2 de novembro Fui cordialmente convidado a fazer parte do realismo visceral. Claro que aceitei. Não houve cerimônia de iniciação. Melhor assim. 3 de novembro Não sei muito bem em que consiste o realismo visceral. Tenho dezessete anos, meu nome é Juan García Madero, estou no primeiro semestre de Direito. Não queria estudar Direito, e sim Letras, mas meu tio insistiu e acabei cedendo. Sou órfão. Serei advogado. Foi o que disse ao meu tio e à minha tia, depois me tranquei no quarto e chorei a noite inteira. Assim, com uma piadinha simples (“claro que aceitei”, “não sei em que consiste”) e no embalo aparentemente despretensioso do diário juvenil de Madero, aspirante a poeta, o leitor é suavemente puxado pela mão para dentro do monumental turbilhão de vozes e tramas que torna o romance “Os detetives selvagens” (Companhia das Letras, 2006, tradução de Eduardo Brandão), do chileno Roberto Bolaño, uma das obras fundamentais da literatura contemporânea.