O artigo parece uma piada a princípio, mas vai bem além disso. “A curiosa incidência de cães no mercado editorial – Se os gatos mandam na internet, por que os cachorros reinam nos livros?” é um pequeno ensaio que combina alguma pesquisa (e até gráficos) com boas sacadas sobre o tema que o título resume bem. Assinado por Daniel Engber e publicado na revista eletrônica Slate, deixa claro que não quer apenas fazer graça quando transforma caninos e felinos em metáforas intrigantes – respectivamente, do escritor à moda antiga e do “produtor de conteúdo” da era digital.
O verdadeiro mistério, então, não é como os gatos ganharam precedência online, mas sim como conseguiram destronar o cachorro. Nossos meios de comunicação se dividiram em dois campos opostos, e cada um deles – o velho contra o novo – tem um animal adequado ao seu ethos. Estamos lendo cachorros e clicando gatos.
Vale a pena ler o artigo completo, em inglês, aqui.
Engber não se satisfaz com o recente sucesso de Marley. Entre os muitos exemplos literários que garimpa para ilustrar a velha paixão de escritores e indústria editorial pelos cães (o fascínio da internet por vídeos fofos de gatos, que confesso nunca ter compreendido bem, fala por si), não aparecem, previsivelmente, casos brasileiros. Então trato de providenciar alguns para provar que o fenômeno não nos é alheio: do Quincas Borba de Machado de Assis à Beta de Daniel Galera, passando, claro, pela rainha canina Baleia, de Graciliano Ramos, parece claro que a literatura brasileira também é mais dada a latir do que a ronronar.
Isso parece fazer pouco sentido se considerarmos que, ao que tudo indica e como seria de esperar, escritores preferem a companhia de gatos indolentes à de cães hiperativos junto à mesa de trabalho (como Julio Cortázar no belo autorretrato acima). Na enquete brincalhona que fiz aqui no blog há dois anos, sob o título “O melhor amigo do escritor é o cão ou o gato?”, deu-se um massacre. Os gatos levaram 62% dos votos. Os cachorros, com apenas 20%, mal conseguiram superar a anarquista samambaia (18%) que enfiei de contrabando entre as respostas.
No entanto, a dúvida de Engber não me parece tão difícil de resolver. Com seu companheirismo, sua lealdade, suas manifestações transparentes de alegria, tristeza e agressividade, os cachorros não apenas se prestam a espelhar nas letras (às vezes de modo canhestramente forçado, é verdade) a psicologia humana como são mais adequados, em si mesmos, à arte narrativa.
E os gatos? Estes são animais orgulhosos e enigmáticos que não devolvem ao narrador nada além da escuridão de um abismo. Talvez levem a melhor na poesia (um campo em que o artigo mal toca), e certamente parecem talhados para as vinhetas, imagem pura, em que brilham no YouTube. Diante delas, contemplativos e infiéis, rimos ou nos assombramos antes de passar ao próximo item da pauta sem nenhuma história para contar.
8 Comentários
Caro Sergio,
Gosto é gosto, não se discute. Atrevo-me a entrar com algum conhecimento. Ainda se vêem muitos mitos sobre gatos por aí, sendo o mais persistente o de que “gatos não se apegam ao dono e sim à casa onde vivem”. Tremenda besteira mas que ainda convence muita gente. Compreender um pouco o universo felino, sem tentar aplicar-lhes psicologia humana ou canina, abre um universo para um grande companheiro, fiel até a morte como muitos casos já demonstraram e eu já vi pessoalmente.
Lembro o grande Pessoa que louvou o seu gato Cece, poesia transformada em canção pelo cantautore Mariado Deidda, vertida para o italiano.
E recomendo o canal faireset2 no Youtube pra videos divertidos com gatos. Se depois de vir “Danson la Capucine” você ainda não achar graça nenhuma… I rest my case. 🙂
Abraços
Amo postar fotos de gatos no meu FB. São belíssimos, elegantérrimos.
Infelizmente ainda há pessoas que dizem não gostar de gatos sem conhecê-los.
Os aus aus também são lindos. Ajudo-os como posso (cirurgias, vacinas).
Sérgio,
Nunca tinha pensado no assunto, mas parece que o cão sempre recebeu dos escritores mais atenção que o gato.
O exemplo mais antigo que me vem à cabeça é o do nobre Argos, o cão de Ulisses, o fiel animal que, na comovente passagem da Odisséia, reconhece seu antigo dono após vinte anos de ausência, morrendo logo em seguida:
“Pelo destino da Morte sinistra foi Argos colhido,
quando revira Odisseu, decorridos vinte anos de ausência.”
Poderia citar Cipión e Berganza, os protagonistas da novela “El coloquio de los perros”, uma das obras-primas de Miguel de Cervantes.
Em compensação, o um único gato que me parece de relevância literária é o sorridente e irônico gato de Cheshire, genial criação de Lewis Carrol.
Vale
Temo que o escritor do texto nunca conviveu com os gatos. Analógicos ou digitais, amigos ou indiferentes, só quem convive intimamente com esses belíssimos animais sabe, que eles têm sim, muita história para contar…
Para a ata: não tenho nada contra gatos e, sim, já convivi bastante com eles. O tema do post (bichos na literatura) vai muito além desse tipo de simpatia ou encanto. Também é evidente que gatos têm história, até objetos inanimados têm. Só parece que ela rende menos literariamente. Abraços a todos.
Temo Gato Preto de Poe. Mas não me lembro de nenhum protagonista como Buck, de The Call of the Wild, a não ser em HQs e animações.
os maiores amigos do Escritor
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http://www.google.com.br/search?hl=pt-BR&gs_rn=9&gs_ri=psy-ab&cp=6&gs_id=m&xhr=t&q=guimar%C3%A3es+rosa&bav=on.2,or.r_qf.&bvm=bv.45175338,d.eWU&biw=1366&bih=616&um=1&ie=UTF-8&tbm=isch&source=og&sa=N&tab=wi&ei=d8hqUaKsOYPe8wTOj4HgBg#imgrc=oT0E7wtej_AgfM%3A%3BHw6rBgGGr04bwM%3Bhttp%253A%252F%252F24.media.tumblr.com%252Ftumblr_m6azx6g69u1qfr8zko2_400.jpg%3Bhttp%253A%252F%252Fwww.tumblr.com%252Ftagged%252Fjoao%252520guimaraes%252520rosa%3B400%3B314
Odeio gatos,ninguem vai fazer eu mudar de ideia…tenho uma especei de raiva contra esses bichanos come-comese preguisosos. Ui!,soltem pra ver se o gato volta pra casa e esse mmito é verddade que ja conteceu isso com o gato de minha avó…fugiu,achou gatinhas e um novo lae e nãoo voltou mais….
Um abraço!!!!