Alguns outros resultados do Jabuti, em categorias que envolvem texto: Ruy Castro (“Carmen, uma biografia”) levou o prêmio de biografia; Marcelino Freire (“Contos negreiros”), o de contos e crônicas; Affonso Romano de Sant’Anna (“Vestígios”), o de poesia; Mamede Mustafá Jarouche (“Primeiro livro das Mil e uma noites”), o de tradução; Gabriel o Pensador (“Um garoto chamado Rorbeto”), o de infantil. Isso é só o começo da lista. E tem mais: cada categoria conta com um pódio de três ganhadores. O Jabuti é fortíssimo candidato a prêmio mais prolixo da literatura mundial.
O amazonense Milton Hatoum, com “Cinzas do Norte” (Companhia das Letras), ganhou hoje o prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, na categoria romance. A escolha é justa e nada surpreendente. Para a lista completa (19 categorias ou quer mais?), clique aqui.
José Miguel Wisnik, com a palestra ?Machado maxixe?, baseada no ensaio homônimo publicado em seu livro ?Sem receita? (Publifolha, 2004), vai substituir o crítico e ficcionista argentino Ricardo Piglia na mesa das 17h de sábado, dia 12, na Festa Literária Internacional de Parati. ?Machado maxixe? analisa o conto ?Um homem célebre?, de Machado de Assis. Piglia, que seria uma das maiores atrações da Flip 2006 na opinião do Todoprosa (veja nota abaixo), alegou motivos de saúde ? uma virose ? para cancelar o compromisso. Sua editora, a Companhia das Letras, entrou hoje em contato com a organização da festa para saber se, chegando a Parati no sábado, o autor argentino ainda conseguiria falar ao público numa mesa improvisada no domingo. Recebeu resposta positiva. Em todo caso, é improvável que isso venha a ocorrer.
Voltava finalmente depois de uma ausência de duas semanas. Os nossos estavam havia já três dias em Rulettenburgo. Pensava que eles, Deus sabe como, me estariam esperando, mas enganava-me. O general parecia o supra-sumo da indiferença; falou-me com altivez e enviou-me à sua irmã. Saltava aos olhos que, fosse como fosse, haviam arranjado dinheiro. A mim me pareceu também que o general se esforçava muito por não me olhar. Mária Filipóvna estava muito atarefada e falou-me muito à pressa; aceitou, não obstante, o dinheiro, contou-o e escutou meu relato até o fim. À hora da refeição esperavam Miezientsov, um francês e também certo inglês; assim costumavam fazer enquanto tinham dinheiro: em seguida davam jantares à moscovita. Polina Alieksándrovna, ao ver-me, perguntou: “Vai estar ali muito tempo?” E sem esperar resposta, foi-se para não sei onde. Naturalmente, fez aquilo de propósito. Precisávamos, não obstante, ter uma explicação. Haviam-se juntado muitas coisas. Muitas coisas, realmente. Coisas demais? O início de “O jogador” (Obra completa, volume III, tradução de Oscar Mendes, Nova Aguilar, 1995), novela escrita por Dostoiévski em apenas três semanas em 1866, a fim de pagar uma dívida com seu editor, leva ao limite do pandemônio a máxima de que os…
A editora inglesa Penguin está comemorando os 60 anos da coleção Penguin Classics. A festa é justificada: a empresa criada por Allen Lane em 1935 fez tanto sucesso com sua estratégia editorial revolucionária que se tornou a maior responsável por trazer a literatura – um tanto tardiamente – para a era da comunicação de massa. A idéia de publicar conteúdo de qualidade em brochuras industrialmente baratas – suporte reservado até então à subliteratura e a reedições sem cuidado de textos caídos em domínio público – estreou no mercado em 1935. Trazia textos de autores (então) contemporâneos, como Agatha Christie e Ernest Hemingway. Só na década seguinte os clássicos entraram na dança, e o público, para surpresa de muita gente, continuou comparecendo. “O amante de Lady Chatterley”, de D.H. Lawrence, lançado em 1960, chegou a vender o número até então inconcebível de 3,5 milhões de exemplares. Para comemorar a data, a Penguin preparou uma lista dos cem melhores títulos da história da coleção – leia a reportagem do “Times”, em inglês, aqui.
“Comece pelo título. Que significa… nada. Não há no romance nenhum personagem chamado Ferdydurke. E isso é apenas um aperitivo da insolência que virá depois.” Assim começa o prefácio – reproduzido na edição brasileira – que a ensaísta americana Susan Sontag, fã de Witold Gombrowicz (1904-1969), escreveu para a primeira edição americana de “Ferdydurke” a ter tradução direta do polonês: antes, vergonhosamente, o francês servira de intermediário. A correção da falha histórica se deu outro dia mesmo, em 2000. E o romance do autor polonês (mais tarde exilado por 24 anos na Argentina) saíra em seu país-natal em 1937. Seis décadas de atraso na metrópole fazem parecer menos grave – ou no mínimo mais compreensível – que só agora essa obra-prima de iconoclastia, anarquismo e nonsense, narrada por um adulto que se vê arrastado de volta à adolescência por um professor, seja lançada aqui na periferia (Companhia das Letras, tradução de Tomasz Barcinski, 352 páginas, R$ 49). Os leitores do mineiro Campos de Carvalho, aquele que matou seu professor de lógica (leia mais aqui), não devem se surpreender com o estilo de Gombrowicz. Em compensação, ficarão felizes de lhe descobrir esse brilhante precursor. O príncipe dos mais gloriosos sintetistas de…
Finnegans Wake é um laboratório que submete a leitura a sua prova mais extrema. À medida que nos aproximamos, aquelas linhas nebulosas se transformam em letras e as letras se amontoam e se misturam, as palavras se transmutam, se alteram, o texto é um rio, uma torrente múltipla em contínua expansão. Lemos restos, pedaços soltos, fragmentos, a unidade do sentido é ilusória. A primeira representação espacial desse tipo de leitura já está em Cervantes, sob a forma dos papéis que ele recolhia na rua. Essa é a situação inicial do romance, seu pressuposto, melhor dizendo. “Sou aficionado a ler até pedaços de papéis pelas ruas”, afirma-se no D. Quixote. Poderíamos ver nesse trecho a condição material do leitor moderno: ele vive num mundo de signos; está rodeado de palavras impressas (que, no caso de Cervantes, a imprensa começou a difundir pouco antes); no tumulto da cidade, ele se detém para recolher papéis atirados na rua, deseja lê-los. Só que agora, diz Joyce em Finnegans Wake – ou seja, na outra ponta do arco imaginário que se abre com D. Quixote – esses papéis amassados estão perdidos numa lixeira, bicados por uma galinha que cavouca o chão. O trecho – e…
Para quem gosta de acompanhar os movimentos – nos últimos tempos, todos concentradores – do mercado editorial, é imperdível a reportagem do jornal “Valor Econômico” de hoje sobre a transformação da editora paulista Geração, fundada há 14 anos por Luiz Fernando Emediato, no nono selo da gigante carioca Ediouro.
Num evento literário beneficente de que participaram ao lado de JK Rowling ontem à noite, no Radio City Music Hall, em Nova York, John Irving e Stephen King fizeram um apelo à autora para que poupe a vida de Harry Potter no sétimo e último livro da série sobre o jovem mago, que ela está escrevendo – notícia completa, em inglês, aqui. Ela não prometeu nada. “Estou cruzando os dedos pelo Harry”, disse Irving. Parece bobagem, e é. Mas muitas piscinas de lágrimas estão em jogo.
A história dos protestos contra a filmagem do livro de Monica Ali sobre a comunidade bengalesa de Londres, apresentada na nota “Queimem Monica Ali!”, aqui embaixo, ficou muito melhor depois que Salman Rushdie chutou o balde. O autor de “Os versos satânicos”, nascido na Índia, escreveu uma carta para o “Guardian” (em inglês, aqui) atacando o movimento contra o filme. Até aí, normal. O que esquenta tudo é o ataque de Rushdie à intelectual feminista Germaine Greer, uma radical do “relativismo cultural” que, habituada a tomar o partido errado em qualquer discussão, defendeu os que querem inviabilizar o filme. Com a palavra, o autor: Seu (de Germaine Greer) apoio aos que atacam o projeto desse filme é filistino, santimonial e deplorável, mas não é surpreendente. Ela já fez isso antes, lembro-me bem. No momento culminante dos ataques ao meu romance “Os versos satânicos”, Germaine Greer declarou: “Eu me recuso a assinar petições em favor daquele livro dele, que é sobre os problemas pessoais dele”. Gentil, Rushdie preferiu não mencionar que, na mesma entrevista, de 1992, Germaine Greer defendeu a prisão de escritores dizendo que a cadeia é um bom lugar para eles porque lá “eles escrevem”. Se brigas desse tipo…