Excelente notícia: Carlos Heitor Cony, um dos poucos escritores propriamente ditos da Academia Brasileira de Letras, comemora seus 80 anos (completados dia 14 de março) lançando romance novo, o primeiro desde 2003. Chama-se “O adiantado da hora” (Objetiva, R$ 32,90) e quando sair, no próximo dia 18, promete causar algum escândalo. Nada que se compare ao caso das caricaturas de Maomé – o catolicismo é bem mais flexível, afinal. Flexível mas nem tanto: vale lembrar a recente tempestade de protestos que desabou sobre os falos desenhados com terços pela falecida artista plástica Márcia X., e que fez o Centro Cultural Banco do Brasil cancelar a mostra “Erotica”. Acontece que Cony, um ex-seminarista que já decretou, pela boca de um personagem do romance “Informação ao crucificado” (1961), que “Deus acabou”, continua afiado em sua tensão espiritualidade x anticlericalismo. “O adiantado da hora” é uma farsa furiosa, de humor escrachado e absurdo, em que Madre Teresa de Calcutá, beata a caminho da santificação, torna-se personagem de uma tórrida cena de sexo – mas talvez tudo não passe de mentira de um certo Seabra… O adiantado da hora (trecho) Ninguém sabe por que nem quando o chamavam de Seabra – nem ele, que…
O caderno Prosa & Verso, do “Globo”, aproveita a proximidade da Copa do Mundo para pôr novamente na roda uma velha discussão: por que o futebol do Brasil nunca encontrou uma representação literária à altura de sua exuberância? (Re)lançada a questão, alguns craques consagrados foram convidados a comentá-la. E protagonizaram um festival de matadas na canela de fazer inveja ao Íbis. Para o crítico literário Silviano Santiago, “o imaginário sobre futebol no Brasil é um espaço tão complexo, tão amplo e tão multifacetado que é quase impossível uma obra de ficção apreendê-lo. Nunca o imaginário do artista esteve à altura do imaginário do povo”. Soa bonito, mas deixa no ar algumas perguntas incômodas: se a presença anêmica da arte de Ronaldinho Gaúcho na literatura brasileira se explica pelo excesso de complexidade do nosso “imaginário sobre futebol”, onde estão os grandes romances brasileiros sobre esportes de imaginário mais pobre como vôlei, basquete, automobilismo, bocha, badminton – qualquer um? E cadê as belas obras de ficção futebolística produzidas em países de literatura mais desenvolvida e futebol menos acachapante? “Febre de bola”, do inglês Nick Hornby? Aquilo é memorialismo, não ficção. E eu disse “belas obras” – não bonitinhas ou passáveis. O antropólogo…
Impossível levar essa discussão sobre futebol x ficção a sério sem ampliar o quadro e tentar entender as relações entre os mundos esportivo e literário de forma mais geral. Não fiz nenhum estudo aprofundado – isso aqui é um blog, os estudos aprofundados ficam do outro lado da rua –, mas os dois universos parecem, com as exceções óbvias da crônica esportiva e de alguma poesia, manter relações frias. E não ficarei surpreso se, dos poucos exemplos de casamento feliz, a maioria envolver esportes individuais e não coletivos. Pense no que representa o halterofilismo para um conto extraordinário como “A força humana”, de Rubem Fonseca; a natação para o alter ego de Fernando Sabino em “O encontro marcado”; a tourada para o Ernest Hemingway de “O sol também se levanta”. O esporte como microcosmo da luta do homem – frágil, só, patético, magnífico – contra o mundo hostil. (Só depois de citar de memória esses três exemplos me dou conta de que dois deles falam de atividades que nem são consideradas propriamente esportivas.) Talvez seja difícil dar conta, literariamente, de trivialidades como o 4-3-3 e a disputa de pênaltis. Isto é, sem quebrar o encanto.