/2010em14:38

    Putz, tudo bem que parte da culpa é nossa, mas a repórter não fez o básico. Nem o Google ela consultou?

  • Natalia 16/11/2010em16:03

    Sergio, acredito que aqui, como em todos os outros paises, existam pessoas que nada sabem sobre o Brasil. Aliás, essas mesmas pessoas geralmente não sabem o que se passa com o proprio país. Entretando, isso não deveria acontecer a uma reporter da New Yorker. Agora, como podemos culpá-la se reporteres brasileiros também não sabem nada sobre a nossa tradição literária? Na boa, são poucos, e bem raros, aqueles que se informam sobre este assunto.

  • Rose 16/11/2010em17:07

    Não faz mal que não nos saibam. Deixemos pra lá…

  • Antonio 16/11/2010em17:37

    Sérgio, O Paulo Coelho é uma espécie de Big Mac brasileiro. Vende muito mas o que tem dentro é poliuretano com carne de terceira. Poém é o que as pessoas comem hoje, paciência. Azar do foie gras (que aliás, já é taxada de iguaria politicamente incorreta). Quem escreve hoje para a New Yorker morre de saudades do tempo em que os jornalistas da revista se fartavam de foie gras. Era é uma publicação snob. Atualmente eles tem que escrever sobre big mac. Mudou o mundo literário. A manada tomou conta do planeta e livro hoje é pra passar o tempo, não mais para causar frisson na alma ou nas consciências. Na minha opinião, a tradição brasileira sempre foi de uma literatura peba, inspirada na gentalha, no zé povinho, não em nobres ofendidos, heróis diletantes e por aí vai. Temos a tradição da crônica, da literatura do dia a dia, mas não temos nada que aborde temas universais. Por isso o mundo não nos vê com importância literária. Paulo Coelho foi ao encontro da manada, do leitor-gafanhoto, que come páginas de livros apenas para encher um vazio e logo voa para a plantação seguinte. Hoje, para a maioria, um livro tem a mesma importância de um big mac. Talvez sejam feitos da mesma matéria prima. A tradição da mesa farta foi substituida pelo fast-food. São os tempos.

  • Michel Queiroz 17/11/2010em00:39

    Tudo beleza, Sérgio?
    Essa história é ótima, cara! Deve ter sido assustador descobrir que os 180 milhões de índios que vivem no Brasil, escrevem livros e já tem água encanada!

    Tu chegou a ver a matéria publicada?
    abração!

  • José Maria e Silva 17/11/2010em03:27

    Caro Sérgio Rodrigues, esse episódio mostra a universalidade da ignorância.

  • Rosa 19/11/2010em00:24

    Sergio, não me leve a mal, mas eu pergunto a você: a matéria já foi publicada? Importantíssimo: qual o nome da foca, digo, da repórter? Tudo bem que a New Yorjer seja esa… New Yorker tida:-), mas a repórter tá “manchando o nome” da revista: Ou seja, uma grande revista como a TNY não devia ser mais cuidadosa e *rigorosa* na admissão de jornalistas que a representem? Pensar que por lá já passaram jornalistas/escritores como, só para citar um mísero único exemplo, a minha amda Dottie Parker!
    Qual é o nome da danada,Sérgio?
    Obrigada.Estou deixando um email.

  • João Batista de Lacerda 19/11/2010em17:06

    8° “Os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não lêem” (Mário Quintana).

    9° “Existe apenas um bem, o saber, e apenas um mal, a ignorância” (Sócrates).

    Meu livro de 250 páginas estão em cinco blogs com os nomes de: Os segredos da psicologia. Os segredos da educação. Os segredos do homem. Os segredos de Deus. Os segredos da criação. Todos estão inseridos no site:www.oconsoladordejesuscristo.com
    Por enquanto não sou famoso, mas vou deixar meu nos na história.
    Boa leitura para todos!

  • Cesar Reis 20/11/2010em12:15

    O problema de Paulo Coelho com os tradicionalistas e modernistas de nossa literatura, é que os estereótipos são diferentes. Lá fora, há os autores esotéricos e ocultistas, respeitados por séculos pelos escritores e críticos. A começar por Shakespeare. Há grande lista de autores ocultistas, principalmente ingleses, franceses e agora americanos. Porém, a ortodoxia da literária brasileira – ah sempre o Brasil! – odeia os escritores ocultistas, por que não os entende, ou como não os entende os odeia, pior, detestam o tema como ateus e céticos que são.

    Paulo Coelho é um fenômeno inexplicável? Não, não é, ele é um fenômeno de vendas, que, por seus próprios esforços trabalhou a mídia a seu favor. E todo mundo da mídia que apostou ganhou e ganha com Paulo Coelho, ao contrário de tantos autores que tiveram seus sonhos frustrados por não sair do 0 x 0. Assim procuram desmerecer Paulo Coelho. Simples assim.

    O que corrói mesmo seus detratores e os mata com doses homeopáticas é que o PC está sempre na berlinda e não dá um respostinha sequer aos críticos despeitados!

  • Gustavo 27/11/2010em22:43

    Por que “Arrogância imperialista”? Isso soa mal, soa pejorativo contra uma nação que tanto fez pela literatura. Não é culpa da América nem da New Yorker ter uma repórter burra.

  • Dada 25/12/2010em16:46

    “arrogância imperialista”, haha, mas outro que vive no mundo da Xuxa.