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Os melhores livros de 1909

09/12/2009

Se não há como fugir do apelo jornalístico das listas de fim de ano, ainda mais inescapável é a necessidade de fundar juízos no distanciamento histórico – um século, por exemplo. Fiel a ditames tão contraditórios, segue uma lista dos cinco mais relevantes lançamentos literários de 1909, um ano desditoso para as letras auriverdes: o primeiro sem Machado de Assis e aquele em que Euclides da Cunha foi assassinado por Dilermando de Assis (nenhum parentesco). Note-se a ausência do prolífico Rui Barbosa, que andou ocupado demais com sua campanha à Presidência da República para publicar qualquer coisa:

1. “Recordações do escrivão Isaías Caminha”, de Lima Barreto. Mal saiu de cena Machado de Assis, um mulato que não se via como tal, sobe ao palco um que se vê. Publicado em Portugal, este romance, que marca a estréia literária do autor carioca, pinta o retrato de uma sociedade brasileira corrupta e racista. A primeira frase, que algum compilador do futuro poderá incluir entre seus “começos inesquecíveis”, é de uma beleza sombria: “A tristeza, a compreensão e a desigualdade de nível mental do meu meio familiar agiram sobre mim de um modo curioso: deram-me anseios de inteligência”.

2. “Zeverissimações ineptas da crítica”, de Silvio Romero. Um ataque feroz do eminente crítico sergipano ao também eminente colega José Verissimo, que, segundo sua cartilha, comete dois pecados capitais: nunca reconheceu a genialidade do grande Tobias Barreto e, pior, reconhece a do medíocre Machado de Assis. Um tanto lamentável no tom, mas muito divertido. O tipo de livro abusado que talvez faça falta daqui a cem anos.

3. “Manifesto futurista”, de Filippo Tommaso Marinetti. Este não é um livro, quando muito será um artigo, mas vem dando o que falar no mundo das artes. Convencido de que as máquinas e a velocidade forjarão uma nova estética e uma nova humanidade, o poeta italiano diz: “Nós glorificaremos a guerra – a única higiene militar”.

4. “Cinematographo: crônicas cariocas”, de João do Rio. Coletânea de crônicas publicadas por Paulo Barreto em sua coluna homônima na “Gazeta de Notícias”, aqui o autor dá prosseguimento ao seu curioso jornalismo autoral, que há apenas um ano trouxe à luz “A alma encantadora das ruas”. Mais do mesmo, mas de bom nível.

5. “Tratado prático de natação e salvação”, de P. Blache. Tradução do competente guia francês de sobrevivência na água, com ilustrações didáticas, em bonita edição da Garnier. Inclui um capítulo sobre natação no mar que pode se mostrar muito útil, caso se confirmem os rumores de que em breve até as famílias estarão se dedicando a esse perigoso passatempo moderno.

12 Comentários

  • C. S. Soares 09/12/2009em16:14

    É também o ano do primeiro Nobel de Literatura para uma mulher (Selma Lagerlöf). Você lembrou do prolífico Rui Barbosa e eu do tricolor Coelho Neto. Quantos (e quais) livros terá Coelho Neto lançado em 1909?

  • Sérgio Rodrigues 09/12/2009em16:16

    Claudio: acredite se quiser, parece que nenhum. O cara devia estar exausto, em 1908 tinha lançado três.

  • Rafael 09/12/2009em18:23

    “O tipo de livro abusado que talvez faça falta daqui a cem anos.”

    Pois é, Sérgio. Desde que o Antônio Cândido se impôs com sua crítica “funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor” (Manuel Bandeira), a coisa anda bem aborrecida. Um Silvio Romero, mesmo que com equívocos, faz uma falta danada.

  • Carlos Alberto 09/12/2009em19:07

    Entre os apresentados, o que mais me chamou a atenção é o Manifesto Futurista, os demais apresentam outros aspectos, um que não está presente e que cheguei a ler eram os de Agata Cristi, desculpe não saber escrever este nome, que apresentava um suspense inteligente, mas algo me fez desistir desse tipo de leitura, acho que foi o fato de querer estudar outros assuntos.

  • kylderi 09/12/2009em20:22

    Ótima dica de leitura,Sérgio: Recordações do escrivão Isaías Caminha.

  • Isabel Pinheiro 09/12/2009em21:32

    Sua lista está bem mais divertida que a da New Yorker, com os melhores livros de 1709: http://www.newyorker.com/online/blogs/books/2009/12/the-top-ten-books-of-1709.html.

  • Vinícius Antunes 10/12/2009em09:41

    Falando em listas de fim de ano, o Cuenca, que sempre leio, lançou a dele. Achei bem esquisita, mas como não li todos os livros não posso opinar muito.
    Temos que lançar a lista das melhores listas de fim de ano.

  • João Sebastião Bastos 10/12/2009em10:06

    O livro de P. Blache pode retornar á crista da onda (sem trocadilhos) caso as previsões climatológicas mais pessimistas virem realidade e calota polar derreta mesmo daqui pra 2012 .Recordações de Isaías Caminha, é atemporal .Cem por cento Brasil.