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O caso das três ‘linhas de força’: Reinaldo, Ronaldo e Beatriz

05/08/2010

Falar sobre literatura não tem nada a ver com escrever, da mesma forma que ouvir escritores falando sobre literatura passa muito longe da experiência de ler. Eis o drama ou o pecado de origem de qualquer evento como a Flip: o que há de mais importante ou vital no objeto que se propõe celebrar sempre escapa entre os dedos. O que não é novidade nenhuma. Mas às vezes ocorre um caso como o da mesa “Fábulas contemporâneas”, hoje à tarde: mais na forma que no conteúdo de suas falas, Reinaldo Moraes (“Pornopopeia”), Ronaldo Correia de Brito (“Galileia”) e Beatriz Bracher (“Antonio”) conseguiram dar a uma plateia menos que lotada uma boa ideia do trabalho de cada um.

Reinaldo foi a presença mais engraçada e provocadora, Ronaldo a mais solene e “literária”, Beatriz a mais tímida e tateante. A homogeneidade nunca foi o forte da “mesa dos autores brasileiros” da Flip (sim, trata-se de política de cotas mesmo), que rola sempre às quintas-feiras, mas esta foi especialmente heterogênea. No papel de mediadora, a crítica Cristiane Costa fez o possível para encontrar um fio que desse coesão ao trio. E encontrou uma fórmula engenhosa: a de que os três autores a seu lado representavam “as três principais linhas de força da literatura brasileira”: o romance urbano que flerta com o submundo (Reinaldo), o romance do sertão (Ronaldo) e o romance intimista (Beatriz).

Excessivamente centrada para o meu gosto nos segredos de alcova da escrita de cada um (como eles fazem para fazer o que fazem) e pouco aberta ao mundo do lado de fora do quarto em que se fecham para escrever, a conversa conduzida por Cristiane produziu momentos assim dos três experientes autores:

“’Galileia’ era para se chamar Davi entre as feras, mas no fim Davi encolheu, coitado, ficou desse tamaninho, e os outros personagens cresceram. Você tem um projeto, mas quando entra no rio achando que vai sair na outra margem, ele te arrasta e você vai sair lá na frente.” Ronaldo Correia de Brito

“Ninguém escreve como quer, o máximo que consegue é não escrever como não quer, porque aí você joga fora e pronto. Para mim começa sempre com o personagem, ele me leva. Mas você só consegue que o texto seja bom se aquilo tiver a ver com você.” Beatriz Bracher

“Qualquer um que escreva qualquer coisa metaboliza tudo aquilo que leu, claro, mas a gente tabém fica decantando vozes na cabeça. Desde a voz da mãe, prototípica, a do pai, dos amigos, da televisão. Eu tento manter distância dos grandes autores que eu reverencio, como Rosa, Machado, Nelson Rodrigues, senão vou acabar macaqueando aquilo. O que você vai buscar são essas vozes decantadas, não sei se no inconsciente ou onde.” Reinaldo Moraes

“Já desisti de achar que o que eu faço não é autobiográfico, tudo é. Agora, como é possível que sejam autobiográficos tantos personagens diferentes e opostos, eu não sei.” Beatriz Bracher

“Meus livros têm grandes brancos para a participação do leitor. O texto se reinventa a partir do leitor. Eu procuro sempre uma polifonia de vozes e deixo espaços para o leitor entrar com a dele também. Esses buracos para o leitor narrar são inspirados nos buracos de traças dos livros que eu lia na biblioteca da minha infância.” Ronaldo Correia de Brito

“A primeira crítica do meu primeiro livro [“Tanto faz”, de 1981] saiu no ‘Jornal do Brasil’. O cara confundia o autor com o narrador e no fim mandava me prender, perguntava onde estavam as autoridades que não viam que aquele cara tinha pegado o dinheiro de uma bolsa de estudos para ficar em Paris sem fazer nada, enchendo a cara e tentando comer todas as mulheres. Roguei tanta praga pro JB que o jornal acabou, está acabando.” Reinaldo Moraes

Um comentário

  • beatriz 15/08/2010em11:01

    obrigada, reinaldo moraes, vc me fez dar boas risadas nesse domingo cinzento: crítica de jornal é fo …go. queira-me bem, sempre pois sua praga pega !!!