Clique para visitar a página do escritor.

O famoso Desafio Stuckert

28/08/2009

Caso raro de filantropo cultural na história do país, Lírio Stuckert, o hoje sessentão herdeiro do império de mineração Stuckert, sobe ao palco com passos lentos, caminha até o microfone instalado sobre um púlpito de madeira de lei e, varrendo o auditório lotado com um olhar vago, pigarreia meia dúzia de vezes.

Após trinta anos de expectativa, o famoso Desafio Stuckert está prestes a chegar ao fim.

Como sabe qualquer um que não viva em Marte, Lírio Stuckert deixou para trás em 1979, ao completar 33 anos, uma juventude boêmia rascunhada no submundo internacional das artes moderninhas – entre São Paulo, Paris, Nova York e Tóquio – para dedicar os anos mais produtivos de sua vida e uma gorda fração de sua fortuna à procura do mais valioso e mitológico dos diamantes: o Escritor Genial Inédito, criminosamente ignorado pelas editoras e perdido nos confins deste Brasilzão.

Ao longo de três décadas, a Fundação Stuckert recebeu 1.528.777 originais que, garante seu patrono, foram todos lidos com lupa, linha a linha, por uma equipe eclética de especialistas e não-especialistas, de pós-doutores a diletantes renomados.

E agora, diante de representantes de toda a imprensa nacional, Lírio Stuckert está finalmente anunciando o resultado da busca de uma vida inteira.

– Bom dia a todos – diz ao microfone. – Gugu-dadá, bezerrinho quer mamar.

Um murmúrio perplexo percorre a audiência. O grande filantropo cultural ergue a voz e bate no peito:

– Krig-ha, bandolo!

Então, desabotoando a braguilha, despeja um fio curvo e dourado sobre os jornalistas da primeira fila:

– Conheceu, papudo?

Dois brutamontes de branco entram correndo no palco com uma camisa-de-força. Antes de ser carregado às pressas para os bastidores, Lírio Stuckert ainda tem tempo de encher o salão com berros melodiosos:

– Pedro de Lara, lá, lalalalá, lalá, lalalalá, lalalalalalá…

9 Comentários

  • Hari Seldon 28/08/2009em11:39

    HAHAHAHAHAHAHAHAHAAHAHAHHAHAAH!
    Muito bom.

    Lembrei de uma passagem que presenciei (MESMO!) uma vez em um festival de poesias na Faculdade de Direito do Recife (UFPE).

    Após dúzias de poesias adolescentes, subiu ao palco um sujeito descabelado, com uma capanga de couro velho embaixo da axila esquerda, camisa do Che e barba mal feita, ostentando toda uma empáfia que só poderia vir das oficinas de Olinda.
    A aparição causou um silêncio na platéia formada por pré-advogados, desembargadores e outras autoridades da elite jurídica pernambucana.
    O sujeito abriu a capanga, retirou um folha de papel tão maltratada que parecia um papiro, desdobrou-a lentamente enquanto o silêncio da platéia se acentuava…
    Olhou o papel, como se revisasse uma obra-prima, esticou o dedo em riste para a platéia e disse:
    – POR QUE VOCêS ME OLHAM COM ESTES OLHOS DE TELEVISÃO?!?!?!
    Fechou o papel na mesma velocidade que abriu, colocou-o na capanga e desceu do palco, indo embora sem dizer nada mais.
    Nem uma única palavra se ouviu da platéia, até que eu e mais dois amigos, morrendo de rir, gritamos:
    – GENIO! GENIO!

  • moises 28/08/2009em11:54

    Excelente Sergio, muito legal, será que é isso que os livros fazem conosco?

  • Rafael 28/08/2009em12:16

    A platéia ficou abismada porque, dada a ignorância histórica que caracteriza nossa época, não se percebeu que o ilustradíssimo Lírio Stuckert estava re-encenando, com tintas naturalistas, a célebre Semana da Arte Moderna de 1922, evento que assinala, como se pode ver, o amadurecimento da literatura nacional, a qual, até então, com os Machados e os Euclides da vida, não passava de um sub-produto infantilizado da literatura européia.

  • Mr. WRITER 28/08/2009em14:27

    Esse vai estar no ivro?

  • isaac 28/08/2009em16:20

    grande texto.

  • Tibor Moricz 28/08/2009em17:10

    Krig-ha, bandolo!…hahaha! Você foi tirar essa do baú de ossos…rsrs

  • Saint-Clair Stockler 28/08/2009em19:57

    Tá vendo? Isso que dá 30 anos cheirando pó… rsrsrsrs.

  • João Sebastião Bastos 30/08/2009em19:47

    Lembrei de um antigo repórter fotográfico, Fernando Stuckert ,que deve estar fotografando o Belchior, talvez do além.

  • Inútil 01/09/2009em17:16

    Iá ba dá ba dú!