D. João, quinto do nome na tabela real, irá esta noite ao quarto de sua mulher, D. Maria Ana Josefa, que chegou há mais de dois anos da Áustria para dar infantes à coroa portuguesa e até hoje ainda não emprenhou. Já se murmura na corte, dentro e fora do palácio, que a rainha, provavelmente, tem a madre seca, insinuação muito resguardada de orelhas e bocas delatoras e que só entre íntimos se confia. Que caiba a culpa ao rei, nem pensar, primeiro porque a esterilidade não é mal dos homens, das mulheres sim, por isso são repudiadas tantas vezes, e segundo, material prova, se necessária ela fosse, porque abundam no reino bastardos da real semente e ainda agora a procissão vai na praça. “Memorial do convento” (Bertrand Brasil, 1998, 22a edição), que José Saramago publicou em 1982, é um livro do início da “fase madura” do autor português – aquela, prolífica, que lhe valeria sua enorme popularidade e o Nobel. Naquele tempo o estilo aliciador de Saramago, com traços viciantes, ainda era novo demais para criar anticorpos no leitor ou para ser acusado de repetitivo. Resultado: D. Maria Ana Josefa podia ser estéril, mas a prosa era a própria…