Como pouquíssimos outros acontecimentos promovidos no Brasil, a Flip foi capaz de concentrar no mesmo espaço e em torno dos mesmos interesses parte significativa do capital econômico, político, social e cultural do país. Desde sua primeira edição, fez com que presidentes de banco, ministros de Estado e figuras de diversos segmentos da cultura vissem ali motivos suficientes para compensar o deslocamento e a pouca familiaridade com a obra da maioria dos convidados. (…) Além das peculiaridades de sua organização, ajuda a explicar o caráter do evento o contexto de ampliação do debate acadêmico em que ele se insere. Nesse sentido, importa ver a Flip como participante de um processo que envolve a intensificação de cursos livres em diversas cidades do país, a promoção de ciclos de palestras e o sucesso de estabelecimentos destinados a ensinar filosofia e outros temas “nobres” para um público de alto poder aquisitivo. O artigo intitulado A fetichização do conhecimento, publicado na revista Trópico pelo jornalista Flavio Moura, é o melhor que já li sobre a Festa Literária Internacional de Parati, cuja quinta edição começa amanhã. Em sua tentativa de entender os porquês dessa festa de gala para a literatura num país em que no resto…
Para quem, como eu, já está de malas prontas (não esquecer os tênis mágicos, de solado resistente ao calçamento mais absurdo do planeta) para ir a Parati, eis um aperitivo. Para quem não vai, uma ótima oportunidade de estragar um pouco o prazer alheio, usufruindo de graça daquilo que outros estão comprando caro. Do ponto de vista estritamente literário, é inútil negar que a maior atração da Flip é o escritor sul-africano/australiano JM Coetzee, um sujeito com fama de recluso e esquisitão que já avisou: não admitirá perguntas do público, limitando-se a ler em primeiríssima mão trechos de seu próximo livro, Diary of a bad year (“Diário de um ano ruim”), que seria lançado em outubro mas, parece, está ficando para janeiro do ano que vem. Fora a aura da presença grisalha do prêmio Nobel de 2003, portanto, o que Coetzee apresentará não é nada muito diferente do que pode ser usufruído aqui, neste trecho suculento antecipado pelo último número do “New York Review of Books” (em inglês, acesso livre). O excerto revelado de Diary of a bad year alterna blocos de texto ensaístico produzido por um famoso escritor australiano de 72 anos – coisa cabeçuda, investigando o eterno e insolúvel…