Você sabe que as coisas estão mudando depressa quando… A TV Record anuncia que vai adaptar contos de Machado de Assis e Guimarães Rosa. A relação dos seis finalistas do Booker Prize não inclui o último livro de Salman Rushdie. Uma mulher jovem (que já andou flertando com a censura de livros) é a grande esperança do velho obscurantismo americano.
Cristovão Tezza emplacou um capítulo de seu romance “O filho eterno” (Record), favorito deste blog para ganhar o Portugal Telecom, na revista eletrônica americana Words Without Borders, em caprichada tradução da australiana Alison Entrekin. A WWB é a maior referência em literatura não anglófona na web. Gostei de ver que o capítulo traduzido, o quarto, é o mesmo que eu escolhi para apresentar o livro aos leitores do Todoprosa na época do lançamento, há pouco mais de um ano. Quem ainda não conhece pode ler o original aqui.
Cada qual cuide de sua memória. Post publicado em 1/4/2007: * Até hoje permanece certa confusão em torno da morte de Quincas Berro Dágua. Dúvidas por explicar, detalhes absurdos, contradições no depoimento das testemunhas, lacunas diversas. Não há clareza sobre hora, local e frase derradeira. A família, apoiada por vizinhos e conhecidos, mantém-se intransigente na versão da tranqüila morte matinal, sem testemunhas, sem aparato, sem frase, acontecida quase vinte horas antes daquela outra propalada e comentada morte na agonia da noite, quando a Lua se desfez sobre o mar e aconteceram mistérios na orla do cais da Bahia. Presenciada, no entanto, por testemunhas idôneas, largamente falada nas ladeiras e becos escusos, a frase final repetida de boca em boca representou, na opinião daquela gente, mais que uma simples despedida do mundo, um testemunho profético, mensagem de profundo conteúdo (como escreveria um jovem autor de nosso tempo). E já que andamos falando por aqui de novela, que a preferência do mercado editorial por romances anda transformando numa espécie de “formato que não ousa dizer seu nome”, eis o começo da pequena obra-prima “A morte e a morte de Quincas Berro Dágua”, novelinha lançada em 1958 por Jorge Amado (Record, 41a edição,…
Google é uma daquelas marcas registradas que, de tão integradas à vida cotidiana, acabam fatalmente perdendo a inicial maiúscula e caindo na linguagem comum. Os substantivos gilete, chiclete e xerox são bons exemplos dessa transformação. Em inglês, o verbo to google – procurar uma informação por meio de um mecanismo de busca na rede mundial de computadores – teve ascensão vertiginosa nos primeiros anos do século 21, espelhando a da própria empresa. Em 2006, ganhou a bênção do dicionário Oxford. Imaginar que os donos de uma marca adotada pela linguagem comum encarem o fenômeno como uma espécie de consagração pode ser prova de ingenuidade. Por meio de seu departamento jurídico e em campanhas junto aos usuários, o Google tem se esforçado para que o verbo to google só seja usado se a ferramenta de busca for mesmo… o Google. Perda de tempo, claro. Desde sua fundação, em 1998, a empresa que agora lança seu próprio navegador tornou-se uma superpotência da economia digital, mas seu poder certamente não se estende à língua. O novo verbo tem sido lento em sua penetração no português, provavelmente devido ao exotismo de grafia e pronúncia. Embora não seja rara, a forma googlar – ou mesmo…
O blog de livros do “Guardian” informa (em inglês, acesso gratuito) que a escritora americana Lynn Brittney está oferecendo um prêmio de 5 mil dólares a quem apresentar a melhor idéia de enredo para seu segundo romance – que terá os mesmos personagens do primeiro, uma história de Natal infanto-juvenil. Além do prêmio, o feliz ganhador do concurso também terá direito a ver seu nome na capa do novo livro (o tamanho da letra não é mencionado no regulamento). Ah, sim: junto com o resumo de sua história, cada concorrente precisa apresentar uma prova de que comprou o primeiro livro de Lynn Brittney. Pegar emprestado não serve. Assim todos ganham, não é mesmo? Na boa, deviam dar um prêmio para essas coisas.
A lista dos dez finalistas do Prêmio Portugal Telecom, o mais importante da literatura no país, divulgada ontem à noite, inspira um exercício meio besta, mas quem sabe interessante: cruzá-la com a lista dos dez romances finalistas do Jabuti, também publicada recentemente. Se a convergência dos juízos críticos ainda tem algum valor nesses tempos de pulverização, talvez não seja descabido ver na – magra – área de interseção dos dois conjuntos o território de um certo favoritismo. Apenas três romances lançados no Brasil em 2007 constam das duas relações: “O filho eterno”, de Cristovão Tezza; “O sol se põe em São Paulo”, de Bernardo Carvalho; e “Antonio”, de Beatriz Bracher. Só o último, que não li, traz alguma dose de surpresa. Os outros dois, sobretudo o magnífico romance de Tezza, são obrigatórios em todas as listas formais ou informais que tenho visto. Como eu disse, o exercício é meio besta, inclusive por comparar coisas que não são inteiramente comparáveis. O Portugal Telecom se pretende um prêmio da lusofonia (embora apenas os gatos pingados Lobo Antunes, português, e Ondjaki, angolano, estejam lá para confirmar a tese) e joga no mesmo balaio poesia, contos e romances. O Jabuti se multiplica – ou…
Esses dias, enquanto tento pôr um ponto final na narrativa mais longa que já escrevi, tem me vindo à cabeça – ou o pouco que resta dela a essa altura do processo de escrever um romance – a questão da extensão, da duração supostamente ideal dos textos literários. Aquilo que Edgar Allan Poe quantificou com segurança admirável no caso da poesia em torno de cem versos. E fez “O corvo” com 108. Tudo bem, mas – e a prosa? Cem linhas? No mesmo ensaio, o brilhante “A filosofia da composição”, ao qual nunca me canso de voltar, Poe admite que em certos casos (ele cita “Robinson Crusoé”) a prosa pode tirar proveito da longa extensão. Mas acrescenta que isso seria vedado à poesia, que a seu ver sempre perde ao abrir mão da “totalidade ou unidade do efeito” advinda da leitura que se faz de uma só tacada, sem interrupção. Eis enfim a medida de Poe: a capacidade de leitura do leitor. Para o escritor americano, essa capacidade pode ser esticada, pois textos excessivamente curtos reverberam pouco, mas jamais rompida, uma vez que textos longos demais precisam ser lidos em várias etapas e isso atenua seu efeito geral. Aí estaria…
Com os “Sobrescritos” momentaneamente fechados para balanço, quem aparecer por aqui atrás de ficção pode recorrer à revista “piauí”. A edição de setembro, que chegou às bancas no fim de semana, traz um conto meu chamado A fruta por dentro.