Uma boa novidade marca o aniversário de 50 anos do velho Jabuti: a solenidade de premiação, daqui a pouco, em São Paulo, poderá ser acompanhada em vídeo pela internet a partir das 19h30 neste link. Além da entrega de troféus aos três primeiros colocados de cada uma das vinte categorias do prolixo prêmio (o que bastaria para encher a Sala São Paulo), serão anunciados os Jabutizões para os dois livros realmente laureados – um de ficção e um de não-ficção. Cristovão Tezza já está se dirigindo para o local.
A vitória de Cristovão Tezza no Portugal Telecom, confirmada ontem à noite em São Paulo, foi uma das mais previsíveis da curta história do mais importante prêmio literário do país. Isso é chato? Não, isso é muito bom. Se, no método científico, a capacidade de sustentar previsões é prova fundamental da validade de uma teoria, no discurso sobre a literatura, que de científico não tem nada, previsões que se confirmam podem nos dar a sensação quase eufórica de que ainda somos capazes de falar a mesma língua após (ou no meio de?) um longo inverno de cada-um-por-si pós-modernista, com sua galeria de luminares que não dura(va)m mais que uma Flip, dois meses ou três quarteirões. Romance em que o experiente escritor catarinense, no auge da forma, se transforma em personagem para tematizar com coragem e sem pieguice sua relação com Felipe, seu filho com síndrome de Down, “O filho eterno” (Record, trecho aqui) foi, disparado, o livro brasileiro lançado em 2007 que equilibrou com maior sucesso os pinos malabares freqüentemente antagônicos da legibilidade (aquilo que ganha o público) e do rigor estético (aquilo que ganha a crítica); da alta voltagem emocional (que atrai leitores) e do trabalho maduro de linguagem…
Regozijai-vos, ó militantes do livro eletrônico! A apresentadora americana Oprah Winfrey decretou em seu programa de TV que o Kindle, o aparelho de leitura digital da Amazon, é uma maravilha: “Não sou uma pessoa de engenhocas eletrônicas, mas me apaixonei por esta aqui”. (Via blog de livros da “New Yorker”.) Depois que Oprah transformou Cormac McCarthy em best-seller, pôr um Kindle em cada lar americano não deve ser tão difícil.
Contos recontados – covers literários, talvez se possa chamá-los assim – por autores diversos para coletâneas comemorativas não estiveram em falta no recente centenário de Machado de Assis. É até possível que, no meio da oferta claramente excessiva, tenha passado despercebida uma ou outra maravilha que um dia, para o bem de nossa inteligência coletiva, teremos que aprender a valorizar. Mas pelo menos uma pepita eu posso apontar desde já com o maior entusiasmo: uma pequena obra-prima do conto chamada “Lembranças de dona Inácia”. Trata-se da parte que coube a Antonio Callado numa diversão a doze mãos intitulada “Missa do galo – Variações sobre o mesmo tema” (José Olympio, 112 páginas, R$ 24), uma coletânea que tem ainda histórias curtas de Autran Dourado, Julieta de Godoy Ladeira, Lygia Fagundes Telles, Nélida Piñon e Osman Lins, todas baseadas no conto “Missa do galo”, um dos mais famosos de Machado. Lançado em 1977, o livro não se confunde com a recente supersafra machadiana – embora se deva à efeméride a bem-vinda reedição de um título esgotado. Se bem me lembro da leitura feita há anos, a qualidade média dos contos baseados na menos natalina das histórias de Natal é razoavelmente alta, mas…
Publicado em 10/12/2006: Eu, Valfredo Margarelon, subscrevo esta declaração no intuito de recolocar a justiça acima dos boatos e restaurar a fachada honrosa do brasão de minha família, sordidamente maculada por três elementos nocivos à ordem e aos bons costumes do reino inglês. Meu espírito simples, desabituado à lida com as palavras, vem a público para desmentir as ignominiosas calúnias feitas contra minha prima, Maria Margarelon, por um desclassificado de nome João Manningham, em conluio com o autor teatral Guilherme Shakespeare, integrante da companhia Homens do Lorde Camarista, e outro chamado Ricardo Burbage, ator na mesma companhia. Juntos, os três espalharam boatos deturpados e desonrosos, que alteram o curso da verdade e mancham a honra de minha prima e irmã de criação. Eu afirmo, perante Deus e a justiça real, que tais aleivosias nasceram de suas mentes imundas e tiveram divulgação a partir de tavernas e bordéis, sítios tão infectos quanto indecorosos. Provarei aqui como sua versão dos fatos é caluniosa, além de muito deturpada pela arrogância que caracteriza o círculo teatral e os que nele perambulam. O primeiro parágrafo anuncia com todas as letras a delícia que é a novelinha farsesca “O mistério do leão rampante” (Ateliê Editorial, 1995),…
O governo federal não quer que a medida provisória 443 fique conhecida como pacote. Nenhuma surpresa. Pacote é uma palavra de tom crítico que costuma ser mais favorecida pela imprensa do que por governantes. Usado no Brasil desde aproximadamente 1960, segundo o Houaiss, com o sentido de conjunto de medidas adotadas de um só golpe a fim de atacar um problema emergencial na área econômica ou política, não é de hoje que o termo carrega um ar pejorativo que pode até chegar à zombaria nos aumentativos pacotão ou pacotaço. As conotações negativas parecem ter se incorporado à palavra aos poucos. O auge da má fama carrega a data de 1o de abril de 1977, quando o chamado Pacote de Abril baixado pelo presidente Ernesto Geisel fechou o Congresso Nacional e criou os senadores biônicos. Isso fez colar na palavra para sempre uma mancha de autoritarismo. Mesmo após o fim da ditadura militar, pacote conservou alguma truculência: afinal, a adoção em bloco de medidas de alcance social sempre carrega o risco do erro de cálculo. Pacote não aparece apenas em contextos negativos. Fala-se de forma simpática em pacotes de incentivo a atividades acima de qualquer suspeita. Nem os dicionários destacam o…
A web acaba de ficar mais inteligente com duas adesões quase simultâneas ao mundo virtual: Tina Brown com sua revista eletrônica, The Daily Beast, e Lúcia Guimarães, ex-“Manhattan Connection”, com seu site. Ao mesmo tempo, para nos lembrar que a guerra vai ser longa e difícil, uma idéia brilhante como a da Copa de Literatura Brasileira, que teve início promissor ano passado, corre o risco de atolar na lama das torcidas organizadas.
Autores que admiramos nunca devem ser tratados com intimidade excessiva – um risco sempre presente em nossa era de superinformação. Que Virginia Woolf, uma escritora e tanto, era também uma intelectual londrina enfarada e esnobe (com perdão da múltipla redundância) eu já sabia. Mas acho que preferia não ter ouvido isso corporificado em sua voz.
Foram as poucas linhas daquela carta de recusa que fizeram Lúcio Nareba, lenda da blogosfera literária nacional, perder a cabeça. Não fosse o veneno destilado – gratuitamente, gratuitamente! – pela famosa editora Bia Escarpin, o adorável Nareba estaria entre nós até hoje, esvaziando dois engradados e meio de cerveja por dia às custas de seus admiradores mais jovens, fumando pelos ouvidos, coçando a bunda agressivamente como lhe parecia apropriado aos gênios irascíveis e rabiscando nanocontos em guardanapos com nódoas de azeite. Mas aquela carta de recusa… Prezado Nareba, Abri seu manuscrito com grande interesse e, já na primeira página, fui ao delírio com a epígrafe. Genial mesmo, parabéns. Infelizmente, não consegui passar da epígrafe, motivo pelo qual sou obrigada a recusar a publicação de “Sou phodão & outras modéstias”. Como sinal de boa vontade, uma crítica construtiva: a epígrafe é genial mas precisa ser aprimorada. Os versos “Astros! noite! tempestades!/ Rolai das imensidades!/ Varrei os mares, tufão!…” são do Castro Alves e não do Chacal. Isso posto, não desista jamais. Ou desista, phoda-se. Bia Escarpin Gratuito, não? Mais que gratuito, humilhante. Típico dessa alta burguesia editorial insensível e decadente que aí está. Mesmo assim, o plano de estrangular Bia Escarpin…
Sabe aquela guerrinha literária entre Europa e Estados Unidos, que a Academia Sueca abriu de forma um tanto cretina ao atacar os escritores da terra de Philip Roth? Pode estar se deslocando – o que, pensando bem, talvez estivesse nos planos europeus o tempo todo – para um campo de batalha mais interessante: o da lendária inapetência do mercado editorial de língua inglesa diante das traduções. Segundo um estudo da Universidade de Rochester citado pelo “New York Times”, apenas 2% dos lançamentos de literatura no mercado americano este ano são de livros traduzidos. Talvez estivesse faltando nesse conflito justamente um topete como o que desfilava Anne Solange, editora da Gallimard, na recém-encerrada Feira de Frankfurt. Encarregada de vender os direitos do nobelizado J-M.G. Le Clézio para outras línguas, a francesa se recusou de forma categórica a negociar seu último livro com editores de língua inglesa, temendo um lançamento meramente oportunista. Prefere esperar o aparecimento de uma editora que garanta um bom tratamento também aos títulos anteriores de Le Clézio. Sobre o assunto, Anne Solange deu esta antológica declaração (está no blog de livros do “Guardian”): Em Frankfurt, eles [Estados Unidos e Grã-Bretanha] subitamente se deram conta de sua insularidade. Eu…
Era uma vez um post publicado em 6/8/2007: * Era uma vez e uma vez muito boa mesmo uma vaquinha-mu que vinha andando pela estrada e a vaquinha-mu que vinha andando pela estrada encontrou um garotinho engrachadinho chamado bebê tico-taco. Seu pai lhe contava aquela história: seu pai olhava para ele através dos óculos; ele tinha um rosto peludo. Não deixa de ser uma prova de que não há palavras proibidas, apenas maior ou menor habilidade no uso delas, o fato de “Um retrato do artista quando jovem” (Alfaguara, 2006, com bela tradução de Bernardina da Silveira Pinheiro), romance lançado por James Joyce em 1916, começar com a mais batida das fórmulas, “era uma vez” (once upon a time). Technorati Profile
Nas últimas semanas brilharam nesta página as palavras juros, crise e pânico. Como a histeria financeira ainda parece longe de passar, é hora de voltar à vaca-fria – expressão que quer dizer retomar algo deixado para trás no atropelo da conversa, mas que não se considera devidamente resolvido. No caso, retomar o saudável ecletismo do papo sobre termos de nosso vocabulário. Como, por exemplo, vaca-fria. “Voltar à vaca-fria” é uma locução misteriosa. Por que vaca? Por que fria? Isso não afeta sua popularidade no Brasil e em Portugal – talvez maior lá do que aqui –, como se pode comprovar numa rápida consulta ao Google. Dicionarizada desde que o lexicógrafo português Cândido de Figueiredo a registrou, em 1899, a vaca-fria é cercada de silêncio quando se trata de investigar sua origem. Um silêncio que não é completo, felizmente. No oitavo volume de seu Grande Dicionário Etimológico-Prosódico da Língua Portuguesa, de 1968, o filólogo brasileiro Silveira Bueno vai buscar a seguinte história no colega e compatriota Teobaldo, pseudônimo de Francisco Mendes de Paiva, que em 1879 publicou o livro Provérbios Históricos e Locuções Populares: “Com pequena variante de animais, ora o carneiro, ora a cabra, diz Teobaldo (…) que é muito…
O jornal português “Diário de Notícias” estranha o fato de não encontrar grande repercussão por aqui a vitória de um brasileiro na primeira edição do gordo prêmio da editora lusa Leya (para romance inédito, em português): A conquista do primeiro Prémio Leya pelo brasileiro Murillo António de Carvalho, autor do romance “O Rasto do Jaguar”, surpreendeu os portugueses. No seu país de origem a situação não foi muito diferente. É verdade que os sites dos principais jornais brasileiros referiram a vitória do seu conterrâneo, mas não deram grande destaque ao prémio. Durante a tarde de ontem, o DN tentou contactar alguns jornalistas brasileiros, que preferiram continuar anónimos, pois não conheciam sequer o escritor. Em declarações ao DN, José Menezes, o director de comunicação da Leya, admitiu que a vitória de um nome pouco sonante é uma mais valia para o novo título. No seu entender, “a possibilidade de qualquer pessoa ganhar o prémio”, no valor de 100 mil euros, é um dos aspectos mais interessantes. Fora o fato de que a matéria aproveita para estranhar também a supremacia dos brasileiros – que eram seis entre os finalistas, contra dois portugueses –, a recepção discreta me parece compreensível. Pouca gente conhece…
Esta é para fazer a festa daquela turma de freqüentadores do Todoprosa (Tibor e Saint-Clair à frente) que leva a sério a ficção científica – como ela merece ser levada mesmo, por mais que a dinâmica anti-renascentista do novo século, com sua ultracompartimentação do mundo em gôndolas de supermercado, tente trancafiar o gênero num gueto. Numa das entrevistas que deu à imprensa americana no dia em que foi anunciado seu Nobel de Economia, segunda-feira, o excelente Paul Krugman declarou o seguinte (via blog de livros da “New Yorker”) quando lhe perguntaram como tinha surgido a idéia de virar economista: Ah, é um pouquinho embaraçoso. Eu estava… Não sei quantos de seus espectadores assistem a ficção científica, lêem ficção científica, mas existe uma série muito antiga de livros do Isaac Asimov, “Fundação”, na qual os cientistas sociais que compreendem a verdadeira dinâmica da civilização a salvam. Era isso que eu queria ser. O que não existe, mas a economia é o mais perto que se pode chegar. Apenas como registro, embora nada tenha a ver com a notícia: li uns dois títulos de “Fundação” há vinte anos, não me perguntem quais, e achei de uma chatice intergaláctica. Mas cabe controvérsia, como…
O DJ retrô contratado pelo shopping center enchia os corredores com a voz grossa de Renato Russo cantando “Eduardo e Mônica” quando a blogueira perguntou as horas ao estruturalista na fila do caixa da megalivraria. Mais tarde, ao se lembrar desse momento e observar que a trilha era simplesmente perfeita, ela o ouviria responder corado com a falta de prática que não, não, perfeita é você. Quando a blogueira o abordou, fingindo não saber quem ele era, o estruturalista tinha meia dúzia de livros fora de catálogo e uma reputação longamente esquecida de analista rigoroso de João Cabral, Guimarães Rosa e Osman Lins. A aposentadoria federal como professor titular de literatura lhe propiciava uma vida tediosa mas tranqüila de viúvo sem ambição, sem desejo e sem arrependimento, como achava que devia ser. Se alguma coisa incomodava o estruturalista àquela altura, além de certos padecimentos próprios da idade como dor nas costas e insônia, era o fato de já não conseguir ler. Poesia, prosa, clássico, contemporâneo, coisa nenhuma. E não por ter ficado cego como Borges: nada havia em sua visão que lentes bifocais não emendassem, era interna a escuridão do estruturalista. Que jamais tocava no assunto, tentando ser estóico diante…
Post publicado em 1/10/2006: * Robert Cohn fora campeão de boxe na categoria dos pesos-médios em Princeton. Não pensem que esse título me impressione. Mas significava muito para Cohn. Os jabs em seqüência com que Ernest Hemingway (1899-1961) abre seu primeiro romance, “O sol também se levanta” (Bertrand Brasil, 2001, tradução de Berenice Xavier), são mais do que o começo de um livro. Desferidos em 1926, quando o autor tinha 27 anos, marcam a fundação de um mito pessoal e outro coletivo, o da “geração perdida” de escritores americanos que viveram em Paris nos anos 20. Mas isso é marketing literário, não literatura. Importa mais reconhecer que a prosa do homem, tão seca que faz o adjetivo “seca” soar úmido, continua poderosa. Lamento que esteja meio demodê apreciá-la, mas sei que essas coisas de prestígio literário são cíclicas. Acho difícil que qualquer escritor, mesmo um de estilo barroco, diluvial, chegue muito longe se não tiver em algum momento da vida trocado com Hemingway uns golpes desses de quebrar o nariz – como Robert Cohn quebrou o dele.
Se a notícia do Nobel de Literatura é recebida com certa frieza no Brasil, onde pouca gente leu o francês J-M. G. Le Clézio, 68 anos, a culpa desta vez não pode ser atribuída às editoras. A Brasiliense foi a pioneira, lançando “À procura do ouro” e o clássico “Deserto” – seu livro mais premiado. Depois vieram a Companhia das Letras, com “O peixe dourado” e “A quarentena”, e a Cosac Naify, com “O africano”. Revelado em 1963 com narrativas de caráter experimental, identificadas com a rebeldia intelectual da década, Le Clézio caminhou progressivamente nos anos seguintes para um terreno mais clássico, mas sempre teve seu nome associado a uma literatura refinada. O que, com alguma boa vontade, talvez ajude a entender o elogio desajeitado que lhe fez a Academia Sueca – “um explorador da humanidade além e abaixo da civilização atual”. Uma pesquisa feita em 1994 pela revista “Lire” revelou que 13% dos leitores franceses o consideravam o melhor escritor vivo da língua. Ou seja: Jean-Marie Gustave Le Clézio é um escritor de verdade, “além e abaixo” (como diria o Nobel) de qualquer dúvida. Se você nunca o leu, problema seu. É o meu caso. Quem tiver algum tipo…