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Jorge Franco: ‘Rosario Tijeras’
Primeira mão / 30/03/2007

Na votação dos cem maiores romances da língua espanhola dos últimos 25 anos, feita por críticos e escritores a pedido da revista “Semana” (veja nota abaixo), o romance “Rosario Tijeras”, lançado em 1999 pelo colombiano Jorge Franco (Alfaguara, tradução de Fabiana Camargo, 160 páginas, R$ 28,90), aparece na 87a posição. Pode parecer pouco. Não é. O número de bons autores que não chegaram a entrar na lista é grande o bastante para valorizar o feito desse escritor de 45 anos nascido em Medellín. O romance apresenta, numa narrativa supereditada e veloz, a história de uma assassina sexy do submundo de Medellín e dois rapazes de classe média apaixonados por ela. As semelhanças com uma certa corrente da literatura brasileira contemporânea fixada em sexo e violência — que podemos chamar de rubem-fonsequiana — são evidentes e curiosas. Mas os leitores que, até compreensivelmente, andam cansados do estilo devem levar em conta que “Rosario Tijeras” consegue trabalhá-lo com felicidade acima da média. O trecho abaixo abre o livro: Como levou um tiro à queima-roupa ao mesmo tempo em que recebia um beijo, Rosario confundiu a dor do amor com a da morte. Mas tirou a dúvida quando afastou os lábios e viu…

Nota para O Livro dos Gêneros (que nunca escreverei)
Posts / 30/03/2007

O romance tem barriga. Se perdê-la, vira novela. A palavra barriga está carregada de conotações negativas que, no entanto, não quero absolutamente expressar. Pois é a barriga que torna o romance superior à novela: a imperfeição faz dele o veículo perfeito para a imitação literária (não necessariamente realista, é claro) da vida. Diante da barriga morna e fértil do romance, a novela é, no máximo, uma top model: linda, mas meio anoréxica. Com ela temos um caso. Com o romance, casamos. Um tanto fria, mais propícia à expressão da literatura como puro jogo, a boa novela tem necessariamente a musculatura definida. Sabe o que está fazendo, planejou a vida inteira, jamais esbarra nos móveis, mas não consegue disfarçar um brilho cruel no fundo do olho. O romance, não: este pode ser sedentário, triste, doentio, de pele áspera e hálito azedo, mas também alegre, ativo, cheiroso, úmido, confortável. Pode ter quantas caras e jeitos tiverem as pessoas, mas nunca perde a mania de se perder um pouco nas encruzilhadas, marcar passo, tropeçar, pedir perdão. Um bom romance nos dá a ilusão de ser feito mais de vida que de literatura. É a barriga que o salva.

Os maiores da língua espanhola
Posts / 29/03/2007

A revista colombiana “Semana” ouviu 81 críticos, escritores e editores para elaborar uma lista dos cem melhores romances da língua espanhola dos últimos 25 anos – o mesmo período que o “New York Times” arbitrou para fazer sua lista de americanos, ano passado, noticiada na época aqui. Ganhou “O amor nos tempos do cólera”, de Gabriel García Márquez, com “A festa do Bode”, de Mario Vargas Llosa, em segundo lugar. Esses dois não param tão cedo de se bicar. Até aí, estamos no terreno dos medalhões. A notícia fica mais interessante quando se descobre, em terceiro e quarto, dois livros do mesmo autor: “Os detetives selvagens” e “2666”, do grande – e, pelo visto, em fase de crescimento – Roberto Bolaño (1953-2003). O sujeito ainda se deu ao luxo de emplacar um terceiro título, a novela “Estrella distante”, na 14a posição.

Empréstimos, perdas e ganhos
Posts / 28/03/2007

Já transitei pelos dois lados do empréstimo de livros com a mesma desenvoltura. Muitos anos, perdas e ganhos depois, não faço isso mais. Virou tabu: um quarto de porta lacrada no último andar da casa em que é proibido entrar, como num romance gótico. Lá dentro, acumulando poeira, o vazio de perdas incalculáveis e amores insubstituíveis convive com a culpa abafada por devoluções que nunca fiz – parte por esquecimento, a maioria por motivos menos claros. Um dia decidi, chega dessa bagunça. Não empresto mais, não tomo mais emprestado. Com a segunda resolução tento me redimir da antipatia da primeira, ou pelo menos, ao dispor as duas em arranjo simétrico, simular um cenário de olímpica justiça onde há apenas confusão e cansaço. E antes que me acusem de alguma abominável síndrome retentiva, quem sabe de uma forma bibliográfica de misantropia, aviso que de vez em quando parte aqui das estantes uma enorme caixa transbordante de alegres exemplares para doação. Não corto o fluxo social do livro. Apenas evito que ele me corte. A maior lacuna entre os livros que emprestei e nunca me devolveram foi deixada – a julgar pela insistência até surpreendente com que me contempla do fundo da…

Pequenos prazeres domésticos
Posts / 26/03/2007

No blog de livros do “Guardian”, Nicholas Clee fala de sua preocupação (em inglês) com o futuro das redes de livrarias convencionais, como Waterstone’s e Borders, que têm fechado lojas aos montes por serem incapazes de concorrer com o preço baixo e a escala massificada dos supermercados de livros – supermercados com aspas, como Amazon, ou sem, como Tesco. O tema é um dos mais batidos na imprensa literária, mas não faz muito sentido culpar os escribas se a realidade continua a reeditá-lo. Clee até que tenta inovar, atribuindo aos pequenos livreiros de bairro, os chamados independentes, uma vantagem competitiva sobre as redes convencionais – vantagem advinda do charme da seleção idiossincrática de títulos e do contato direto com o cliente. (Infelizmente, o mesmo artigo diz que os independentes estarão extintos em 15 anos, o que parece contrariar o argumento anterior, mas deixa pra lá.) Eu leio essas coisas e também me preocupo, claro. Não há nada como uma boa livraria real, de preferência com um expresso espumante num canto e um vendedor daqueles que leram tudo o que deve ser lido e ainda têm um GPS mental para encontrar volumes empoeirados em prateleiras improváveis. Mas a leitura do artigo…

Começos inesquecíveis: Michael Chabon
Posts / 24/03/2007

Anos depois, falando a um entrevistador ou a um público de velhos fãs numa convenção de histórias em quadrinhos, Sam Clay gostava de declarar, a propósito da maior criação sua e de Joe Kavalier, que, quando menino, trancado e de mãos e pés atados dentro do recipiente estanque conhecido como Brooklyn, Nova York, costumava ser assombrado por sonhos de Harry Houdini. “Para mim, Clark Kent numa cabine de telefone e Houdini num caixote eram uma só coisa”, expunha em tom erudito na WonderCon ou em Angoulême ou ao editor do The Comics Journal. “Você não era, ao sair, a mesma pessoa que tinha entrado. O primeiro número de mágica de Houdini, vocês sabem, quando ele estava começando. Chamava-se ‘Metamorfose’. Nunca foi uma simples questão de escapar. Era também uma questão de transformação.” A verdade é que, quando garoto, Sammy só tinha um interesse casual, na melhor das hipóteses, em Harry Houdini e em seus feitos lendários; seus grandes heróis eram Nikola Tesla, Louis Pasteur e Jack London. No entanto, o relato do seu papel – do papel da sua própria imaginação – no nascimento do Escapista, como todas as suas melhores fabulações, soava verdadeiro. Seus sonhos sempre tinham sido houdiniescos:…

O mapa da literatura
Posts / 23/03/2007

Para desestressar: o Literature Map não é novo, mas quem ainda não o conhece pode gostar da brincadeira de digitar o nome de um autor (sim, claro que os de língua inglesa ocupam mais espaço, embora não tenham exclusividade) e receber de volta uma tela que o situa, digamos assim, no mapa literário mundial. Em termos visuais, o digitado torna-se o centro de uma constelação trêmula de nomes afins, a maioria formada por escritores que exerceram influência sobre ele ou foram por ele influenciados. Supostamente, pelo menos. O que torna tudo mais interessante e imprevisível é a ferramenta ser “inteligente”: em vez de se basear no conhecimento enciclopédico de seu autor, o Literature Map (existem também versões do brinquedo para música e cinema) vai aprendendo com os caminhos traçados pelos usuários. Entre esses usuários não têm faltado brasileiros, a julgar pelos dois nomes que, numa pesquisa aleatória, descobri serem os mais próximos de Julio Cortázar em toda a literatura universal: Lygia Fagundes Telles e? Paulo Leminski! É claro que ser “inteligente”, no caso, equivale muitas vezes a ser extremamente burro. Exemplo: uma pesquisa sobre Franz Kafka revela sua íntima e insuspeitada vizinhança com Bret Easton Ellis. Mas até por besteiras…

Fala, Mirisola
Posts / 22/03/2007

Marcelo Mirisola me manda uma carta aberta para responder à carta aberta de Sérgio Sant’Anna, publicada ali embaixo: Oi, Sérgio. Pedi uma carta de recomendação a Sérgio Sant’Anna, sim. Não fui escolhido pela comissão do concurso – que tinha regras, um corpo de jurados, critérios pré-estabelecidos e um edital público. Muito diferente do “Bonde da Alegria” da Companhia das Letras. Infelizmente a carta de Sérgio não comoveu os jurados. O que consegui foi uma suplência ridícula que não me rendeu um centavo. Sou suplente de Andrea del Fuego e Eustaquio Gomes. Pode rir… Agradeço a deferência de Sérgio Sant’Anna. Mas a informação é falsa. Espero que você e ele corrijam o erro. Obrigado, e um abraço, Marcelo Mirisola

Com a palavra, Sérgio Sant’Anna
Posts / 21/03/2007

Sérgio Sant’Anna, um cara respeitadíssimo aqui no blog, não só como escritor mas como amigo, me pede que publique o recado abaixo sobre a polêmica do projeto “Amores expressos”, que ele integra (vai para Praga): Avisado por uma amiga que comentários irados e espumantes estavam chegando em grande quantidade à coluna Todoprosa, no site NoMínimo, fui lá conferir. E, na verdade, apesar dos ressentidos e invejosos (poucos) achei a coisa muito bem humorada. Mas é repugnante que um mau-caráter como o tal de Arnaldo diga que eu fui ao Programa Internacional de Escritores, na Universidade de Iowa, EUA, com uma bolsa da Ditadura Militar. Fui selecionado para o programa pela Fundação Ford, que me concedeu a bolsa e passagens, para mim e minha mulher. Isso depois de uma apreciação de meu livro de estréia, O sobrevivente, em edição das mais modestas, custeada por meu pai, com um empréstimo que nunca paguei. Também o pessoal da Ford no Rio me submeteu a uma entrevista. Arnaldo também dá uma de dedo-duro falando na caixa de maconha que me apresentaram, como boas-vindas, assim que cheguei. Mas que tolice, maconha lá era fumada como aqui se toma cafezinho. E garanto a todos que a…

Polêmica expressa
Posts / 20/03/2007

O projeto “Amores expressos” vai mandar 16 escritores brasileiros – alguns inéditos em livro, alguns consagrados, a maioria no meio do caminho – passarem um mês com tudo pago em alguma cidade do mundo, de onde eles se comprometem a voltar com um romance de amor para ser publicado pela Companhia das Letras (embora a editora se reserve o direito de só aproveitar parte do material) e, se tudo correr bem, adaptado para o cinema. Nas andanças por sua cidade turística de eleição (o destino foi escolhido pelos organizadores), cada um será acompanhado durante três dias por uma equipe de cinema, que transformará em documentário esse périplo de 16 autores em busca de 16 histórias. A notícia do projeto, idealizado pelo produtor cultural Rodrigo Teixeira, 30 anos, responsável pela coleção de futebol Camisa 13 (DBA e Ediouro), explodiu na “Folha de S. Paulo” de sábado e provocou uma agitação incomum nas águas paradas da literatura brasileira. Pode-se afirmar – com algum exagero, claro, mas não mais que o protocolar em clichês como este – que desde então escritores e editores não falam de outra coisa. Parte do burburinho se explica pelo custo total do projeto: R$ 1,2 milhão, grana vistosíssima…

Bolaño neles
Posts / 19/03/2007

Quando “Os detetives selvagens” foi publicado, Ignacio Echevarría, o mais destacado crítico literário da Espanha, o elogiou como “o tipo de romance que Borges poderia ter escrito”. Acertou pela metade. Borges, cujo trabalho de ficção mais longo tem quinze páginas, teria provavelmente admirado o modo como o romance de Bolaño emerge de uma árvore cheias de galhos em forma de histórias. Mas o que acharia ele da delirante viagem de carro, do sexo frenético, das esculachadas exibições de ego masculino? Bolaño enche sua tela com conturbadas emoções lawrencianas, mas as situa dentro de uma fria moldura cerebral. É um estilo digno de seu nome: modernismo visceral. Seis meses depois de publicado no Brasil, o romance “Os detetives selvagens”, obra-prima do chileno Roberto Bolaño (1953-2003) – nota da época e trecho aqui – ganha um longo e consagrador ensaio-reportagem-resenha de Daniel Zalewski na “New Yorker” desta semana, a propósito de seu tardio lançamento nos Estados Unidos.

Julian Barnes: ‘Arthur & George’
Primeira mão / 17/03/2007

Da grande geração de escritores ingleses que integra com Ian McEwan, Martin Amis e Salman Rushdie, Julian Barnes é o mais “europeu”, no sentido de sofisticado, afeito a sutilezas de composição e pensamento, numa tradição assumidamente francófila – pecado quase imperdoável em sua ilha. O que o torna também, previsivelmente, o de menor sucesso comercial dos quatro. Autor da obra-prima “O papagaio de Flaubert”, uma mistura de ensaio e ficção em que acerta contas com sua grande admiração literária, Barnes volta, em “Arthur & George” (Rocco, tradução de Léa Viveiros de Castro, 448 páginas, R$ 53,50), a transformar uma figura real da história da literatura em tema. Mas desta vez, embora a variedade sempre tenha sido uma marca de sua obra, surpreendeu até quem já esperava uma surpresa. O escritor cuja vida ele romantiza é popular e inglês até a alma: Arthur Conan Doyle, o criador do detetive Sherlock Holmes. E o livro, o mais convencional que Barnes já escreveu. Ficção histórica consistente, cheia de pesquisa, “Arthur & George” conta em contraponto as histórias do médico Arthur Conan Doyle e de outro personagem real, o advogado George Edalji. Trata-se de dois antípodas: um inglês atlético e bem sucedido, um descendente…

A epígrafe
Sobrescritos / 16/03/2007

Foram as poucas linhas daquela carta de recusa que fizeram Lúcio Nareba, lenda da blogosfera literária nacional, perder a cabeça. Não fosse o veneno destilado – gratuitamente, gratuitamente! – pela famosa editora Bia Escarpin, o adorável Nareba estaria entre nós até hoje, esvaziando dois engradados e meio de cerveja por dia às custas de seus admiradores mais jovens, fumando pelos ouvidos, coçando a bunda agressivamente como lhe parecia apropriado aos gênios irascíveis e rabiscando nanocontos em guardanapos com nódoas de azeite. Mas aquela carta de recusa… Prezado Nareba, Abri seu manuscrito com grande interesse e, já na primeira página, fui ao delírio com a epígrafe. Genial mesmo, parabéns. Infelizmente, não consegui passar da epígrafe, motivo pelo qual sou obrigada a recusar a publicação de “Sou phodão & outras modéstias”. Como sinal de boa vontade, uma crítica construtiva: a epígrafe é genial mas precisa ser aprimorada. Os versos “Astros! noite! tempestades!/ Rolai das imensidades!/ Varrei os mares, tufão!…” são do Castro Alves e não do Chacal. Isso posto, não desista jamais. Ou desista, phoda-se. Bia Escarpin Gratuito, não? Mais do que gratuito, humilhante. Típico dessa alta burguesia editorial insensível e decadente que aí está. Mesmo assim, o plano de estrangular Bia…

Bukowski, alguém?
Posts / 15/03/2007

Fiquei surpreso quando vi que o Babelia, suplemento literário do jornal espanhol “El País”, dedicou sua última capa a Charles Bukowski (1920-1994). Minha primeira reação foi suspeitar de exagero. Capa? Do Babelia? Páginas internas, vários pontos de vista, reprodução de cartas dele para uma editora, coleção de links sobre sua vida e obra? A princípio me pareceu descabido, como se o inegável mas restrito mérito literário do escritor americano nascido na Alemanha – recordista mundial em número de páginas dedicadas a porres e ressacas – não merecesse mais do que uma resenha ou artigo isolado. Aí pensei melhor: me lembrei da força que “Cartas na rua”, na primeira edição da Brasiliense, teve para mim aos 20 anos, e de como passei um ano ou mais caçando tudo o que pudesse encontrar do sujeito. Depois pensei nas levas de jovens escritores e aspirantes influenciados pelo homem, que escreveram e continuam escrevendo sobre suas próprias bebedeiras e promiscuidade como se bebessem e trepassem apenas para escrever depois. É gente à beça, embora a maioria só saiba o que é fome quando a empregada atrasa o jantar, o que estraga um pouco a brincadeira. Será que tudo isso é pouco para levar Bukowski…

A boca grande do Lobo
Posts / 14/03/2007

Saber ler é tão difícil como saber escrever. Ainda que o tradutor tenha génio, uma tradução é sempre uma foto a preto e branco de um quadro. Custa-me conceber um poeta que nunca tenha feito amor. E às vezes quando leio certos prosadores portugueses, não têm esperma nenhum lá dentro, são tudo coisas que se passam dentro da cabeça. Pensam muito. E a literatura faz-se com palavras. Hoje, os escritores jovens querem ser lidos na segunda-feira, ser publicados na terça, ter um êxito extraordinário na quarta e na quinta ser traduzidos em todo o mundo. O grande prosador António Lobo Antunes ganhou hoje o Camões, o maior prêmio literário da língua portuguesa. Já mereceria o “galardão”, como se diz em seu país, mesmo que fosse só pelo talento de frasista.

Literatos em vias de fato
Posts / 14/03/2007

Hoje o Todoprosa pede licença para ter seu momento de revista de fofoca: tudo começou em 1976, quando Mario, depois de ouvir a história escabrosa que sua mulher, Patrícia, tinha para contar, disse ao amigo Gabriel: “Como você ousa?”. Quem acha que isso é perda de tempo deve parar de ler aqui. Da amizade fraterna entre o colombiano Gabriel García Márquez, 80 anos completados na semana passada, e o peruano Mario Vargas Llosa, de 70, não sobrou nada. A intensa admiração mútua e os anos de convivência próxima em Barcelona, onde moravam na mesma rua, chegaram ao fim quando o cruzado de direita desferido pelo autor de “Tia Júlia e o escrevinhador” encontrou o olho esquerdo do autor de “Crônica de uma morte anunciada” num cinema da Cidade do México, 31 anos atrás. Isso é história velha. Nenhum dos dois jamais explicou a briga, atribuindo-a simplesmente a problemas “pessoais” e, de vez em quando, também “políticos”, tendo o colombiano ficado firme na esquerda enquanto o peruano migrava para a direita. Eis que, mais de três décadas depois, a inimizade dos dois maiores nomes das letras latino-americanas volta à berlinda. E volta, espantosamente, repetidas vezes em poucas semanas. Primeiro foram os…

Bernardo Carvalho: ‘O sol se põe em São Paulo’
Primeira mão / 12/03/2007

Um escritor frustrado de São Paulo é abordado num restaurante da Liberdade por uma velha senhora japonesa que diz se chamar Setsuko. Ela deseja lhe contar a história de um triângulo amoroso de desenho cambiante, nebuloso, passado no Japão do pós-guerra. É assim que o narrador entra, e atrás dele o leitor, num labirinto de sombras, simulacros, mentiras e mal-entendidos, com personagens desenraizados em busca de uma verdade que sempre lhes escapa, deixando em seu lugar a versão, o texto. Ou lacunas. Bernardo Carvalho volta a confirmar sua posição de mais “pós-moderno” dos escritores brasileiros – o que é um clichê, sim, mas não apenas isso – com o romance “O sol se põe em São Paulo” (Companhia das Letras, 168 páginas, 34 reais). Sucessor coerente de “Nove noites” e “Mongólia”, o novo livro se aproxima mais do segundo por não ter a urgência e a visceralidade que, no caso do primeiro, isentam os constantes dribles narrativos da acusação de artificialismo. Mesmo assim, e apesar de um certo desleixo formal que se manifesta sobretudo em alguns tiques de estilo e informações repetidas, é inegável que a amplitude histórica, geográfica e, digamos, filosófica da tela na qual Carvalho risca suas histórias…