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Começos (ainda) inesquecíveis: Will Self

Nem só de clássicos vivem os começos inesquecíveis. Post publicado em 11/3/2007: * Bull, um rapaz encorpado e musculoso, acordou certa manhã e não levou muito tempo para se dar conta de que, enquanto dormia, adquirira uma outra característica sexual primária: a saber, uma vagina. A vagina brotara atrás de seu joelho esquerdo, dentro da covinha macia e flexível localizada no ponto onde terminam os tendões. É quase certo que Bull não a perceberia tão cedo, não tivesse ele como prioridade, logo ao despertar, o hábito de se inspecionar, explorando cuidadosamente todas as suas curvas e fendas. Qualquer semelhança com Kafka não é coincidência. Nem plágio. Este é o início do primeiro capítulo, chamado justamente A metamorfose, da novela “Bull, uma farsa”, que compõe com “Cock, uma noveleta” o livro “Cock & Bull – Histórias para boi dormir”, do escritor inglês Will Self (Geração Editorial, tradução de Hamilton dos Santos, 2.a edição, 2002). Em “Cock”, em perfeita simetria, é a protagonista que um belo dia descobre entre as pernas um recém-brotado pau. Satirista feroz e, nos melhores momentos, brilhante em sua mistura de erudição, grosseria e delírio pop, Self é um autor bem estabelecido na literatura britânica, mas nunca deu…

Olimpíadas
A palavra é... / 09/08/2008

Quem não sabe que as Olimpíadas da era moderna, disputadas desde 1896, herdaram seu nome e seu ideal de confraternização dos jogos que se realizavam na cidade de Olímpia, na Grécia Antiga? No sítio arqueológico da velha Olímpia, tombado pela Unesco, a tocha é acesa de quatro em quatro anos antes de ser conduzida ao país-sede da vez. Mas o que eram aqueles jogos é algo pouco lembrado, mesmo em momentos olímpicos. O festival de Olímpia, realizado no verão a cada quatro anos a partir do século 8 a.C., era o mais importante dos quatro grandes festivais pan-helênicos, que atraíam levas de visitantes e celebravam a unidade grega acima das divisões em Estados. O Barão de Coubertin não criou do zero sua ideologia de integração entre os povos. O Dicionário Oxford de Literatura Clássica diz que “por ocasião do festival proclamava-se uma trégua sagrada (ekekheiria), graças à qual concedia-se um salvo-conduto aos viajantes a caminho de Olímpia”. Tudo começou com uma corrida de 183 metros, à qual se somaram com o tempo uma prova de longa distância, o pentatlo, o pugilismo e as corridas de bigas. O sucesso dos jogos pode ser medido pelo estádio que os abrigava, com capacidade…

Vallejo queria ser Bernhard
NoMínimo / 08/08/2008

Vallejo não consegue, salvo em uma ou outra passagem, fazer com que seus argumentos mereçam ser ouvidos como mais do que uma piada de mau gosto. Pior: não convence de que sua argumentação é tão sólida e fundamentada quanto a de um pré-adolescente. E não é que seus alvos mereçam muito crédito. (…) Só que a prosa de Vallejo é pobre demais para fazer valer suas idéias. Ora, da mesma forma que um ditador pode chegar ao poder apenas com seu talento oratório, para subjugar quem o escuta, um romancista depende de seu talento para converter o leitor em seguidor.(…) Vallejo se limita a clamar e insultar, a vomitar bravatas sem se preocupar com qualquer forma narrativa. Há poucas variações de tom; o texto segue um ritmo monocórdio e modorrento.(…) Se a intenção era ser um Thomas Bernhard, Fernando Vallejo não conseguiu ir além de Marcelo Mirisola. Trechos da resenha de Jonas Lopes sobre “O despenhadeiro”, do colombiano Fernando Vallejo, no “Rascunho” de agosto.

Dan Brown, personagem de Umberto Eco?
NoMínimo / 07/08/2008

PARIS REVIEW: O senhor leu “O código Da Vinci”? UMBERTO ECO: Sim, sou culpado disso também. PR: Esse romance parece um subproduto bizarro de “O pêndulo de Foucault”. ECO: O autor, Dan Brown, é um personagem de “O pêndulo de Foucault”! Eu o inventei. Ele tem as mesmas fascinações dos meus personagens – a conspiração mundial de rosa-cruzes, maçons e jesuítas. O papel dos Cavaleiros Templários. O segredo hermético. O princípio de que tudo está interligado. Suspeito que Dan Brown nem exista. Essa é a parte mais divertida da entrevista de Umberto Eco à “Paris Review” (em inglês, acesso gratuito à primeira parte). Gostei de saber que o livro de Dan Brown parece um subproduto daquele romance decepcionante que Eco lançou depois do ótimo “O nome da rosa”. Se o original já era duro de engolir, “O código Da Vinci” não me pega mais. (Ou será que, aliviado da carga de pretensão que verga o livro do escritor italiano, ele pode ter ficado até mais simpático? Eis um mistério que prefiro não investigar.)

O Consórcio
Sobrescritos / 06/08/2008

O que você tem lido ultimamente? Pouco. Tenho lido pouco. Entende o que eu quero dizer? Pra ser honesto, acho que não estou captando bem. Pois você acaba de me dizer que tem lido pouco. Você, o maior leitor que eu conheço. O cara que leu Proust inteiro, que leu Euclides, a única pessoa do Brasil que leu a Geração Noventa de cabo a rabo… E daí, meu caro? São fases. Que fases, que nada. É o Zeitgeist. No fundo, você sabe muito bem que ninguém lê mais quase nada e vai ler cada vez menos. É só cruzar essa queda na disposição para a leitura com a explosão do outro lado, a progressão geométrica das coisas que existem por aí implorando para ser lidas, e pronto. Pronto? Pronto. Babau. Colapso. Lamento dizer que você está apocalíptico demais pro meu gosto. E eu lamento dizer que você está tapado demais pro meu gosto. Presta atenção, rapaz. Tem cada vez mais gente escrevendo, certo? E cada vez menos gente lendo, certo? O que essas duas curvas te dizem sobre o futuro? Evidente que estamos vendo o fim de uma era, mas não é isso que me interessa. Me interessa o que…

Soljenitsin, o dissidente giratório
NoMínimo / 04/08/2008

A morte do escritor russo Alexander Soljenitsin, aos 89 anos, domingo, fez a imprensa lembrar em coro que o vencedor do prêmio Nobel de Literatura de 1970, autor de “Arquipélago Gulag”, foi o maior adversário do extinto regime soviético no campo das letras, o mais famoso dos dissidentes. O que, acrescento eu, é ao mesmo tempo sua glória e sua danação. Morto o regime, e descontado o interesse histórico que seus livros possam gerar, por que alguém leria Soljenitsin? Eu nunca li, nunca senti falta. Está certo que tenho lacunas enormes na estante, mas também já li coisas tão datadas quanto A.J. Cronin e José Mauro de Vasconcelos. Parece que não estou sozinho. O “Moscow Times” diz que as novas gerações russas também não o lêem. Mas existe um lado menos, vamos dizer, programático, previsível e politicamente correto em Soljenitsin, um lado que o torna ao mesmo tempo mais intratável e mais interessante. O homem não era apenas um dissidente soviético. Era também um dissidente do Ocidente. Com aquela loucura bem russa, nacionalista e mística, não muito diferente da de Dostoiévski, proferiu em 1978 um famoso discurso na Universidade de Harvard em que enunciou, entre outras, as seguintes pérolas liberticidas, que…

Começos (ainda) inesquecíveis: Vladimir Nabokov

Pensamento ameno para alegrar o domingo: é claro que um dia – daqui a trezentos anos? três mil? – os começos inesquecíveis serão todos esquecidos. Mas este deverá ser um dos últimos. Post publicado em 24/7/2006: * Lolita, luz de minha vida, labareda em minha carne. Minha alma, minha lama. Lo-li-ta: a ponta da língua descendo em três saltos pelo céu da boca para tropeçar de leve, no terceiro, contra os dentes. Lo. Li. Ta. Pela manhã ela era Lô, não mais que Lô, com seu metro e quarenta e sete de altura e calçando uma única meia soquete. Era Lola ao vestir os jeans desbotados. Era Dolly na escola. Era Dolores sobre a linha pontilhada. Mas em meus braços sempre foi Lolita. De uma família aristocrática que deixou a Rússia fugindo da Revolução de 1917, Vladimir Nabokov (1899-1977) se mudou para os Estados Unidos em 1940, depois de passar por Berlim e Paris. Já então um escritor maduro – e finíssimo – em sua língua materna, embora pouco conhecido do grande público, dedicou-se tanto a dominar literariamente o inglês que em 1955 lançou nada menos que “Lolita” (Companhia das Letras, 1994, tradução de Jorio Dauster). O escandaloso teor sexual…

Gerundismo
A palavra é... / 02/08/2008

Uma das qualidades do decreto de regulamentação dos call centers assinado pelo presidente Lula está numa ausência: o texto não procura banir do discurso dos atendentes o famigerado gerundismo. Quem não o conhece? “Vamos estar lhe enviando uma nova via.” Ao recusar o papel de patrulha da língua, a medida se distancia de um decreto folclórico assinado ano passado pelo governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, proibindo o uso do gerúndio nas repartições públicas. Longe de defender o gerundismo, trata-se de reconhecer que os costumes lingüísticos zombam das tentativas de controlá-los a canetadas. Além disso, o decreto de Arruda confunde gerundismo e gerúndio. O primeiro é um vício de expressão que pode ou não vir a se firmar na língua. O segundo, uma forma verbal usada por Camões que hoje viceja mais no Brasil que em Portugal. Seria absurdo que, combatendo a praga (olha o gerúndio aí), matássemos também a planta. Neologismo ainda não dicionarizado, gerundismo tem sentido pejorativo. Nomeia e ao mesmo tempo critica o modismo que, depois de se firmar na fala burocrática em geral e na do telemarketing em particular, contaminou outros grupos sociais. Muita gente acredita que tenha nascido como tradução literal do inglês. No…