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Dez escritores brasileiros abrem o jogo da ‘má influência’

13/08/2010

Num bom momento da Flip, Salman Rushdie disse que Jorge Luis Borges foi uma “má influência” em sua juventude. Apaixonado por “Ficções”, passou a tentar escrever daquele jeito, embora sua “inclinação natural como escritor não fosse borgiana”. Deu trabalho, segundo ele, aprender a não escrever como Borges. O Todoprosa aproveitou a deixa para perguntar por e-mail a dez escritores brasileiros quais foram suas “más influências”:

MILTON HATOUM, autor de “A cidade ilhada”: “Acho que a obra de J.L. Borges influenciou várias gerações de escritores. Lembro que na década de 70 eu também imitava Borges. Mas joguei fora esse péssimo plágio deliberado. No começo de sua carreira, todo escritor imita seus antecessores. A imitação faz parte do processo de aprendizagem de qualquer atividade humana. Borges dizia que imitava Macedonio Fernandez ‘até plagiá-lo’. Os contos de ‘História universal da infâmia’ devem muito às narrativas do francês Marcel Schwob (‘Vidas imaginárias’ e ‘A cruzada das crianças’). Acho que Salman Rushdie é um escritor marqueziano. Certa vez ele me disse que adora a obra de García Márquez. Este, por sua vez, já afirmou que lia Borges para aprender a escrever. Na infinita biblioteca do universo, todos podem ser influenciados por todos, mas um bom escritor acaba encontrando sua própria voz, com a qual inventa um mundo particular.”

CAROLA SAAVEDRA, autora de “Paisagem com dromedário”: “Minha ‘má influência’ foi sem dúvida Clarice Lispector. Comecei com ‘Perto do coração selvagem’, ainda adolescente. Aos vinte e poucos anos eu tinha lido quase toda a sua obra. Lembro do espaço enorme que esses livros ocupavam na minha estante. E tudo o que eu escrevia ficava com jeito de Clarice, por sorte eu tinha noção de que o resultado era sofrível. Um dia, peguei todos os seus livros, coloquei numa caixa, e fechei bem fechada. Só fui abri-la quase uma década mais tarde.”

CRISTOVAO TEZZA, autor de “O filho eterno”: “Eu acho que má influência é somente aquela de que você não se livra. No mais, de tudo fica um pouco, e no bom sentido. Lembro que em meu primeiro livro, nos anos 70, os contos de ‘A cidade inventada’, eu sofri um mix de influências, de Borges (inevitável) a Hermann Hesse (de ‘O jogo das contas de vidro’). Só bem lá no fundo dos contos batia um coração de escritor tentando respirar! Em outro momento, parei de ler Faulkner e Conrad, com medo de que aquela sintaxe me contaminasse para sempre. Bobagem. Foram autores que só abriram portas. Já Graciliano Ramos me influenciou (eu acho), no torneio curto da frase. Mas tem a ver com visão de mundo. A poesia de Drummond (sempre falando dos anos 70) me tomou por inteiro de tal modo que eu, como poeta, desapareci completamente. E desisti da poesia, para felicidade geral de parentes e amigos. Não era a minha linguagem. E de um momento em diante (a partir de ‘Trapo’), parei de me preocupar com influências.”

MICHEL LAUB, autor de “O gato diz adeus”: “Meus primeiros contos eram bem derivados do Rubem Fonseca. Até personagem delegado acho que tinha. Um amigo para quem mostrei esses textos disse o óbvio: que aquilo soava muito artificial, o que de alguma forma eu achava também (só não sabia ainda por quê). Superar a influência não foi tão difícil, já que ela era mais temática que de estilo, e temática é algo mais fácil de controlar. Mas demorou um pouco, claro, porque nunca é fácil jogar fora tudo o que você fez e recomeçar do zero.”

ANA PAULA MAIA, autora de “Entre rinhas de cachorros e porcos abatidos”: “Quando li ‘O apanhador no campo de centeio’, do J.D. Salinger, fiquei tão terrivelmente influenciada que escrevi o meu primeiro romance, ‘O habitante das falhas subterrâneas’, totalmente influenciada por ele. Aquilo foi bom e terrível. Deixei de lado todas as leituras que poderiam me influenciar dessa maneira corrosiva e só voltei a elas quando encontrei o eco da minha própria voz na literatura que escrevo. Ainda é difícil me livrar de certas vozes exteriores, pois elas continuam a me rondar, mas já não aparecem de modo tão descarado nos meus textos.”

BERNARDO CARVALHO, autor de “O filho da mãe”: “Não tenho nenhum caso específico para citar. Todo grande escritor é, nesse sentido, ao mesmo tempo uma boa e uma má influência. Escritores que têm estilos muito marcantes, como Beckett, Guimarães Rosa e Thomas Bernhard, podem se transformar em armadilhas muito facilmente. Você pode adorá-los, mas também vai ter que saber se afastar deles se quiser escrever. É aquela velha história da angústia da influência.”

FLÁVIO CARNEIRO, autor de “O campeonato”: Acho que não existe má influência nesse caso, já que Salman Rushdie, ao ‘matar o pai’ Borges, certamente cresceu muito como escritor e portanto a influência acabou sendo boa no final das contas. Má seria se ele tivesse sido influenciado por um autor ruim e tivesse continuado nesse caminho. No meu caso, quando comecei a escrever, meu autor de referência era o Rubem Fonseca, como aconteceu com muitos da minha geração. Mas a minha inclinação, para usar a palavra usada por Rushdie, nunca foi a da temática urbana, da violência etc., mas a da fantasia, mais próxima do fantástico, por exemplo. Ainda leio e gosto muito do Rubem Fonseca, mas acho que ‘superei’ essa influência escrevendo um romance que é assumidamente uma reescritura de um conto dele, ‘O campeonato’. Escrevi um romance, com esse mesmo título, em que um jovem viciado em leitura de romances policiais se depara com um bando de marginais que resolve colocar em prática o que acontece ficcionalmente no conto do Rubem. Quer dizer, o conto dele entrou como mote ficcional para a escrita do meu romance, que é um policial à la Rubem Fonseca mas com um pé na fantasia, na imaginação meio delirante, que acredito ser uma marca da minha ficção. Esse romance foi escrito nos anos 90, publicado primeiramente pela Objetiva e reeditado agora, numa versão mais enxuta, pela Rocco.”

RAIMUNDO CARRERO, autor de “A minha alma é irmã de Deus”, vencedor do Prêmio São Paulo 2010: “É verdade, todo escritor tem uma má influência. Ou seja, um autor, um escritor, que mesmo sendo genial interfere de modo significativo na vida de um iniciante. No meu caso, a má influência veio – e vem – de João Guimarães Rosa. Cheguei a escrever um livro inteiro de contos – chamava-se ‘O domador de espelhos’ – que foi enviado à Editora Civilização Brasileira por um amigo consagrado, cujo nome prefiro esconder. Ênio Silveira, o editor, recusou-o, alegando exatamente isso: é uma imitação estúpida de Guimarães Rosa e nada mais. Tinha razão. Tive que esquecer o criador de ‘Grande sertão: veredas’ por muito anos. E, ainda hoje, guardo distância. Basta lê-lo numa manhã e à tarde já estou repetindo todos os seus cacoetes. Vade retro, mineiro!”

CÍNTIA MOSCOVICH, autora de “Por que sou gorda, mamãe?”: “Eu, digamos assim, ‘percebi’ a maneira de escrever literatura ao ler Clarice Lispector, e é dela, portanto, que tenho maior influência. Não digo que seja má, no sentido jocoso que Rushdie atribui à influência de Borges: é que nunca me preocupei em não escrever como Clarice. Acho que, mesmo sem essa angústia, a gente escreve um texto singular, próprio, original. Eu sabia que cedo ou tarde encontraria em mim a ‘voz interior’, o ‘estilo’, o jeito, a maneira, aquilo que era profundamente meu e que tão bem a Clarice espelhava. (Claro, se eu escrevesse como a Clarice, melhor ainda.) Agora: nós somos herdeiros de uma tradição, somos sucessores de quem veio antes de nós. Não temos como negar o que somos, quem lemos, ouvimos, assistimos. A ideia de originalidade absoluta é uma quimera. Há em nós quem veio antes de nós. Por que não?”

DANIEL GALERA, autor de “Cordilheira”: “Pensei bem antes de responder, e acho que não tenho um autor específico que possa ser citado como ‘má influência’. Houve muitos casos isolados de tentar imitar algum autor que admiro apenas para descobrir que não era possível, seja por falta de talento ou por incompatibilidade de vozes literárias, mas nenhum caso foi especialmente marcante. De forma geral, lembro de uma época em que tentei escrever contos de recorte mais fantástico, ou próximos do gênero da ficção científica, porque achava que escrever apenas narrativas realistas e contemporâneas era uma limitação a ser evitada. Isso deve ter sido lá por 2003 ou 2004, antes de começar a trabalhar no ‘Mãos de Cavalo’. Os contos resultantes dessa neurose passageira ficaram péssimos e felizmente tive a presença de espírito de nunca publicar nenhum deles. Mas seria justo dizer que nesse período sofri a dita má influência dos gêneros fantásticos, que aprecio intensamente como leitor, mas que provavelmente não sou talhado a criar. Me reconciliei com o realismo urbano/contemporâneo logo em seguida e hoje não me sinto mais forçado a sair dele para explorar minha voz literária, embora não tenha abandonado a ideia de quem sabe, um dia, escrever algo dentro de gêneros como ficção científica e policial, que adoro.”

11 Comentários

  • Vinícius Antunes 13/08/2010em12:52

    Gostei muito da matéria. Lembrou-me as que o Michel Laub coloca no blog dele. Não sendo isto, claro, uma má influência.
    Parabéns pelas respostas conseguidas, Sérgio.
    Abração
    Vinícius Antunes
    http://cronicasdumasviagens.wordpress.com

  • Pedro David 13/08/2010em13:09

    Quando escrevo estou tendo problemas com um tal de Raduan Nassar, rs…
    Pior que suspeito que não haja exorcismo… É como um vírus… Tem que esperar o fim do ciclo dele…

  • Stefano 13/08/2010em14:03

    Muito bom.

  • Claudio Faria 13/08/2010em16:08

    Matéria muito interessante. E é verdade: Borges é viciante, hipnotizante. Curioso, nunca li Salman Rushdie, alguém poderia sugerir por onde começar. Li que um romance antigo dele ganhou um prêmio significativo na Inglaterra, algo como “o melhor dos últimos X anos”, mas não me lembro qual.

  • luiz de luca 13/08/2010em16:42

    Seria bem interessante que neste mar de mediocridade que estamos atravessando,muitos escritores(???) atuais sofressem a má influência de Machado de Assis.

  • J.Paulo 14/08/2010em02:22

    Muito bom, Sérgio!
    Três escritores de peso da nossa literatura contemporânea presentes – CRISTOVAO TEZZA, MILTON HATOUM, RAIMUNDO CARRERO.

  • João 14/08/2010em17:22

    Ah, Cristovao Tezza, se todos também sofressem a “má influência” de Graciliano Ramos…

  • Julio Daio Borges 15/08/2010em15:02

    Bom post, Sérgio! 😉

  • José Frid 17/08/2010em15:58

    Excelente! É por causa de matérias iguais a essa que sempre leio sua coluna.

  • sergiorodrigues 18/08/2010em09:58

    Valeu J.Paulo, José, Julio (parece até que ordenaram os comentários em ordem alfabética) e todo mundo de outras iniciais. Apareçam sempre. Abraços.

  • PEDRO GIRARDI 28/08/2010em13:21

    BEM COLOCADA Á SUA OPINIÃO,,SÉRGIO EU GOSTARIA QUE VOÇE DE UMA OPINIÃO SOBRE DOIS NOVOS ESCRITORES BRASILEIROS QUE ESTÃO DESPONTANDO NO MUNDO DA FICÇÃO….G BRASMAM E G NORRIS,,DO LIVRO ( CRONICAS DOS SENHORES DE CASTELO(