Sou um homem invisível. Não, não sou um fantasma como os que assombravam Edgar Allan Poe; nem um desses ectoplasmas de filme de Hollywood. Sou um homem de substância, de carne e osso, fibras e líquidos – talvez se possa até dizer que possuo uma mente. Sou invisível, compreendam, simplesmente porque as pessoas se recusam a me ver. Tal como essas cabeças sem corpo que às vezes são exibidas nos mafuás de circo, estou, por assim dizer, cercado de espelhos de vidro duro e deformante. Quem se aproxima de mim vê apenas o que me cerca, a si mesmo, ou os inventos de sua própria imaginação – na verdade, tudo e qualquer coisa, menos eu. Assim começa o prólogo de “Homem invisível”, romance lançado em 1952 com grande sucesso por Ralph Ellison (Marco Zero, 1990, tradução de Márcia Serra) e em geral considerado o ponto mais alto da literatura negra americana – o que bem pode ser verdade, embora eu confesse um fraco pela prosa mais fina de James Baldwin. Quando se fala em romance de tese (como acredito ser o caso aqui, com um “homem invisível” e sem nome que simboliza todos os negros vivendo numa sociedade racista), é…