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Contra e a favor de 'Pugnus', de Cecilio Giovenazzi
Sobrescritos / 08/01/2009

O lançamento do livro de memórias “Pugnus” faz do professor Cecilio Giovenazzi, 78 anos, renomado latinista da Unicamp, nada menos que “o maior memorialista do onanismo no Ocidente”, nas palavras do crítico Teodoro Spitz: Dono de uma memória digna de desafiar a do caipira de Borges, e com a vantagem de borrifar perfeitas citações em latim pelo caminho, esse escritor profundamente original nos brinda com relatos épicos de uma vida dedicada ao squirt-n-spurt. Tão ricos são os episódios em detalhe, circunstância, iluminação, grau de intumescimento, têm as cenas um tal rendilhado de sentimentos e sensações que fazem empalidecer, por infantil ou tosco, o mais impudente cronista de bacanal. Na multiplicidade de sessões febris ambientadas em banheiros, cozinhas, salas de estar, cabines telefônicas, elevadores, escadas de serviço, confessionários – ou mesmo, temerariamente, ao ar livre, em praças, parques, piscinas, terrenos baldios, ruas desertas de madrugada, no meio da multidão –, o que em todos esses cenários se conta é uma bela história de amor-próprio. Os jorros reflexivos de Giovenazzi atingem insuspeitada altitude filosófica. “Então me digam que metáfora do solitário, pungente, imaginoso ofício de escrever pode, nesta vida cachorra, superar o velho manutigium?”, perora o autor. Um livro seminal. De Spitz…

O caso dos escritores Jerominho
Sobrescritos / 07/01/2009

O que mais nos deve inquietar no chamado “escândalo dos escritores Jerominho” não é saber que eles – todos os sete – se sujeitaram a este triste papel, assinar seus nomes numa literatura que, se tem um autor, esse autor só pode ser o falecido Jerônimo Mayrink. Como se sabe, os escritores Jerominho, cujos nomes a recente notoriedade do caso me dispensa de declinar, compraram – por dez mil dólares a unidade – um produto anunciado aos sussurros no submundo literário como espetacular, uma espécie de pedra filosofal dos escritores. A coisa cheirava a picaretagem de longe, só que, surpreendentemente, funcionou: até o escândalo estourar, todos os clientes de Jerônimo Mayrink eram vistos como autores sérios, entrevistados por jornais e TVs, fartamente lidos – isto é, lidos no clubinho dos leitores de ficção nacional, uma turma que poderia fazer assembléia numa Kombi, mas essa é outra história. Batizado de MUSA (Mayrink’s Ultimate Simulator of Authorship), o programa podia não ser barato, mas mostrou-se genial. Essa máquina de escrever ficção usa algoritmos para “alterar” a prosa de autores consagrados, embaralhar frases, trocar palavras-chave, fundir dois ou mais textos, enfim, promover uma remixagem geral. “É mais ou menos como preparar um carro…

Quinze anos
Sobrescritos / 06/01/2009

Começou a escrever porque tinha quinze anos, porque ninguém parecia querê-lo por perto e porque o que ele mais desejava na vida era reencenar para o mundo o velho número do patinho que se revela cisne no final. Cinqüenta e cinco anos depois, pegando com a faca uma pasta rosada extraordinariamente suspeita, espalhando-a numa torrada quadrada de pacote e jogando tudo na boca de poucos dentes verdadeiros remanescentes, o escritor se lembrou de sua juventude, do princípio daquela ciranda maluca de ler, escrever, ser lido, ler, escrever de novo… Vinham chamá-lo para cantar parabéns, uma das três coisas que mais abominava no mundo; as outras eram dentista e – o quê mesmo? Tentou não parecer um perfeito débil-mental enquanto entoavam aquelas palavras hediondas, às quais sua idade acrescentava agora o pecado do cinismo: muitos anos de vida, essa era muito boa. Aos quinze anos, não era ainda sequer um escritor: ridículo ter saudade daquilo. E, no entanto, havia alguma coisa ali, no fundo do papel em branco, na relação da palavra com a coisa ou dele mesmo com a coisa, sabia lá ele, mas alguma coisa havia ali, sim, de belo e bom que se perdera por inteiro e que,…

As razões
Sobrescritos / 05/01/2009

Ele perguntou a ela por que ela escrevia e ela respondeu que escrevia porque tinha vontade, e ele falou, muita gente tem vontade, vontade não basta, e ela disse mas então você está me perguntando como eu consigo escrever, é isso?, e ele ficou em dúvida e ela, eu achei que você tinha perguntado por que eu escrevo e não como eu faço para escrever o que eu escrevo, aí ele ficou um tempo em silêncio e depois riu e disse tá certo, touché, então ela olhou para baixo e notou que ele estava se assanhando outra vez, ah, a juventude, tocou nele e disse, como se fosse um eco na caverna, touché, e pronto, começaram tudo de novo, e só bem mais tarde, de madrugada, o apartamento já quase sem provisões, quando estavam bebendo o vinho velho que ela tinha separado para cozinhar e sorvendo por um buraco na lata o leite condensado encontrado por milagre no fundo da despensa, aquela mistura sensacional de caldo ultradoce e vinho avinagrado, mas um bom vinho avinagrado, chileno, só então ela disse, com os olhos bem encaixados nos dele, eu escrevo porque isso faz homens bonitos e gostosos que nem você gostarem…

Virtual
Sobrescritos / 04/01/2009

O escritor imagina um personagem, também escritor, que à deriva diante de seu tablete de cristal líquido, em algum momento entre 1h15 e 4h30 de uma madrugada insone, descobre-se de repente num blog sem nome onde refulge um texto límpido e profundo como o mar em certos trechos mágicos do litoral, blocos de uma prosa poética que se encrespa, corcoveia, muda de forma enquanto o escritor, fazendo rolar a tela sob a ação de suas pálpebras estateladas, sente lhe subir uma excitação nada menos que sexual por ter desentocado tamanho tesouro, cuja obscuridade naquele endereço longo e cheio de barras só pode ser explicada pelo caos que a internet é, pandemônio capaz de abrigar lado a lado cordilheiras de bobagem e essa estranha jóia em que se fundem o sumo de vinte e cinco séculos e a última novidade petulante, veneno e antídoto, pedra e vento, como se não, de modo algum fosse apenas um sonho infantil o poder de destilar numa combinação de caracteres alfabéticos o ácido que dissolveria a desilusão do escritor, e por trás dela também a do escritor, desilusão com sua arte eunuca, seu talento nauseado, seus colegas oligofrênicos, angústia que explica a insônia desta noite…

EPÍGRAFE
NoMínimo / 03/01/2009

“Não me diga que a lua está brilhando; mostre-me o seu reflexo num caco de vidro.” ANTON TCHECOV

Bog
Sobrescritos / 03/01/2009

The Bogus Writer inspeciona as fotos sobre sua mesa de trabalho, imagens de um preto-e-branco granulado e vagamente difuso, como se tivesse baixado uma neblina diante da lente do fotógrafo no momento em que ele, The Bogus Writer, posava contra o muro pichado do centro da cidade com seu ar de tédio, sua gola rulê, seu Gauloise camusiano. As imagens são bonitas, claro. Mas não seriam, o horror, o horror – bonitinhas? No relevo de sua testa alta, billboard semifamoso de uma inteligência superior, franzida neste momento em ondinhas ligeiramente trêmulas, percebe-se que Bog (para os íntimos) não está feliz. Uma dúvida o tortura: e se aquele visual pós-existencialista estiver ficando out-of-date? Solta um suspiro impaciente, atira as fotos sobre a mesa com violência e acende um Marlboro. Na megatela de sua imaginação prodigiosa se vê, imagem difusa, suspirando impaciente e atirando as fotos sobre a mesa com violência, para em seguida acender um – bom, um Gauloise, claro. Pequenas correções desse tipo são a alma do negócio. O cérebro de Bog trabalha atarefado e stacatto, como uma fábrica art déco num poema futurista. Uma nova sessão de fotos com Mika encareceria demais os custos de produção do livro? Atrasaria…

Uma ilha, um livro
Sobrescritos / 02/01/2009

De hoje até o dia 11, com renovação diária, o Todoprosa é dedicado a uma retrospectiva da seção “Sobrescritos” – rubrica sob a qual se agrupam desde a estréia do blog, no já distante ano de 2006, pequenos textos ficcionais, crônicas e rabiscos de gênero indefinido, unificados pelo fato de tratarem de escritores, leitores, de ler e de escrever. Talvez por serem menos perecíveis que o material publicado normalmente em blogs, ou quem sabe por outra razão insondável, os “Sobrescritos” costumam merecer dos leitores pedidos freqüentes de republicação, e alguns dos mais votados (como “A blogueira e o estruturalista” e o conto que lançou o inefável Lúcio Nareba, chamado “A epígrafe”) andaram ganhando uma segunda edição nos últimos meses. A atual retrospectiva se limita aos textos que nunca foram republicados aqui no blog (embora muitos tenham dado voltas por aí, principalmente na revista gaúcha “Norte”) e marca o começo do ano em que, tudo indica, os “Sobrescritos” vão finalmente virar livro de papel. Divirtam-se. – Você vai passar o resto dos seus dias numa ilha deserta e pode levar um livro – ela diz. – Um só? – Um só. Qual você escolhe? Ele pensa um pouco. – Nenhum. –…