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O genoma borgiano
Posts / 05/06/2006

Assim eu vou acabar acreditando que Jorge Luis Borges está neste momento, em algum daqueles tempos bifurcantes que ele adorava, morrendo de rir. Além do caso científico da mulher com memória perfeita que o personagem Funes antecipou em mais de meio século (veja a nota abaixo), existe também a tese de que o escritor argentino lançou pistas proféticas sobre o genoma humano no mesmo livro de 1944, “Ficções”, no conto “A biblioteca de Babel”. Coisa de literato? Não. A tese – brincalhona, claro, mas ótima – é defendida com elegância na revista “Ciência Hoje” por um cientista, Sérgio Danilo Pena, professor titular do departamento de bioquímica e imunologia da UFMG. Vale a pena conferir aqui.

Borges e eu, o não-memorioso
Posts / 05/06/2006

Como não tenho a memória perfeita de Irineu Funes, sei apenas que estava no México a trabalho, cobrindo a Copa do Mundo que seria vencida de forma acachapante pela Argentina de Maradona, quando recebi a notícia da morte de Jorge Luis Borges. Lembro-me de ter ficado triste, o que é uma memória óbvia. Se tivesse uma fração do dom de Funes – personagem de “Funes, o memorioso”, um dos melhores contos de “Ficções” (1944), provavelmente o melhor livro de Borges –, estaria escrevendo agora sobre tudo o que tornou aquele 14 de junho um dia sem igual, como todos são: temperatura, forma das nuvens, quanto tempo se passou – certamente uma vida, mas isso também é óbvio para quem conhece o México – entre a encomenda da ensalada de guacamole e sua chegada à mesa, a cor do cardápio, o comprimento da saia da morena sorridente na mesa ao lado e as letras de todas as canções com que os mariachis torturaram o jantar. Tudo isso está perdido para sempre. Só sei que estava no México, me esforçando para falar espanhol dia e noite, quando o argentino que era meu herói literário naquele tempo morreu. Entenderam? Eu falava espanhol, e…

Philip Roth: ‘O animal agonizante’
Primeira mão / 04/06/2006

É uma coincidência que “O animal agonizante” (Companhia das Letras, tradução de Paulo Henriques Britto, 128 páginas, R$ 29), lançado pelo setentão Philip Roth em 2001, saia nos próximos dias no Brasil, poucas semanas depois do lançamento nos EUA de seu novo romance, Everyman. Os dois livros, ambos novelas ou romances curtos (formato que representa uma novidade na carreira do prolífico autor), têm outro parentesco: mergulham de cabeça na consciência da morte. Pode-se encarar Everyman, que comentarei neste espaço em breve, como a seqüência natural – triste mas natural – de “O animal agonizante”. Neste, tão erótico quanto qualquer outro de Roth, o homem velho aproveita o que lhe resta de vida dividindo os lençóis com Consuela Castillo, uma deliciosa aluna de 24 anos que é dona dos seios mais belos que ele já viu, enquanto reflete sobre o fim inevitável: Você pode imaginar o que é a velhice? É claro que não. Eu não podia. Nunca consegui. Não fazia idéia do que era. Não tinha nem mesmo uma imagem falsa – não tinha imagem nenhuma. E ninguém quer outra coisa. Ninguém quer encarar a velhice antes de ser obrigado a encará-la. Como é que tudo vai terminar? Em relação…

Handke, Milosevic, ‘Asas do desejo’
Posts / 03/06/2006

A vida do escritor austríaco Peter Handke piorou muito desde que ele compareceu ao funeral de Slobodan Milosevic, em março, e fez um emocionado discurso de adeus ao ex-ditador sérvio, o último grande genocida de um século rico nesse gênero. A primeira conseqüência sofrida por Handke foi o cancelamento da temporada de uma peça de sua autoria em Paris, pela direção da Comédie Française. A segunda virá na semana que vem, quando – a agência France-Presse dá isso como certo – o conselho municipal da cidade alemã de Dusseldorf vai se reunir para lhe tomar o prêmio literário Heinrich Heine. A honraria foi atribuída a Handke, mas ainda não entregue. Um dos grandes escritores de língua alemã da atualidade, Peter Handke é pouco lido no Brasil. Alguns de seus principais livros, “A ausência” e “A repetição”, foram lançados pela Rocco, mas andam fora de circulação; ainda disponível em livrarias virtuais, só encontrei “História de uma infância” (Companhia das Letras). Influenciado pela experiência radical (e freqüentemente ilegível) do noveau roman, mas capaz de levar a lentidão da narrativa a novos níveis de ressonância poética, Handke ficou mais conhecido por aqui pela longa parceria com o cineasta Wim Wenders, traduzida em filmes…

Cinema e literatura: e no Brasil?
Posts / 02/06/2006

A enquete do “Guardian” sobre os melhores filmes inspirados em obras literárias (veja nota abaixo) chegou a uma lista discutível, como todas são, mas provocou boas discussões aqui na redação sobre como seria trazer esse debate para o Brasil. Resultado: essa lista aí da direita, na qual você está convidado a votar. (A votação se encerrou no dia 14 de junho. Veja o resultado na nota And the Oscar goes to…, ali em cima.)

Os melhores filmes da literatura
Posts / 02/06/2006

Listas, listas, listas. Quem resiste a elas? A última vem de uma consulta aos leitores feita pelo jornal inglês “The Guardian” e entra na boa discussão sobre o que faz uma obra literária funcionar – ou não funcionar – quando transposta para o cinema. O jornal quis saber quais são os melhores filmes da história adaptados da literatura. Vale a pena visitar a lista completa (em inglês), que tem 50 filmes. Vão aqui os cinco primeiros e seus diretores, com o nome do escritor entre parênteses: 1. “O sol é para todos”, de Robert Mulligan (Harper Lee) 2. “Um estranho no ninho”, de Milos Forman (Ken Kesey) 3. “Blade Runner”, de Ridley Scott (Philip K. Dick) 4. “O poderoso chefão”, de Francis Ford Coppola (Mario Puzo) 5. “Vestígios do dia”, de James Ivory (Kazuo Ishiguro).

Saramago: leitura para poucos, polêmica para todos
Posts / 01/06/2006

“Ler sempre foi e sempre será algo para uma minoria”, disse José Saramago ontem à noite, criticando o Plano Nacional de Leitura, um ambicioso projeto que os ministérios da Cultura e da Educação de Portugal apresentam hoje. Programa governamental de incentivo à leitura, para o autor de “Memorial do convento”, é algo que “não é válido, é inútil”. Notícia da Reuters aqui. A ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, reagiu assim que se recuperou do susto com a declaração politicamente incorreta da maior glória das letras lusitanas: “Não vejo como ações que tentam promover e democratizar a leitura sejam vistas como secundárias”. Tocaram, Saramago e a ministra, num debate interminável. É corajoso dizer o que disse o escritor, certamente com enorme dose de razão: programas de “incentivo à leitura” são ótimos para burocratas e rendem encomendas de grandes tiragens a editoras, mas costumam cair no vazio de um sistema educacional – e de um modelo de sociedade, sejamos francos – que simplesmente não valorizam isso. Por outro lado, se o fato – inegável – de que ler sempre foi para poucos conduzir ao imobilismo, será que esses poucos não serão cada vez menos? Isso me fez lembrar de uma…