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Copiar
A palavra é... / 06/12/2008

O velho verbo copiar, do latim medieval copiare (“reproduzir em grande número”, como os copistas faziam com seus manuscritos), tem uma nova aplicação. Estamos falando da acepção ainda não dicionarizada – embora isso pareça ser questão de tempo – que se usa num contexto de troca de mensagens eletrônicas e que tem como objeto direto uma pessoa (“estou copiando você”). O sentido aqui não é, claro, o de imitar, plagiar, muito menos o de fazer em laboratório uma clonagem do indivíduo em questão. O novo copiar quer dizer incluir (alguém) no circuito de uma troca de informações. Trata-se de um subproduto lingüístico da internet, família de palavras que não pára de crescer. “Como o assunto diz respeito ao departamento como um todo, estou copiando todos os usuários”, diz o chefe ao encaminhar o memorando a uma lista de destinatários maior que a original. Ou em registro mais informal: “Tô copiando o Orelha e a Vê, bjusss”. Talvez haja um impulso de condensação na origem dessa mudança. Como copiar uma pessoa significa simplesmente fazer uma cópia para ela, a alteração básica seria o fato de a preposição não ser usada. Se a frase fosse “estou copiando (a mensagem) para você”, não…

Valêncio Xavier (1933-2008)
NoMínimo / 05/12/2008

Nenhuma outra experiência de aliar imagem e texto foi tão contundente na literatura brasileira quanto a de Valêncio Xavier. O autor de O Mez da Grippe (1981) e de várias outras histórias morreu às 11h30 da manhã desta sexta-feira (5) devido a complicações ligadas a uma pneumonia. Ele tinha 75 anos e passou 82 dias internado no Hospital São Lucas, mais da metade deles na Unidade de Tratamento Intensivo. Notícia da “Gazeta do Povo”, de Curitiba, que pode ser lida na íntegra aqui. Curitibano nascido em São Paulo, Valêncio Xavier Niculitcheff era um desses escritores radicais para quem o texto linear seria uma camisa-de-força. Mais – ou menos – que um experimentalista, era um brincalhão, um Homo ludens atraído tanto pelo trágico quanto pelo cômico. Quando descobri aquelas charmosas fotos antigas que W.G. Sebald mistura à sua ficção, a primeira coisa que pensei foi: “Já vi isso em algum lugar, mas era diferente”. Sim, era diferente: as fotos vinham ao lado de reclames antigos de jornal e velhos postais na literatura fragmentada de Valêncio Xavier. Para quem ainda não o conhece, uma boa porta de entrada é a bela edição que reúne “Minha mãe morrendo” e “O menino mentido”, lançada…

Se Tezza fosse afegão
NoMínimo / 04/12/2008

Os leitores deste blog sabem que sou um fã de primeira hora de “O filho eterno”, de Cristovão Tezza. Nessa condição, é claro que me alegra o balaio de prêmios que ele angariou num desempenho que, em minha memória, não tem paralelo – o único que ameaçou chegar perto foi Milton Hatoum. Verdade que os prêmios, mesmo tendo acertado este ano, não são uma medida lá muito rigorosa de qualidade: erram à beça, freqüentemente traem motivações mais políticas que estéticas, isso todo mundo sabe. Mas não é menos verdade que dão aos livros uma exposição que eles não costumam ter. Aí vem a má notícia, que tem me deixado pensativo: nem com esse massacre, digamos, esportivo – e o resultado da Copa de Literatura, o menos importante mas talvez o mais divertido dos prêmios, ainda nem saiu –, nem assim “O filho eterno” aparece nas principais listas de mais vendidos da imprensa brasileira. Nem ganhando tudo que um livro pode ganhar. E o que me parece ainda mais espantoso – nem mesmo tendo, na relação do autor/protagonista com seu filho Down, um tema de fortíssimo apelo, do tipo que costuma arrastar às livrarias uma massa de leitores mais interessados em…

Os livros vivos de Bournemouth
NoMínimo / 03/12/2008

A notícia do “Guardian” podia tanto estar na seção de literatura – como está – quanto na editoria que mais cresce em nossos tempos internéticos, a de esquisitices. Uma biblioteca pública de Bournemouth, cidade turística no sul da Inglaterra, está em campanha (em inglês, acesso gratuito) para que seus freqüentadores peguem emprestados “livros vivos”, isto é, pessoas com quem podem conversar. Entre as atrações atuais estão uma jovem muçulmana, uma mulher cega e uma pregadora batista, todas voluntárias. Com objetivos restritos à troca de idéias (ler na banheira ou fazer anotações nas margens, nem pensar), elas podem ficar à disposição do “leitor” por até uma hora. Trata-se da apoteose daquela velha crença popular: “Minha vida daria um livro”. Na quase totalidade das vezes, não daria nem um conto, quando muito um haicai. Por outro lado, chamar os conversadores de Bournemouth de “livros vivos” é obviamente usar uma metáfora – ainda que a metáfora seja bastante esticada pelo fato de tudo se passar numa biblioteca. Bater papo não é o mesmo que ler, mas bater papo, especialmente com pessoas imersas em culturas e experiências diferentes das nossas, é muito bom, pois não? Nada errado com a idéia. Descubro também que a…

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Sobrescritos / 02/12/2008

Ele hesita, dedos de velho datilógrafo repousando sobre o asdfg e o çlkjh, polegares suspensos. Ele se vê hesitando, dedos de velho datilógrafo, emblema de sua idade, repousando com suavidade de pluma sobre o asdfg e o çlkjh do teclado negro, polegares suspensos a milímetros da barra de espaço. Ele decide escrever sobre se ver hesitando escrever, e então os dedos datilógrafos ganham uma súbita descarga elétrica e se põem a cutucar ritmicamente o teclado negro, polegares batendo surdão a intervalos impenetráveis. Ele sabe que os intervalos impenetráveis podem ser condizentes com algum padrão oculto, mas sabe também que, mesmo arbitrariamente, apontar esse padrão só será possível mais tarde – tarde demais? – em retrospecto, sendo por ora mais sábio se embalar na impenetrabilidade do sussurro produzido pelos pequenos tambores de plástico. Em sincronia com os comandos que os emblemas de sua idade percutem no teclado negro coberto de símbolos brancos, símbolos negros surgem na tela branca. Ele pára e lê os seis parágrafos que escreveu, incluindo este. Hesita mais uma vez. Torce os músculos faciais de tal modo que fica parecendo um nó de madeira, uma orelha, à luz hepática da tela onde a metáfora do nó precede sua…