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Jane Austen não era uma gata?
Posts / 28/02/2007

Will Davis, um dos blogueiros de livros do “Guardian”, levou um susto e eu também. Está certo que o cinema tem o costume de embelezar os personagens reais que retrata – quando se trata de escritores, muitas vezes o falseamento é até um ato de caridade. Nicole Kidman de narigão de borracha para interpretar Virginia Woolf é a exceção que confirma a regra. Mesmo assim, a linda, luminosa, extraordinária Anne Hathaway (de “Brokeback Mountain” e “O diabo veste Prada”) no papel da desfavorecida solteirona Jane Austen (1775-1817) – uma bela escritora, não me entendam mal – deve estabelecer um novo recorde mundial para a glamourização da vida na sétima arte. Becoming Jane, a cinebiografia da autora de “Orgulho e preconceito”, estréia na Inglaterra semana que vem prometendo fazer qualquer amante do realismo nas telas perdoar o Shakespeare garotão de Joseph Fiennes e o garboso Euclides da Cunha de Tarcísio Meira.

Roth é tri
Posts / 27/02/2007

A poderosa novela Everyman, inédita no Brasil, deu ao escritor americano Philip Roth o prêmio PEN/Faulkner, no valor de US$ 15 mil. Não é uma das maiores honrarias do mundo das letras, mas a notícia tem apelo extra por ser a primeira vez que um escritor conquista o tri: Roth ganhou o PEN/Faulkner em 1994 com “Operação Shylock” e em 2001 com “A marca humana”, ambos lançados no Brasil pela Companhia das Letras. Para ler um trecho de Everyman, publicado ano passado em tradução da casa no Todoprosa, clique aqui. Alerta: quem acha bacaninha o ridículo eufemismo “melhor idade” deve passar bem longe desse livro.

Da arte de não ler
Posts / 26/02/2007

O recém-lançado Comment parler des livres que l’on n’a pas lus (“Como falar de livros que não se leu”), do professor de literatura e psicanalista francês Pierre Bayard, não é exatamente um daqueles manuais para blefadores que andaram na moda alguns anos atrás. Sendo um intelectual francês, Bayard tem pretensão maior – alguma coisa a ver com uma defesa da não-leitura como atividade criadora. Como estou falando do livro dele sem tê-lo lido, fica tudo em casa. Mas Comment parler… é, antes de mais nada, uma provocação, e como tal tem atingido seu objetivo. De um lado Bayard vem colhendo o apoio risonho de quem reconhece sua coragem de ir contra a hipocrisia e cutucar um tabu de intelectuais – pois é evidente que todo mundo trapaceia de vez em quando, mesmo porque o tempo para ler tudo o que se deveria ler anda escasso pelo menos desde o início do século XVIII. Recepções simpáticas ao livro de Bayard podem ser lidas no artigo da “Lire”, em francês, e, com uma dose maior de ironia, na resenha do “New York Times”, em inglês. Naturalmente, também é possível carregar no sarcasmo, como fez esse artigo publicado no “Times” de Londres (onde…

William Faulkner: ‘Luz em agosto’
Primeira mão / 24/02/2007

“Luz em agosto”, do grande mestre americano William Faulkner (Cosac Naify, tradução de Celso Mauro Paciornik, 448 páginas, R$ 69), já teve uma tradução lançada no Brasil, pela Nova Fronteira, em 1983. Neste quarto de século, porém, tornou-se figurinha rara entre nós este romance que costuma ser considerado o mais acessível do autor (1897-1962) de “O som e a fúria”, a melhor porta de entrada em sua obra. Publicado em 1932, “Luz em agosto” talvez tenha mesmo mais ação e menos monólogos interiores do que os livros mais famosos do homem, embora não lhe faltem uma prosa luminosa e aquela atmosfera faulkneriana de decadência econômica e moral do Sul dos Estados Unidos. Como afirma a boa orelha assinada por Marçal Aquino, “há escritores que escrevem grandes livros. Há outros, mais raros, que instauram mundos”. A acessibilidade não significa que o livro seja simples. O grande número de personagens faz de “Luz em agosto” uma malha de histórias que se cruzam, se completam e se corrigem, todas centradas na cidadezinha de Jefferson, no fictício condado de Yoknapatawpha. Os personagens que sustentam a construção, porém, são três, e todos párias: a adolescente Lena Grove, solteira e grávida, que chega em busca do…

Coetzee e a metalinguagem
Posts / 23/02/2007

Acabo de ler o último livro do sul-africano J.M. Coetzee, Slow man, ainda sem tradução no Brasil (o próximo, Diary of a bad year, está prometido para outubro). O que achei dele não é simples de expressar. Se não posso dizer que gostei, é certo que o desagrado, no caso de um autor tão inteligente, costuma ser esteticamente mais prazeroso do que muitos prazeres fáceis. A história vinha bem: tem pegada o drama do fotógrafo Paul Rayment, um sujeito entre a meia-idade e a velhice que perde uma perna ao ser atropelado em sua bicicleta numa rua da cidade australiana de Adelaide – sim, no país de adoção de Coetzee. O livro é narrado naquela terceira pessoa marcante de “Desonra”, uma secura orgulhosa e exasperante como pano de fundo, pequenos rasgos de humanidade ofuscando o leitor aqui e ali. Eis que de repente, sem aviso, entra em cena a velha Elizabeth Costello, escritora meio chatonilda que Coetzee transformou – não sem auto-ironia – em alter ego. E não é que dona Costello conhece como ninguém o livro que estamos lendo? Até frases de capítulos anteriores, que só o narrador e o leitor poderiam conhecer. Daí em diante a história da…

Começos inesquecíveis: Graham Greene
Posts / 21/02/2007

Uma história não tem princípio nem fim: arbitrariamente, escolhe-se o momento vivido de onde se deve olhar para trás ou para a frente. Eu digo “escolhe-se” com o orgulho incorreto de um escritor profissional que tem sido elogiado – quando observado com seriedade – pela sua habilidade técnica, mas será que, de fato, escolho aquela noite escura e úmida de janeiro no Common, em 1946, a figura de Henry Miles atravessando, inclinada, o grande rio de chuva, ou são essas imagens que me escolhem? É conveniente e correto, segundo as regras do meu ofício, começar exatamente aqui, mas se eu tivesse acreditado então em um Deus, poderia também ter acreditado numa voz, sugerindo ao meu ouvido, “Fale com ele: ele ainda não viu você”. Eis o começo do fim, ou melhor, de “Fim de caso” (Record, 2000, 3ª. edição, tradução de Léa Viveiros de Castro), romance lançado em 1951 pelo escritor inglês Graham Greene (1904-1991).

Enquanto isso, num vasto país obscurantista…
Posts / 20/02/2007

Um livro infantil premiado, voltado para crianças de 9 a 12 anos, foi proibido em diversas escolas e bibliotecas americanas (notícia aqui, em inglês) porque contém a palavra “escroto”. Não o adjetivo brasileiro, mas o substantivo mesmo – trata-se de explicar o ponto exato da anatomia de um cachorro que uma cobra mordeu. Aqui entre nós: a palavra “escroto” é bem escrota. Mas proibi-la é muito mais.

Conto de carnaval: A máscara
Posts / 18/02/2007

Todo cuidado é pouco com essa máscara, viu, Vi? Não, sua boba, empresto com prazer porque você sabe que é a minha neta preferida, e além disso tem outras coisas, sinto um arrepio só de imaginar que a minha máscara negra veneziana nariguda vai se soltar por essas ruas outra vez depois de meio século guardada numa caixa de chapéu com a tampa afundada, devia andar triste, a coitadinha, olha só esses olhos vazados caídos, tão merencórios. Ah, esses olhinhos viram coisa, Vi. Claro que não era como agora, era melhor, era pior. Diferente: eu nunca fui de folia e nem podia ser, sempre fui certinha. Seu avô, sim, aquele se esbodegava inteiro, saía no sábado pra voltar na quarta-feira que nem na música da camisa listrada, só que a fantasia dele, infalível, era de arlequim – conhece a música da camisa listrada? Ainda toca isso? Em vez de tomar chá com torrada ele tomou parati, não, imagine se vai tocar. Agora é diferente, pior, melhor, depende. Por exemplo, quando você casar, duvido que agüente o que eu agüentei. Não agüenta, Vi, mudou demais. Para melhor, nesse ponto eu acho que foi para muito melhor, porque se o seu marido…

Jonathan Coe: ‘A casa do sono’
Primeira mão / 17/02/2007

Do escritor inglês Jonathan Coe, 45 anos, só li o romance que costuma ser considerado sua obra-prima, “O legado da família Winshaw” (Record, 2002, tradução de Celina Cavalcante Falck). Um livro divertido, despudoradamente farsesco, em que as histórias de variados personagens se cruzam numa trama complicada e não desprovida de artificialismo, para compor uma sátira feroz da Grã-Bretanha de Margaret Thatcher. Um bom romance cujo aparente defeito – uma certa candura ou confiança excessiva no poder do contador de histórias – termina por ser sua maior qualidade, ou pelo menos aquilo que o distingue no panorama literário atual. Não sei se fui claro: é evidente que Coe tem ambições, tanto estéticas quanto políticas, mas não cabe bem no figurino do literato. Provavelmente não é sequer um grande escritor, mas está tão empenhado em envolver o leitor em suas fabulações e comentar com ele o mundo lá fora – e não a própria literatura, o que o diferencia de boa parte do pós-modernismo em que se alinha – que acaba tendo uma vitalidade curiosa. (Será que influi em minha simpatia o fato de Coe ter se revelado um sujeito sensato, afável e sem frescura quando nos conhecemos na Flip de 2004,…

Professor Amis
Posts / 15/02/2007

Bem, é um tipo de trabalho sedentário e introspectivo que se faz de pantufas, enfiando o dedo no nariz e coçando a bunda, você sozinho em seu escritório, e não há a menor possibilidade de ser de outra forma. Assim, qualquer um que entre nessa de olho em ganhos materiais e agitação mundana, eu não acredito que chegue muito longe. Surpresa: Martin Amis, 57 anos, um dos romancistas vivos mais importantes da Inglaterra – e provavelmente, com sua máscara midiática enfezada, o mais famoso – está sendo anunciado hoje pela Universidade de Manchester como seu novo professor de “escrita criativa”. Deve haver muito estudante apavorado, mas em entrevista ao “Guardian” (acesso livre, em inglês, aqui), Amis trata de tranqüilizá-los: Posso ser ácido na forma de escrever, mas não na forma como vivo. Seria muito difícil para mim dizer coisas cruéis a pessoas numa posição tão vulnerável. Imagino que eu vá ser surpreendentemente doce e gentil com eles. Uma das coisas que aprendi sobre ficção é que você realmente se expõe de uma forma que nenhum outro artista dito criativo faz. Na maioria das outras artes você está só exibindo um talento específico, de certa forma até na poesia, mas ao…

Mawady de Accu3
Posts / 14/02/2007

Olha o Joaquim Maria aqui de novo. Essa aí ao lado é a capa de uma edição bilíngüe (português-russo) de doze contos de Machado de Assis, inéditos na língua de Anton Tchecov, que acaba de ser lançada pelo Centro Lusófono Camões da Universidade Hertzen, de São Petersburgo. Organizado por Vadim Kopyl e com prefácio do professor brasileiro Adelto Gonçalves, o livro traz um elenco respeitável de histórias curtas: “Uns braços”, “O caso da vara”, “O espelho”, “Uma senhora”, “A senhora do Galvão”, “A sereníssima República”, “A igreja do Diabo”, “O enfermeiro”, “A causa secreta”, “D. Paula”, “Entre santos” e “Um apólogo”. Sentiu falta de “O alienista”, “Missa do galo”, “Um homem célebre”, “A cartomante”? Eu também. Mas Machado é um contista tão grande que o time fica poderoso mesmo com desfalques.

Literatura e carnaval
Posts / 13/02/2007

Um dos chavões preferidos da imprensa literária brasileira é discutir a discreta presença do futebol em nossa ficção. E o carnaval, clichê da “nacionalidade” tão forte quanto o velho ludopédio, será que está bem representado? À primeira vista, não. “O país do carnaval”, romance de estréia de Jorge Amado, de carnavalesco mesmo tem pouco mais que o nome. Os contos “Antes do baile verde”, de Lygia Fagundes Telles, e “A morte da porta-estandarte”, de Aníbal Machado, chegam mais perto da festa, mas mantendo um pé na vida e outro na morte. Também sombrio, “O bebê da tarlatana rosa”, de João do Rio, outra história curta, talvez entre mais um pouco no espírito da gandaia. Mas cabe à crônica “Batalha no Largo do Machado”, de Rubem Braga, ser, esta sim, uma brilhante tradução em prosa da ofegante epidemia. É claro que o gênero crônica, por sua natureza, oferece uma fartura de textos de carnaval, mas não acredito que algum deles chegue perto desse do Braga. Devo estar esquecendo títulos importantíssimos, com certeza. Infelizmente, nunca tive nas mãos a (esgotadíssima) “Antologia do carnaval”, de Wilson Louzada. Sendo este post uma obra aberta, espero que me corrijam. Mas mesmo assim o saldo tende…

Uma cena da vida de Tiago A.
Posts / 12/02/2007

O post deve iniciar com breve e superficial descrição do ambiente. Usar as palavras casa de minha avó, sombra da mangueira, calor abafado. Falar da quase felicidade que eu sentia por estar ali, lendo um livro, sem maiores preocupações. Talvez especular sobre a experiência de não suar apesar do calor, divagando sobre as possíveis causas do fenômeno e sobre o modo como ele, longe de representar incômodo, tornava tudo ainda mais estranhamente agradável. Tom neutro. Começa bem, depois melhora. Quem acha que blog não combina com prosa literária de qualidade precisa ler isso.

O blog de papel de Susan Sontag
Posts / 11/02/2007

A autora nunca me interessou terrivelmente, mas comecei a ler seu diário de juventude com uma vaga curiosidade e fui até o fim. São cheias de reflexões como essas aí embaixo – cruas, nervosas, às vezes meio adolescentes, mas transpirando sinceridade – as anotações que a escritora e pensadora americana Susan Sontag (1933-2004) manteve de 1958 a 1966, basicamente entre Paris e Nova York, enquanto lutava para se inventar como escritora. Como atração colateral, vale a pena fingir por um momento que estamos lendo os posts de uma aspirante a escritora do século XXI: o estilo blogueiro já estava maduro há meio século, só faltava o meio. Uma tradução do diário de Susan Sontag acaba de ser publicada pela revista “Granta” em espanhol – acesso livre, em pdf, aqui. 31 de dezembro de 1958: Por que é importante escrever? Sobretudo por egoísmo, suponho. Porque quero ser esse personagem, uma escritora, e não porque haja algo que deva dizer. Mas por que não também por isso? Com um pouco de construção do ego – como mostra o fait accompli deste diário – emergirei lá na frente com a confiança de que eu (eu) tenho algo a dizer, algo que deve ser…

Começos inesquecíveis: Campos de Carvalho
Posts / 10/02/2007

Aos 16 anos matei meu professor de lógica. Invocando a legítima defesa – e qual defesa seria mais legítima? – logrei ser absolvido por cinco votos contra dois, e fui morar sob uma ponte do Sena, embora nunca tenha estado em Paris. E já que mencionei a sisudez da literatura contemporânea, aí vai o supra-sumo do contrário: o primeiro parágrafo do romance “A lua vem da Ásia”, lançado pelo grande Campos de Carvalho (1916-1998) em 1956 (José Olympio, Obra reunida, 2a. edição, 1995).

O jogo do sério
Posts / 09/02/2007

Eis um belo paradoxo. Em todas as áreas da vida britânica, a acusação de falta de humor é um insulto cruel; não ser engraçado é praticamente um pecado nacional. Mas para ser considerado um dos “romancistas de verdade” deste país, hoje, você tem que ser mortalmente sério. Estou começando a temer que haja algum insidioso Zeitgeist rolando, uma estranha sopa em que se unem os Tempos Difíceis em que vivemos, um malformado desejo de categorizar e regras subterrâneas que ninguém articula mas todos sabem que estão lá. (…) Com raras exceções, o clima literário agora é de solenidade implacável. Uma noção nebulosa serpenteia em torno do subconsciente do romancista como uma trepadeira: você precisa ser sério, senão nunca vai ser resenhado nos jornais importantes ou terá a menor chance de conquistar uma vaguinha na posteridade. Tive vontade de aplaudir de pé esse pequeno artigo (em inglês, acesso livre) publicado no blog de livros do “Guardian” por Tania Kindersley. Ela cita Jane Austen e Graham Greene como escritores sérios dotados de fino senso de humor, para não mencionar o mais obviamente cômico Evelyn Waugh. Acrescenta que Martin Amis, cansado de jamais ganhar prêmios com suas comédias sombrias, “agora escreve sobre os…

J.K. Rowling: mais de oito vezes Dickens?
Posts / 08/02/2007

Do diário de J.K. Rowling em seu site, entrada de 6 de fevereiro, com modéstia apenas aparente: Charles Dickens expressou melhor do que eu conseguiria: “Talvez seja de escasso interesse para o leitor saber com que tristeza a pena é deposta após dois anos de labor da imaginação; ou como um Autor tem a sensação de estar abandonando uma porção de si mesmo ao mundo sombrio, quando um grupo de criaturas nascidas em seu cérebro se despede dele para sempre.” Ao que eu posso apenas suspirar, experimente 17 anos, Charles… O sétimo e último livro da série de Rowling, Harry Potter and the Deathly Hallows, será publicado no dia 21 de julho nos mercados britânico e americano. Via The New York Times.