Mais uma atração pinçada no programa do Festival de Hay, no País de Gales (veja nota sobre a outra abaixo, “Literatura é coisa de homem, diz feminista”). Esta é diferente porque o interesse que me despertou exclui por completo a ironia: o alucinado escritor inglês Will Self, um satirista atormentado que merece o meu respeito, está lançando um novo romance chamado The book of Dave (“O livro de Dave”). O argumento é promissor: na Londres do futuro, após a devastação provocada por uma enchente, os sobreviventes encontram os escritos desconexos de um motorista de táxi do passado e, com base nessas “escrituras”, fundam uma religião.
O que é a religiosidade? Aonde nos levará? O livro de Will Self citado na nota acima não é a única evidência de que os rumos do planeta nos últimos anos estão levando a literatura a atacar novamente a questão de Deus – uma questão que, pelo menos desde o século 19, parecia enterrada. Para a melhor literatura, com raríssimas exceções, Deus era aquele que estava morto – ponto. Não mais. Basta ver que o tema da última edição da Granta, a melhor revista literária do mundo, é God’s own countries, “Os países de Deus”. O foco é mais em política do que em religiosidade, claro. Mas sem entender o que, no homem, anseia pela divindade não se chega a lugar nenhum nessa conversa. (Na internet é possível ler apenas uma parte da edição, mas um pedaço da “Granta” vale por pilhas de revistas que circulam por aí.)