O ponto coroa a realização do pensamento, proporciona a ilusão de um término, possui uma certa altivez que nasce, como em Napoleão, do seu tamanho diminuto. Alberto Manguel, escritor argentino naturalizado canadense – que os leitores brasileiros conhecem de “Uma história da leitura”, da Companhia das Letras, entre outros títulos –, publicou neste fim de semana no Babelia, suplemento literário do jornal espanhol “El Pais”, uma pequena e saborosa crônica sobre a mais simples e genial das convenções tipográficas, uma criação do Renascimento sem a qual a leitura como a conhecemos não existiria: o ponto. Conta Manguel que os mais estranhos métodos de indicar o fim das frases foram experimentados ao longo da história, com efeitos confusos para o leitor, até que… …en 1566, as coisas mudaram. Aldo Manuzio, o Jovem, neto do grande impressor veneziano a quem devemos a invenção do livro de bolso, definiu o ponto em seu manual de pontuação, o Interpungendi ratio. Num latim claro e inequívoco, Manuzio descreveu pela primeira vez seu papel e seu aspecto. Pensou que estava preparando um manual para tipógrafos; não podia saber que outorgava a nós, futuros leitores, os dons do sentido e da música.
Me chame de Ismael e eu não atenderei. Meu nome é Estevão, ou coisa parecida. Como todos os homens, sou oitenta por cento água salgada, mas já desisti de puxar destas profundezas qualquer grande besta simbólica. Como a própria baleia, vivo de pequenos peixes da superfície, que pouco significam mas alimentam. Você talvez tenha visto alguns dos meus livros nas bancas. Todo homem, depois dos quarenta, abdica das suas fomes, salvo a que o mantém vivo. São aqueles livros mal impressos em papel jornal, com capas coloridas em que uma mulher com grandes peitos de fora está sempre prestes a sofrer uma desgraça. Escrevo um livro por mês, com vários pseudônimos americanos, embora meu herói – não sei se você notou – sempre se chame Conrad. Conrad James. Herman Conrad. Um ex-marinheiro de poucas palavras. Um peixe pequeno, mas mais de uma cidade foi salva da catástrofe pela sua ação decisiva entre as páginas 90 e 95. Tenho uma fórmula: a grande trepada por volta da página 40, o encontro final com o vilão, e o desenlace, a partir da página 90. Sobrevivo. Nunca mais vi o mar. O início de “O jardim do diabo” (L&PM, 1988) não é marcante…