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Tamanho é ou não é?

05/09/2007

A vocação de todo microconto decente é crescer sem ser visto.

Os personagens do microconto caminham de perfil.

A tentação da piada é o cupim do microconto.

Quanto mais breve pareça, mais lentamente se há de lê-lo.

Não sou um fã da narrativa ultracurta, que nos últimos anos anda gozando de certa popularidade – parece que mais entre escritores do que entre leitores, mas popularidade de alguma forma. Gosto da concisão da prosa que se comprime até ser quase poesia, mas meu prazer de leitor é maior quando ela vem combinada a efeitos que só a duração proporciona. Mesmo assim, gostei de ler a reportagem de capa da última edição do “Babelia” sobre “a febre” do microconto. Tem delícias como os aforismos acima, do escritor argentino Andrés Neuman. Que não são, em si, microcontos, mas refletem sobre o formato com impressionante economia de meios.

25 Comentários

  • Paulo (Outro Paulo) 05/09/2007em22:32

    Não se pode condenar “a priori” o formato do microconto. Mas devo confessar que no íntimo sinto que o sucesso do microconto se deve menos à curiosidade e interesse do que pela preguiça de enfrentar textos mais longos. Pode apostar: se vendeu muito o motivo será sempre o mais baixo e vergonhoso. O mercado literário nacional nivela por baixo. Podem apostar, meus caros.

  • Daniel Brazil 05/09/2007em23:42

    O que tem a ver micro-conto com mercado literário nacional, Paulo? Você começou bem, ao falar da preguiça, mas terminou apostando em outros cavalos.
    No fundo, chamar de microconto esse tipo de criação é uma analogia tão equivocada quanto chamar um conto de micro-romance. São invenções de natureza diferente.

  • Bemveja 06/09/2007em06:16

    Microconto= picaretagem, a menos que se trate de um Esopo, um La Fontaine ou, com boa vontade, Dalton Trevisan.

    Outro dia eu procurei um texto que li há algum tempo chamado “In Praise of the Big Novel”, do John Barth, que se adequa bem a meu pensamento sobre a estrutura da narração literária etc, mas infelizmente não localizei. Sugiro ese artigo a quem interessar possa, não é tão complicado quanto alguns livros do Barth.

  • Rafael 06/09/2007em09:45

    Melhor que ler uma apologia do grande romance é ler um grande romance (tomem o adjetivo não apenas na sua acepção quantitativa). Pena que sejam poucos: Tirant lo Blanc, D. Quixote, Anna Karenina, Os Maias.

    A narrativa excessivamente curta, minimalista, é, em geral, esquecível. Em matéria de condensação de recursos retóricos, inclino-me mais aos aforismos, como os de La Rochefoucauld e os de Nietzsche.

  • Paulo (Outro Paulo) 06/09/2007em10:11

    Daniel Brazil, o silogismo é o seguinte:
    1) Parte-se da premissa sugerida pelo próprio Sergio Rodrigues de que o microconto está gozando de certa popularidade;
    2) Se está gozando de certa popularidade, significa que o mercado literário aceitou este produto, acolheu-o;
    3) Qual o motivo desse relativo sucesso? Pode ser por uma de duas razões, uma nobre e outra medíocre: pode ser pelo interesse e curiosidade do leitor ou pela sua preguiça, e eu digo: é por causa da preguiça de enfrentar textos mais longos que o microconto fez sucesso no mercado literário nacional;
    4) Por que eu digo isto? Porque o mercado literário nacional quase sempre nivela por baixo, quase sempre escolhe a opção ruim, quase sempre reflete a mediocridade do leitor que integra este mercado.

  • Bernardo Brayner 06/09/2007em10:22

    Para mim é o mesmo que dizer que um filme curta-metragem é necessariamente ruim e coisa de preguiçoso.

  • Cezar Santos 06/09/2007em10:31

    97,83% dos tais microcontos são picaretagens. É só medir….

  • Paulo (Outro Paulo) 06/09/2007em10:32

    Bernardo, leia o meu primeiro post e verás que eu disse que não se deve condenar “a priori” o formato de microconto. Ou seja: o microconto não é “necessariamente ruim e coisa de preguiçoso”. O microconto é coisa de preguiçoso apenas contigencialmente, pela circunstância acidental que apontei acima no meu explicativo ao Daniel Brazil.

  • Areias 06/09/2007em10:32

    É. Mas no caso seria um curtíssima-metragem, como aqueles one minute-videos que inventaram há pouco tempo. Acho que o pessoal está se referindo a esses contículos (tipo “pico na veia”, do Dalton, que não achei de todo mau). Os contos de estatura mediana (normais?), me parece, não são a questão aqui.
    Ou estarei enganado?

  • Kleber 06/09/2007em11:37

    Só lembro de microcontos marcantes os de Kafka (aquele do rato e do gato é genial) e alguns de Dalton Trevisan.

  • Clodovil 06/09/2007em11:47

    Queridos,

    O importante não é o tamanho do conto, mas o prazer que proporciona.

    Ui!

  • Sérgio Saraiva - Jabuti 2001 06/09/2007em14:31

    Vai aqui um estímulo à tua pesquisa com a “nova” linguagem da internet e a perplexidade que ela causa em quem escreve e lê. Não parece que ela atinja – ainda bem – o fetiche livro-objeto.

  • Harpia 06/09/2007em15:58

    Cezar Santos, a minha estimativa foi de 96,38%. Talvez a diferença entre nossas contagens se deva ao fato de que eu não incluí o do post do Sérgio.

  • Cezar Santos 06/09/2007em16:14

    Harpia, diferença dentro da margem de erro… tá valendo…

  • Prudente 06/09/2007em16:28

    Picaretagem. Muito pertinente o debate sob este ângulo.
    Muitos calhamaços de 400 páginas já foram acusados de picaretagem.
    Boa idéia para uma dissertação de mestrado:
    “Picaretagem na Literatura”.
    Post de Blog também:
    “Os Picaretas”
    Kleber:
    Kafka tem mini contos muito bons sim. Há outros autores.
    Mas o que importa é a intenção:
    Foram picaretas posto que preguiçosos e lerdos para desenvolver o tema.
    Borges dizia que escrevia contos por que era preguiçoso e a isso se chama “concisão”.

  • thiago 06/09/2007em17:59

    mas 97,48 % de tudo o que é escrito não é picaretagem? Ora, esse não é monopólio do microconto. E o “felomeno” é mundial, não viceja só aqui no bananão não…

  • Prudente 06/09/2007em18:09

    É Thiago,
    Você tem razão. Eu acho que você foi até muito condescendente.
    Eu acho que a primeira intenção de todo escritor é embromar e ver se engana.

  • Claudio Soares 07/09/2007em16:10

    Uma das definições de “short story” (a baseada em números) estabelece, para elas, um máximo de 7.500 palavras. Nos dias de hoje, segundo a “Wiki”, o termo é aplicado a um trabalho de ficção entre 1.000 e 20.000 palavras. Um critério semelhante parece ser usado para justificar conceitualmente os microblogs (como os do Twitter). Existem outros termos que confundem um possível entendimento do que seja um “microconto” (“slice of life story” e “sketch story”, por exemplo). Todos esses termos já são bastante antigos. Fico com uma dúvida então: o que faz do “microconto” algo diferenciado? Essa é uma questão importante e deve ser respondida pois é possível que os pequenos textos (como os vendidos a $0.49 no Amazon Shorts) ajudem na transição, nessa “simbiose” entre mercado literário e internet. É a possibilidade de um renascimento, uma forma nova de comercializar literatura. A indústria musical já passou pelo seu bastismo de fogo. Em breve, chegar’á a nossa vez.

  • Fabio Negro 08/09/2007em10:27

    Vamos falar de Brasil?
    Um site de microcontos bonito, com uma engine da hora e alguuuuuuuns micro-nano contos:

    A CASA DAS MIL PORTAS

    http://www.nemonox.com/1000portas/

    Projeto de nosso imortal Nemo Nox.
    Uma vez eu pedi para fazer parte do staff, já uqe eu levaria um microconto a sério, expremeria vida dessa única frase. Alguns lá escrevem qual-quer coisa.

    Mas vale bastante, é instigante.

  • thiago 08/09/2007em21:23

    adorei o site, fábio. Aé que ali o porcentual de coisas ruins tá baixo…

  • Daniel Brazil 09/09/2007em23:23

    Isso me lembra um (microconto?) do Ambrose Bierce. Um escritor entra na sala do editor, entrega uma folha onde está escrita uma única palavra, e diz que condensou todo o saber humano naquele verbete. “Parece pouco, mas representa muito!”, diz ele, orgulhoso.
    O editor enfia a mão no bolso, tira uma moeda e dá ao escritor, como pagamento.
    “Parece pouco, mas representa muito!”, retruca.

    Cito de memória, li há mais de 20 anos. O original é mais detalhado, e delicioso. Bierce foi um mestre em very short-stories!

  • Flavio B. 12/09/2007em12:37

    Olha pode ser preguiça do autor tbm, falo isso por experiência própria. Mas pode ser perfeccionismo, ter que preparar uma história? Colocar vários elementos que só servem para chegar ao clímax? Por que então não se escreve só o clímax? Para que descrever minuciosamente, por exemplo, se o leitor tem a capacidade de imaginar? Prefiro o brotamento de sensações que não são a conta-gotas.

    Breaking the waves:
    “A janela persiste fechada, há tempo demais para mim hoje, se eu pudesse tocar lá fora como um quadro! E seguisse os caminhos com meus dedos… não te deixaria só um segundo, e não atrasaria a água quente pro teu banho, nem sequer prenderia meu cabelo, que não gosta, eu sei, é engraçado minha fragilidade não ser abalada, de tua espinha ter que ser deslocada para alojar-te aqui no seio da família, de eu ter que meter fundo os dedos que te acariciam na minha vagina, como que tua invalidez fosse a certeza de tua presença, o beijo escaparia molhado na boca seca, quero que me tire das outras vidas para seguir o isolamento crente nessa casa e ao teu lado, certa de tudo o que existe lá fora.

  • Rafael 12/09/2007em13:12

    Flávio,

    Quer dizer então que toda longa história é apenas um encadeamento de eventos destinados a preparar o terreno para o clímax?

    Dado esse pressuposto, imagino que Cervantes, por exemplo, escreveu, divido em dois livros, todo o “D. Quixote” apenas para conduzir o leitor à cena final, em que o Cavaleiro da Triste Figura, deitado na cama, dita o testamento para, diante do inconformado e lacrimoso Sancho Pança, morrer logo em seguida. Todos os famosos episódios que antecederam esse “clímax”, como a cena dos moinhos de vento, a batalha com os leões, as discussões sobre a natureza do Elmo de Mambrino, a minuciosa descrição da Cova de Montesinos, as peripécias de Sancho Pança durante seu reinado na Ilha de Baratería, a novela do Curioso Impertinente, tudo, tudo, tudo isso não passa de adereços desnecessários, que tomam tempo ao leitor, que poderia ser poupado de tanta embromação se Cervantes tivesse tido a perspicácia de escrever somente o último capítulo, o único que realmente importa em todo o livro.

    Ao ler o último capítulo (apenas ele), o leitor, com sua prodigiosa imaginação, irá naturalmente advinhar o resto.

  • Fabio Negro 12/09/2007em14:22

    Tente ter um orgasmo sem ao menos se masturbar.

    Tipo 1, 2, 3, GOZA!!

    Agora tente ler um clímax sem história por trás. Pegue a melhor cena de ação de um filme e veja o quão desinteressante ela é se você não sabe quem são os personagens e o porquê deles terem chegado até ali.

    Mas me parecem que os microcontos tem ese nome inadequadamente.

    Eles são mais um relato instigante que pede ao leitor que imagine por si mesmo os acontecimentos pregressos ou futuros.

    Um conto, por menos que fosse, deveria ter começo, meio e fim.

  • Chico 03/10/2007em16:11

    Rapazeada, desculpe me meter…mas nem tudo do Trevisan em microconto eh bom. Tenho a impressao que depois do terceiro livro fica meio repetitivo.

    Se alguem leu Max Aub, crimenes ejemplares, pode ter uma ideia do que eh microconto bom. Dos Mexicanos tem o Jose Emilio Pacheco que tem um desses livros.

    Lembro que num dos ultimos do Noll ele faz uma incursao no geneno, mas nao sei se se da tao bem, nao.

    Agora, dizer que eh preguica de enfrentar texto longo… francamente. Parece que a gente esta comparando demanada geral com aluno secundario apedeuta. Quem gosta de ler e sabe ler bem, le qualquer coisa, de bula de remedio a revistinha Tex!

    Athe concordo que haja um pouco de picaretagem como no caso do espanhol Millas – mas deixa eu ficar queito pois ele tem programa de radio, eh jornalista e tambem tem um blog.

    Eu particularmente adoro contos e microcontos, mas por descuido agora estou lendo um livro maiorzinho: Os Brother Karamazov.