Sou um mestre da ficção. Sou também o maior escritor policial que jamais viveu. Sou para o romance policial, especificamente, o que Tolstói é para o romance russo e Beethoven para a música. A declaração é de James Ellroy (veja nota abaixo, sobre “Dália Negra”), em entrevista publicada domingo passado pela revista do “New York Times”. Que marra, hein? Um pouco dessa autoconfiança – um pouco só, senão mandam buscar a camisa-de-força – não faria mal a alguns dos escritores que andam se digladiando aqui no blog.
É boa a polêmica surgida entre Vinicius Jatobá e Gaston Gallimard na caixa de comentários da nota “Littell, Goncourt no bolso, é da Alfaguara”, aí embaixo. Boa, exaltada e complexa, mas no geral vejo uma dose maior de bom senso nos argumentos de Gaston. Tudo indica que a Alfaguara empregou bem seu dinheiro em Jonathan Littell – qualquer que seja o valor exato. Com a histeria internacional de público e crítica que cerca “As Benevolentes”, não é improvável que o investimento gere lucro. Quem sabe, até, muito lucro. Creio ser este o ponto fraco do retrato que Vinicius faz dos best-sellers – ralos de dinheiro que o autor brasileiro, se bem entendi, financia. Ora, best-sellers fazem dinheiro. É o que eles fazem, por definição. Exatamente de que forma isso seria ruim para o autor brasileiro aspirante? Na história da indústria editorial, pelo contrário, é recorrente que fenômenos comerciais financiem o ambiente de afluência em que bancar a publicação de meia dúzia de escritores duvidosos, “literários”, passa a ser encarado como um piquenique. Convém não esquecer que o negócio de livros é, como sempre foi, um negócio. Interessa ao ambiente intelectual como um todo que o negócio seja saudável. Comprar os…
Esta nota é destinada àquele cético que, ao topar numa livraria com a capa “cinematográfica” de “Dália Negra”, em que se vê Scarlett Johansson ombro a ombro com outras estrelas do elenco, tiver a – compreensível – tentação de classificar o (re)lançamento como um mero caça-níqueis destinado a atrair os pobres fãs do filme de Brian de Palma, que ainda está em cartaz, para uma literatura rasteira e oportunista. O cauteloso incauto deixará então de conhecer o melhor livro de James Ellroy, um dos mais originais e desconcertantes escritores do gênero policial da história. “Dália Negra” (Record, tradução de Cláudia Sant’Anna Martins, 3a edição, 432 páginas, R$ 45,90) é nada menos que uma obra-prima. O filme, infelizmente, não.
O romance “Les bienveillantes” (veja nota de 27/10, abaixo), escrito em francês pelo americano Jonathan Littell, confirmou hoje sua condição de grande fenômeno literário do ano ao ganhar o prêmio Goncourt, o mais importante da França – aqui, em francês, a notícia do “Le Monde”. O livro, um tijolaço narrado por um ex-oficial nazista gay, já havia levado o Grande Prêmio de romance da Académie Française e tido seus direitos para os Estados Unidos vendidos por US$ 1 milhão. No Brasil, o Goncourt de Littell foi intensamente comemorado num casarão do Cosme Velho, no Rio de Janeiro, hoje de manhã. Um leilão disputado por quatro grandes editoras brasileiras terminou com a vitória da Alfaguara, leia-se Objetiva. O valor não foi revelado – é de cinco dígitos – mas consta que Littell, 38 anos, que cuidou pessoalmente da escolha das editoras em todos os 16 países para os quais o livro foi vendido, levou em conta outros fatores além do valor financeiro.
Chegou a hora de fazer a minha confissão. Eu pertenci à juventude salazarista, que se chamava Mocidade Portuguesa. Pertencíamos todos: alunos da instrução primária, do ensino secundário, do ensino superior, todos sem exceção. Era, por assim dizer, automático. Digo no livro como consegui escapar a usar o fardamento e creio que essa foi a minha primeira vitória contra o fascismo. Mais não podia fazer. E para a revolução ainda era cedo. Em entrevista (acesso livre) a Antonio Gonçalves Filho no “Estadão” de sábado, a propósito de seu novo livro, “As pequenas memórias”, José Saramago se solidariza com o alemão Günter Grass. Seu colega de Nobel confessou ter sido hitlerista aos 17 anos.
A avassaladora moda anglo-americana dos livros infantis escritos por celebridades – Madonna, Paul McCartney, Kylie Minogue, Gloria Stefan, Julie Andrews, Jamie Lee Curtis e Whoopi Goldberg são algumas delas – inspira um
O boliviano Juan Claudio Lechín, 50 anos, está deixando de ser inédito no Brasil: lança hoje, na Feira de Porto Alegre, seu romance “A gula do beija-flor” (Bertrand Brasil, tradução de Ernani Ssó, 332 páginas, preço a definir). Premiado na Bolívia, o livro acompanha um congresso secreto de grandes especialistas em sedução e sexo, organizado em La Paz pelo protagonista, dom Juan, homem idoso – e velha estrela do sindicalismo – que se recusa a entregar os pontos. Cada capítulo traz o relato picante de um dos congressistas, histórias que dom Juan passa a usar em benefício próprio para tentar seduzir Maya, a estudante de jornalismo que o entrevista. E o que poderia ser apenas um compêndio de machismo latino-americano acaba virando, por engenho do autor, um tributo à esperteza feminina. Não estará errado quem lê-lo ainda como painel das relações sociais num país em ebulição. Com arestas formais que a linguagem, freqüentemente à beira do neologismo, espelha, “A gula do beija-flor” é um livro no mínimo vigoroso em sua mescla de humor safado e uma profunda melancolia. Impossível ficar indiferente ao retrato, patético mas terno, de um homem que se recusa a desistir de uma fome que hoje está…
Encontraria a Maga? Tantas vezes, bastara-me chegar, vindo pela rue de Seine, ao arco que dá para o Quai de Conti, e mal a luz cinza e esverdeada que flutua sobre o rio deixava-me entrever as formas, já sua delgada silhueta se inscrevia no Pont des Arts, por vezes andando de um lado para o outro da ponte, outras vezes imóvel, debruçada sobre o parapeito de ferro, olhando a água. E, então, era muito natural atravessar a rua, subir as escadas da ponte, dar mais alguns passos e aproximar-me da Maga, que sorria sempre, sem surpresa, convencida, como eu também o estava, de que um encontro casual era o menos casual em nossas vidas e de que as pessoas que marcam encontros exatos são as mesmas que precisam de papel com linhas para escrever ou aquelas que começam a apertar pela parte de baixo o tubo de pasta dentifrícia. Este é o começo “natural”, o do percurso de leitura que vai do capítulo 1 ao 56, do romance “O jogo da amarelinha” (Rayuela), lançado em 1963 pelo argentino Julio Cortázar (Civilização Brasileira, 4a edição, 1982, tradução de Fernando de Castro Ferro). Há ainda, no mínimo, um segundo e ziguezagueante livro…
O bigodudo da foto é Gustave Flaubert? Os especialistas se dividem – leia aqui, em francês, a reportagem do jornal “Le Monde”. O daguerreótipo de 1846 seria a imagem fotográfica mais antiga do autor de “Madame Bovary”, na época com apenas 25 anos. A imagem está indo a leilão na França no próximo dia 18, com lance mínimo de 40 mil euros – preço de coisa autêntica. O escritor inglês Julian Barnes, flaubertiano fanático, é o maior dos céticos: “Flaubert aos 25 anos? Com esse grau de calvície? E com essa silhueta delgada?”.
Sem querer ser chato, acho que vale a pena levantar a questão do acesso. Para quem teve a oportunidade de aprender várias línguas, e tem acesso a boas edições, de grandes tradutores, vale reclamar de nuances nos textos traduzidos. Mas quando se trata de leitura, sou daqueles que costumam dizer sempre: “É melhor do que nada”. Cheguei a estudar Filosofia um ano, e lembro que muitas pessoas falavam mal da coleção “Os pensadores”. De fato, ela não traz as melhores traduções, mas não creio que atrapalhem estudantes do primeiro período. Concordo que é muito melhor ler Kant em alemão, mas devo esperar aprender a língua para fazê-lo? Comentário de Pedro — 31/10/2006 @ 1:58 pm Pedro, traduções, boas ou más, são fundamentais. Querer que uma obra só faça sentido no original é defensável para a poesia, mas para qualquer prosa, de filosofia a literatura, denuncia um elitismo alarmante. Além de um separatismo cultural no grau mais insano: “Jamais saberás o que disse Dostoiévski, até aprenderes russo”, a sentença pairaria sobre todas as cabeças não-russas da humanidade do primeiro ao último dia de suas vidas. É nesse mundo que vivem os inimigos da tradução. A tradução é uma necessidade humana básica,…