Edições do tipo “baú do fulano”, que raspam as gavetas de defuntos ilustres para faturar uns cobres a mais, não costumam ter muita serventia – a menos que você seja um fã roxo, do tipo que compraria no eBay um lenço de papel usado por fulano, caso em que o “baú do fulano” é uma delícia. Mas toda regra tem exceção. A julgar por esse artigo de Steve Almond na revista eletrônica “Salon” (em inglês, acesso livre), o livro Armageddon in retrospect, coletânea póstuma de escritos de Kurt Vonnegut, dá ao leitor o raro vislumbre do momento em que um grande escritor encontra sua voz – mais especificamente a voz inconfundível, mordaz e cara-de-pau que conduz “Matadouro 5”. É nas cartas escritas para a família quando estava na Europa, lutando na Segunda Guerra, que Vonnegut soa mais parecido com o narrador de sua futura obra-prima, e não nos primeiros contos realistas e sérios que produziu após voltar para casa, determinado a se tornar escritor profissional. Não deixa de ser uma lição para jovens (ou nem tão jovens) escritores que estejam à procura desse tesouro fugidio chamado “voz própria”: depois de muito procurar, experimente ficar distraído.