Na votação dos cem maiores romances da língua espanhola dos últimos 25 anos, feita por críticos e escritores a pedido da revista “Semana” (veja nota abaixo), o romance “Rosario Tijeras”, lançado em 1999 pelo colombiano Jorge Franco (Alfaguara, tradução de Fabiana Camargo, 160 páginas, R$ 28,90), aparece na 87a posição. Pode parecer pouco. Não é. O número de bons autores que não chegaram a entrar na lista é grande o bastante para valorizar o feito desse escritor de 45 anos nascido em Medellín. O romance apresenta, numa narrativa supereditada e veloz, a história de uma assassina sexy do submundo de Medellín e dois rapazes de classe média apaixonados por ela. As semelhanças com uma certa corrente da literatura brasileira contemporânea fixada em sexo e violência — que podemos chamar de rubem-fonsequiana — são evidentes e curiosas. Mas os leitores que, até compreensivelmente, andam cansados do estilo devem levar em conta que “Rosario Tijeras” consegue trabalhá-lo com felicidade acima da média. O trecho abaixo abre o livro: Como levou um tiro à queima-roupa ao mesmo tempo em que recebia um beijo, Rosario confundiu a dor do amor com a da morte. Mas tirou a dúvida quando afastou os lábios e viu…
O romance tem barriga. Se perdê-la, vira novela. A palavra barriga está carregada de conotações negativas que, no entanto, não quero absolutamente expressar. Pois é a barriga que torna o romance superior à novela: a imperfeição faz dele o veículo perfeito para a imitação literária (não necessariamente realista, é claro) da vida. Diante da barriga morna e fértil do romance, a novela é, no máximo, uma top model: linda, mas meio anoréxica. Com ela temos um caso. Com o romance, casamos. Um tanto fria, mais propícia à expressão da literatura como puro jogo, a boa novela tem necessariamente a musculatura definida. Sabe o que está fazendo, planejou a vida inteira, jamais esbarra nos móveis, mas não consegue disfarçar um brilho cruel no fundo do olho. O romance, não: este pode ser sedentário, triste, doentio, de pele áspera e hálito azedo, mas também alegre, ativo, cheiroso, úmido, confortável. Pode ter quantas caras e jeitos tiverem as pessoas, mas nunca perde a mania de se perder um pouco nas encruzilhadas, marcar passo, tropeçar, pedir perdão. Um bom romance nos dá a ilusão de ser feito mais de vida que de literatura. É a barriga que o salva.