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‘Eu na verdade não li este livro, mas…’
Posts / 13/09/2006

Coisas da era internet: o blogueiro que se assina Jon Swift – em homenagem escancarada a Jonathan Swift, o grande satirista irlandês – está começando a construir uma lenda como o mais, hmm, “cultuado” (vejam A palavra é de hoje) leitor-crítico a deixar seus comentários no site da Amazon. Vale a pena dar uma olhada – aqui, em inglês – nas curtas e ferinas “resenhas” de Swift, sempre iniciadas com o bordão “Eu na verdade não li este livro, mas…”.

Se ler, beba. Se beber, leia?
Posts / 12/09/2006

Tudo bem: eu sei que o expediente da “venda casada” tem lógica comercial, mas dêem uma olhada neste link e vejam o que o Submarino anda recomendando a quem quer comprar o clássico “Raízes do Brasil” – apenas um exemplo entre muitos. Sérgio Buarque de Holanda e Johnnie Walker, tudo a ver? Como diz um amigo meu: “O diabo é que nunca sugeririam um livro a quem fosse comprar uísque”.

O ano em que a literatura transbordou
Posts / 11/09/2006

Nada a ver com saudosismo. Eu mal entrava na adolescência, e os livros que lia na época eram bem diferentes dos que vou citar aqui. Apenas aconteceu que, intrigado por uma coincidência flagrada casualmente, comecei a puxar um fio na estante e acabei com uma pilha de evidências de que a safra de 1975 foi gloriosa para a literatura brasileira – a última de nossas safras gloriosas, como se depois disso a terra tivesse secado, tornando as colheitas mais espaçadas. Antes de tentar explicar a generosidade literária daquele tempo – e a relativa sovinice dos anos seguintes –, convém justificar a tese. Para tanto basta dizer que 75 trouxe à luz, de uma só vez, duas obras-primas espantosas e cabais: “Feliz ano novo”, de Rubem Fonseca, e “Lavoura arcaica”, de Raduan Nassar (eis a coincidência em que reparei por acaso). Só isso já seria histórico. Tem mais. De saída, que tal juntar à pilha o “Zero” de Ignácio de Loyola Brandão? A qualidade é desigual, eu sei. Talvez o confuso “Zero” nem faça muito sentido lido fora da moldura de um regime autoritário, mas, censurado, converteu-se em livro-símbolo de um tempo. Ou seja: entre méritos literários e históricos, entre texto…

Contra o inferno rosa
Posts / 10/09/2006

A verdade é que a chick lit é ruim para os Estados Unidos porque é ruim para escritores literários, ambiciosos, homens ou mulheres. E isso significa que é ruim para todos nós. Enquanto a América cada vez mais desvaloriza o rigor intelectual, a educação e a compaixão, fica mais e mais difícil encontrar um bom livro. E acredite em mim – a ex-editora de ficção –, não é porque eles não existam. É porque o mercado está saturado de más escritoras que alegam representar todas as mulheres, entulhando as prateleiras e assegurando-se de que sua única história marginal e sem graça seja reproduzida dez milhões de vezes, como uma bonita versão rosa do inferno. Tem provocado debates na – vá lá – “blogosfera literária” americana esse violento artigo (em inglês, acesso livre) contra o modismo da chick lit, ou literatura de mulherzinha, publicado na revista cultural “Dig”, de Boston. A autora, que se protege no anonimato, apresenta-se como “ex-editora de livros femininos”. Sua argumentação é simplista, dando às vezes a impressão de que toda a literatura era um poço de inteligência e sensibilidade até que Helen Fielding e companhia inventassem sua versão comercial e digestiva. Mesmo assim, chegamos a tal…

Antônio Torres: ‘Pelo fundo da agulha’
Primeira mão / 09/09/2006

Com o romance “Essa terra” (1976), o escritor baiano Antônio Torres, nascido em 1940, conheceu uma coisa rara: o sucesso em dose dupla, de crítica e de público. Como um criminoso ou a vítima de um trauma fundador – ou um escritor, mistura de tudo isso? –, Torres nunca mais parou de voltar àquela terra, a cidadezinha de Junco. Foi em Junco que, abrindo a trilogia, chegou certo dia um tal de Nelo, filho pródigo de volta da cidade grande, para deslumbrar a numerosa família sertaneja com seus sinais exteriores de sucesso e em seguida se matar enforcado. Totonhim, o irmão que narra e tenta em vão compreender a trágica história, também se manda de lá, e muitos anos depois faz sua própria visita à terra natal, no romance “O cachorro e o lobo” (1997). Uma viagem diferente da de Nelo, rebaixada, esvaziada de toda dimensão heróica: “Agora sou eu o que volta, sem festa nem foguetório”, ele diz. “Pelo tempo em que estou à janela e pela rapidez com que as notícias correm neste lugar, já era para ter sido notado. Mas ninguém apareceu ainda para os rapapés de antigamente. Vai ver o ir e vir se tornou tão…

O novo de Paulo Coelho, alguém vai?
Posts / 08/09/2006

Não sei até que ponto isso vale para os leitores do Todoprosa, mas nunca falta quem se interesse: está prometida para hoje a publicação, no blog de Paulo Coelho, do nono capítulo de seu novo livro, “A bruxa de Portobello”, que será lançado no próximo dia 27 pela Planeta. É possível ler também os oito capítulos anteriores, mas só até o dia da publicação. O papel da internet na estratégia de lançamento do livro é o de oferecer um trailer, como explica o aviso na capa: O equivalente a 1/3 do livro será colocado aqui até a data de publicação. A partir desta data o blog passará a servir apenas para discussão entre pessoas que leram o livro. Abrir o apetite do leitor para a edição impressa é um bom recurso que a rede oferece. Claro que o tiro pode sair pela culatra. Por exemplo: fiz um esforço para me despir de todas as idéias prévias sobre Paulo Coelho e, como um leitor primal, sorriso alvar de Nelson Rodrigues na cara, fui encarar “A bruxa…”, em que cada capítulo é narrado por um personagem. Resisti por onze minutos, a edição de papel não me pega mais. A internet é inocente.

Gato por lebre
Posts / 07/09/2006

Escritor admite que seu livro de memórias, um sucesso comercial, tinha partes inventadas. Sentindo-se logrados, leitores aos montes entram na Justiça para ter seu dinheiro de volta e a editora, diante da derrota certa, propõe um acordo que vai lhe custar nada menos que 2,35 milhões de dólares. Ficção? Não. O autor é o americano James Frey. O livro, “A million little pieces” (Um milhão de pedacinhos). A editora, a gigante Random House. A notícia (em inglês, mediante cadastro gratuito) está aqui. O mercado não consegue disfarçar o nervosismo. E se a moda pega?

Começos inesquecíveis: Hilda Hilst
Posts / 07/09/2006

Deus? Uma superfície de gelo ancorada no riso. Isso era Deus. Ainda assim tentava agarrar-se àquele nada, deslizava geladas cambalhotas até encontrar o cordame grosso da âncora e descia em direção àquele riso. Tocou-se. Estava vivo sim. Quando menino perguntou à mãe: e o cachorro? A mãe: o cachorro morreu. Então atirou-se à terra coalhada de abóboras, colou-se a uma toda torta, cilindro e cabeça ocre, e esgoelou: como morreu? como morreu? O pai: mulher, esse menino é idiota, tira ele de cima dessa abóbora. Morreu. Fodeu-se disse o pai, assim ó, fechou os dedos da mão esquerda sobre a palma espalmada da direita, repetiu: fodeu-se. Assim é que soube da morte. Começa assim “Com os meus olhos de cão” (Editora Globo, 2001), novela lançada em 1986 pela escritora paulista Hilda Hilst (1930-2004). Ou assim começa sua parte em prosa: tomei a liberdade de excluir os doze versos curtos que a antecedem para ir direto a esse monumental, enigmático Deus “ancorado no riso”. Observa Alcir Pécora, organizador das obras reunidas de Hilda, que “o obsceno é nome do cordame grosso com que se desce a este fundo”. Acrescentar alguma coisa? Eu não. Ancorado no silêncio, leio.

Biógrafo contra biógrafo, o epílogo
Posts / 06/09/2006

O impagável mistério da falsa carta de amor que enganou AN Wilson, biógrafo do poeta inglês John Betjeman (veja abaixo a nota “O poeta, a amante, o biógrafo e o cafajeste”, de 29/8), chegou ao fim: a elaborada fraude – que formava em acróstico a frase “AN Wilson é um merda” – foi obra do escritor Bevis Hillier, 66 anos, que deu entrevista ao “Times” de Londres (aqui, em inglês) assumindo a trapaça. A confissão não surpreendeu os meios literários britânicos. Embora a princípio tivesse jurado inocência, Hillier era o suspeito número um: escreveu uma longa biografia de Betjeman antes do rival e foi espinafrado por ele na imprensa na época do lançamento. Mesmo assim, tem valor a candura com que o falsificador assumiu seu ciúme: o ego ferido, como se sabe, é um poderoso motor secreto da literatura. “Quando um jornal começou a dizer que o livro de Wilson era o maior, passou dos limites”, disse Hillier.

Alemanha absolve Günter Grass
Posts / 05/09/2006

Günter Grass fez ontem à noite sua primeira aparição pública desde que confessou ter integrado a Waffen-SS, tropa de elite de Hitler, aos 17 anos de idade. No famoso teatro Berliner Ensemble, diante de uma platéia respeitosa e propensa aos aplausos, Grass leu trechos de suas memórias, “Descascando a cebola”, mas evitou as páginas 126 e 127 – as que tratam de seu breve passado nazista. O relato de uma noite consagradora para o autor é feito por Luke Harding no blog inglês “Culture Vulture”. Para Harding, a controvérsia sobre a confissão tardia de Grass, que domina as primeiras páginas dos cadernos culturais alemães há três semanas (veja nota de 15 de agosto, aqui embaixo), atingiu finalmente a fase do consenso, e ele é favorável ao escritor: o de que teria sido melhor se Grass houvesse revelado seu segredo antes, mas isso não afeta sua “credibilidade moral”. As caixas registradoras confirmam: “Descascando a cebola” está em primeiro lugar na lista dos livros mais vendidos na Alemanha.

Martin Amis vai ao inferno
Posts / 04/09/2006

O conto “Os últimos dias de Muhammad Atta”, do inglês Martin Amis, que acompanha ficcionalmente – do ponto de vista do próprio Atta – as últimas horas de um dos terroristas mortos no atentado ao World Trade Center, foi publicado ontem pela revista do jornal “Observer”, de Londres, e pode ser lido aqui (em inglês, acesso livre). A história não é inédita: em abril deste ano saiu na “New Yorker”, mas, por razões contratuais, não deu as caras na versão online da revista. Se o conto é bom? No máximo interessante – e olha que eu gosto de Amis. Mas não dá para negar seu valor, digamos, histórico: de todas as abordagens ficcionais do 11 de setembro que começam a pipocar, esta é a que ousou chegar mais perto do centro do horror.

Flaubert, o arroz-de-festa?
Posts / 04/09/2006

Muitas das alegações de Flaubert devem ser entendidas com uma dose de ceticismo. A certa altura, por exemplo, ele expressou o desejo de escrever “un livre sur rien”, um livro sobre “nada” – livro ideal que ficaria de pé por meio da pura força do estilo e da estrutura, sem qualquer preocupação com o tema. Essa metáfora da criação desapegada de um artífice parecido com um deus foi muito citada por críticos ansiosos em arrolar Flaubert entre os primeiros pós-modernistas. Mas permanece o fato de que “Madame Bovary”, firmemente plantado na realidade cotidiana de sua Normandia nativa, continha uma carga precisa de matéria temática suficiente para fazer seus conterrâneos normandos urrarem de fúria. A resenha (em inglês, acesso livre) que Victor Brombert assina na última edição do “Times Literary Supplement” sobre o recém-lançado tijolo Flaubert – a biography, de Frederick Brown, faz foco nas meias trapaças que Gustave Flaubert (1821-1880) semeou sobre sua própria pessoa: o famoso eremita que desprezava o convívio social e se devotava inteiramente à arte não era tão misantropo assim, teve uma vida interessantíssima e exultou quando se tornou amigo e conviva habitual da Princesa Mathilde Bonaparte. O que, pensando bem, ameniza a traição representada por…

Começos inesquecíveis: Machado de Assis
Posts / 03/09/2006

AO LEITOR Que Stendhal confessasse haver escrito um de seus livros para cem leitores, cousa é que admira e consterna. O que não admira, nem provavelmente consternará é se este outro livro não tiver os cem leitores de Stendhal, nem cinqüenta, nem vinte, e quando muito, dez. Dez? Talvez cinco. Trata-se, na verdade, de uma obra difusa, na qual eu, Brás Cubas, se adotei a forma livre de um Sterne, ou de um Xavier de Maistre, não sei se lhe meti algumas rabugens de pessimismo. Pode ser. Obra de finado. Escrevi-a com a pena da galhofa e a tinta da melancolia, e não é difícil antever o que poderá sair desse conúbio. Acresce que a gente grave achará no livro umas aparências de puro romance, ao passo que a gente frívola não achará nele o seu romance usual; ei-lo aí fica privado da estima dos graves e do amor dos frívolos, que são as duas colunas máximas da opinião. Mas eu ainda espero angariar as simpatias da opinião, e o primeiro remédio é fugir a um prólogo explícito e longo. O melhor prólogo é o que contém menos cousas, ou o que as diz de um jeito obscuro e truncado….

Michel Houellebecq: ‘A possibilidade de uma ilha’
Primeira mão / 02/09/2006

O francês Michel Houellebecq, nascido em 1956, está completando meio século de vida, mas continua à vontade no papel de enfant terrible que o transformou, entre um livro escandaloso e outro, no romancista francês contemporâneo mais lido e comentado do mundo – papel, aliás, que andava vago há tempos no país. Admiro Houellebecq desde que li “Partículas elementares” (Sulina, 1999), mas devo acrescentar – embora isso seja tão pouco surpreendente que talvez cumpra direitinho o que o autor planejou desde o início – que se trata de uma admiração cada vez mais contrafeita, cercada de reservas que vão crescendo à medida que sua obra avança: depois do sucesso de “Partículas elementares”, a própria Sulina lançou seu livro de estréia, “Extensão do domínio da luta”. A Record tomou a frente em 2002, com o rumoroso “Plataforma”. Não está errado dizer que Houellebecq escreve romances de idéias, desde que essas idéias sejam entendidas como negativos dos clichês da esquerda – portanto, de certa forma, ainda clichês. Entre outros alvos mais casuais, “Partículas elementares” compra briga com os hippies e a contracultura da virada dos anos 60/70; “Extensão do domínio da luta”, com a liberação sexual; “Plataforma”, com os muçulmanos. O novo Houellebecq,…

Manguelismo dos bons
Posts / 01/09/2006

Minha biblioteca é constituída, meio a meio, por livros que lembro e por livros que esqueci. Agora que minha memória já não é tão precisa quanto costumava ser, as páginas se esvaem na mesma medida em que tento conjurá-las. Algumas se apagam por inteiro de minha experiência, esquecidas e invisíveis. Outras me assediam tentadoramente com um título ou uma imagem, ou umas poucas palavras fora de contexto. Qual romance começa com as palavras “Numa noite de primavera de 1890”? Onde li que o rei Salomão usou uma lente de aumento para saber se a rainha de Sabá tinha pernas peludas? Quem escreveu aquele livro singular, Flight into Darkness, do qual só recordo a descrição de um corredor sem janelas, tomado por pássaros esvoaçantes? Em qual história li a frase “no despejo de sua biblioteca”? Qual livro tinha uma vela acesa na capa e desenhos a lápis no papel creme? Em algum lugar de minha biblioteca encontram-se as respostas a estas questões – mas esqueci onde. “A biblioteca à noite” (Companhia das Letras, tradução de Samuel Titan Jr., 304 páginas, R$ 45), lançado esta semana em São Paulo, é mais um exemplar inspirado daquele ensaísmo que, se não foi inventado, pode-se…