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Ronaldo Helal: ‘Brasil se crê o mais entendido em futebol’

28/06/2010

Se a ficção brasileira, como a de qualquer país, parece tímida ao retratar nossa maior paixão esportiva (veja nota abaixo), não se pode dizer o mesmo da literatura em sentido mais amplo. A produção cultural em torno do futebol, que tem na crônica esportiva seu gênero mais tradicional, vem ganhando nos últimos anos a contribuição da universidade, especialmente na área de sociologia. Em entrevista por e-mail, um dos representantes dessa tendência, Ronaldo Helal – doutor em sociologia pela New York University, professor de pós-graduação em comunicação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e autor de “Passes e impasses: futebol e cultura de massa no Brasil”, entre outros livros – tem uma tese para o eterno choro sobre o relativo silêncio de nossos escritores diante do futebol, de resto semelhante ao dos escritores de países não menos vidrados no esporte: “A diferença é que os brasileiros se creem os mais apaixonados e entendidos no assunto”.

1. A imprensa e a crítica literária vivem estranhando que o Brasil nunca tenha produzido seu “grande romance do futebol”. Isso faz algum sentido? Literatura combina com esporte?

– Veja que em 1919 Lima Barreto fundou a “Liga Anti-Futebol” e dois anos depois Graciliano Ramos escreveu uma crônica (Traços a esmo), onde dizia que o futebol seria apenas uma “moda fugaz” no país. Tudo isso em um período em que o futebol era um esporte considerado elitista. O futebol se populariza e se profissionaliza em 1933 e, a partir daí, passa a ser considerado a “paixão nacional”. É neste sentido que podemos entender a cobrança da imprensa e da crítica literária. No entanto, se compararmos com o que ocorre em outros países, onde o futebol também é paixão nacional, talvez verifiquemos a mesma “ausência”. A diferença é que os brasileiros se creem os mais apaixonados e entendidos no assunto.

2. A crônica esportiva, por outro lado, tem uma tradição gloriosa no país. Quem é ou foi, para o seu gosto pessoal, o maior representante do gênero entre nós?

– Diria que Mario Filho foi o fundador do jornalismo esportivo no país e um agente fundamental na “construção” do “país do futebol”. Suas crônicas e seus livros, principalmente “O negro no futebol brasileiro”, foram imprescindíveis para se construir uma ideia de nação brasileira por meio do futebol. Tudo isso em um momento de consolidação dos estados-nações no mundo, do projeto integracionista de Getúlio Vargas, de novas formas de conceituar o país, onde a mistura de raças passa a ser vista como um valor positivo de nossa cultura – veja, por exemplo, a obra de Gilberto Freyre, “Casa grande e senzala”. Lembremos que Mario Filho era amigo de Gilberto Freyre, que, gentilmente, prefacia “O negro no futebol brasileiro”, alçando a obra ao meio acadêmico no Brasil. Mas, para meu gosto pessoal, até porque não sou da época de Mario Filho, meu preferido é Nelson Rodrigues, seu irmão.

3. Se a ficção não fica à altura do futebol, a produção intelectual acadêmica sobre o esporte não para de crescer. Foi preciso superar preconceitos para desbravar esse campo na universidade?

– Quando comecei a pesquisar o assunto, havia pouquíssimos trabalhos acadêmicos a respeito do tema. E todos tinham um tom apocalíptico, marxista, que equacionava o futebol como “ópio do povo”. Foi a partir de um livro organizado por Roberto DaMatta em 1982 – “Universo do futebol: esporte e sociedade brasileira” – que o jogo começou a virar. Antes deste livro, DaMatta tinha escrito, em 1978, “Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro”. Estes trabalhos apontavam para a importância de estudarmos coisas consideradas “não sérias” no país. Ou seja, como poderíamos aprender mais sobre nosso país por meio do futebol e do carnaval. O preconceito foi se esvaindo e o tom apocalíptico também. Hoje, não se pode mais falar em descaso das ciências sociais em relação ao futebol. Basta verificar a quantidade de grupos de trabalho sobre este esporte nos congressos científicos da área de ciências sociais e humanas espalhados pelo país. Além do número expressivo de livros, capítulos de livros e artigos em periódicos acadêmicos que tratam do tema.

7 Comentários

  • pedro curiango 28/06/2010em14:42

    Roberto DaMatta tem uma idéia interessante, ao comparar o futebol com outros esportes, preferidos por outras culturas. O futebol americano, o baseball, o basquete, o vôlei são esportes em que o jogador usa a parte do corpo que vai da cintura para cima; o futebol usa a parte do corpo que vai da cintura para baixo… exceção da cabeçada. Algum a interpretação freudiana?

  • Jéssica Souza 29/06/2010em14:05

    Oi Sérgio, o que aconteceu com o endereço antigo do TodoProsa? Vc disse que o blog permaneceria disponível para acesso dos textos mais antigos… Sou estudante de mestrado em Literatura e o Todoprosa era um de meus objetos de análise, mas, agora, clico no endereço e sou levada para uma página do Último Segundo, da IG… Publicarás os outros textos em outro lugar ou neste novo blog??

    • sergiorodrigues 29/06/2010em16:25

      Oi Jéssica. O endereço que eu disse que continuaria valendo é o todoprosa.com.br, não o do iG. De qualquer forma, é aqui mesmo que você tem acesso ao arquivo do blog, seja pela busca, acima, ou pelo calendário na coluna da direita. Fico contente com seu interesse. Qualquer problema, me diga. Um abraço.

  • Vivian Soares 27/07/2010em14:13

    Se depois de Nelson Rodrigues, poucos se atreveram a falar da paixão nacional em seus textos, o português Luís Filipe Cristóvão tem grande sucesso ao publicar a Enciclopédia de Futebolístas Imaginários pelas bandas de lá. Nós brasileiros podemos ler suas crônicas deliciosas no site do períodico eletrônico luso Rascunho (http://www.rascunho.net/caderno.php?id=7). Apesar da sua seleção não carregar nenhuma estrela no peito, o escritor, editor e poesta português Luís Filipe Cristóvão, merece toda atenção quando o assunto é futebol. Fica a dica!

  • Marília Figueiredo Jorge 27/09/2012em17:34

    O futebol e um esporte lindo, a preparação de um atleta e uma responsabilidade com a vida e a saúde do mesmo. No campo eles parecem bailarinos de chuteira e matemáticos quando colocam a bola la no angulo certinho. Talvés por isso seja de compreensão acessível para maioria brasileira, pois e uma linguagem colocada em campo e não discutida nos bastidores.
    Faço Licenciatura em Educação Física na UNIABEU

  • Pedro Gomes 08/06/2014em15:15

    O texto a que se refere do Graciliano Ramos não tem título. “Traços a esmo” era o nome da coluna no jornal “O Índio”, na qual o GR assina com o pseudônimo de J. Calixto.