O novo romance do premiado escritor moçambicano Mia Couto, “O outro pé da sereia” (Companhia das Letras, 336 páginas, R$ 43), que acaba de sair em Portugal e chega às livrarias daqui no fim desta semana, une dois momentos históricos – 1560 e 2002 – por meio de uma relíquia que atravessa os séculos: uma velha imagem de Nossa Senhora com o pé quebrado. O sincretismo tecido em torno da santa serve de emblema da história de Moçambique. O trecho a seguir foi retirado do terceiro capítulo e joga o leitor em 1560, a bordo da nau portuguesa Nossa Senhora da Ajuda, que zarpou de Goa com destino à África levando a imagem benzida pelo papa e uma missão: converter infiéis: A vela pincelou de luz a estátua da Santa. Naquele bruxulear, a Virgem parecia animada de vida interior. O padre Antunes certificou-se de que a imagem estava bem apoiada, a salvo dos balanços do mar. Depois, fechou os olhos, deixando-se possuir pelo duplo embalo: da obscuridade e do mar. Acreditava estar dormindo quando um rosto pálido de mulher lhe inundou os sentidos. Era uma jovem despedindo-se na berma do rio Mandovi. Antunes seguia na canoa a caminho da nau…