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Continho antigo
Sobrescritos / 10/12/2008

O vetusto e alquebrado escritor permanecia inédito, desprezado por casas editoriais grandes e pequenas, não obstante os tenazes esforços do espírito que lhe haviam consumido a saúde na lida com as exigências da criação, as quais, sendo artista consciente e de talento raro, equacionara de modo tão sutil e original que terminou por se distanciar irremediavelmente de seus contemporâneos. Na hipótese mais benevolente, seria compreendido pela geração de seus bisnetos. Bisnetos que, bem entendido, tinham na frase papel meramente retórico, pois entre os departamentos da vida que o artista mantivera lacrados para se entregar por inteiro à literatura, essa górgona voraz, avultava a paternidade. Tinha um sobrinho; isso tinha. Rapazola tresloucado, boêmio, compunha a figura de um perfeito doidivanas, mas um doidivanas de boa aparência e traquejo social incomum. Sapato bicolor e mecha rebelde desabada sobre os olhos, surgiu-lhe esse sobrinho certa noite, em sonhos, como peça-chave de um plano insensato. O escritor tentou escorraçar a extravagante idéia, decerto germinada no lado negro de sua alma ferida, mas o sonho se repetiu. Noite após noite o sonho se repetiu, até que o juízo combalido do homem lhe desse passagem e ele adentrasse, aos pinotes, a terra da vigília. Não devemos…