Positivamente, meu irmão foi acima de tudo um torturado. Sua tortura seria interessante se eu a explorasse com critério – mas jamais me preocupei com problemas do espírito. Belo para mim é um bife com batatas fritas ou um par de coxas macias. Não sou lido tampouco. A única atração que tive por livro limitou-se à ilustração de um tratado de educação sexual que o vigário do Lins fez o pai comprar para nosso espiritual proveito. Uma mulher nua, devorada por cobras e chamas, nas profundezas do inferno. Segundo o texto, era essa a imagem da luxúria e demais safadezas que atentam de uma forma ou outra contra os mandamentos da Santa Lei de Deus. O livro fez sucesso em nossas mãos. Cometeu-se muita masturbação por causa dele – algumas páginas ficaram emporcalhadas. Se não cheguei a tanto não foi culpa da mulher, bem merecia o pecado, culpa das cobras, sempre me inspiraram repugnância. Só creio naquilo que possa ser atingido pelo meu cuspe. O resto é cristianismo e pobreza de espírito. Assim começa “O ventre” (Alfaguara, 2008, 12.ª edição), romance de estréia de Carlos Heitor Cony, escrito em 1955 e finalmente publicado em 1958 pela Civilização Brasileira. É impressionante…