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Literatura brasileira com merchandising
Sobrescritos / 10/03/2009

“Fui dar em Budapeste graças a um pouso imprevisto, quando voava de Istambul a Frankfurt, com conexão para o Rio, mas a impecável companhia aérea, além de não ter culpa pelo transtorno, ainda nos hospedou em um hotel de primeira qualidade no aeroporto aquela noite – grande Lufthansa.” *** “– Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não, Deus esteja. Alvejei mira em árvores no quintal, no baixo do córrego. Por meu acerto. Todo dia isso faço, gosto; desde mal em minha mocidade. Mas só comecei a acertar mesmo quando troquei o velho trabuco por esta Taurus aqui, arma de grande maravilha. O senhor espie. Ahã.” *** “Quando Ismália enlouqueceu, Pôs-se na torre a sonhar… Viu uma lua no céu Viu outra lua no mar. O doutor que a atendeu Não tardou a receitar Óc’los da Ótica Fiel Pra vista dupla acabar.” *** “Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria. Se os tivesse, não hesitaria em escolher o conforto e a segurança da Maternidade Nossa Senhora do Bom Parto, que tem convênio com todos os planos de saúde.” Publicado em 26/6/2006. Republicado a pedidos.

Começos inesquecíveis: Mario Filho

Há quem ache que o futebol do passado é que era bom. De quando em quando a gente esbarra com um saudosista. Todos brancos, nenhum preto. Foi uma coisa que me intrigou a princípio. Por que o saudosista era sempre branco? O saudosista sempre branco, nunca preto, dava para desconfiar. E depois, a época de ouro, escolhida pelo saudosista, era uma época que se podia chamar de branca. Os jogadores claros, bem brancos, havia até louros nos times, ia-se ver: inglês ou alemão. Poucos morenos. Os mulatos e os pretos, uma raridade, um aqui, outro ali, perdiam-se, nem chamavam atenção. A prosa hipnoticamente despojada de Mario Filho, talvez o encontro mais feliz entre tom coloquial e expressão artística de toda a literatura brasileira, diz a que veio já nas primeiras linhas de “O negro no futebol brasileiro” (Mauad/Faperj, 4ª. edição, 2003), a épica reportagem-tese do homem que batizou o Maracanã. Ah, mas se o livro lançado em 1947 (e revisto e ampliado em 1964) pelo irmão menos famoso de Nelson Rodrigues não é um romance, o que está fazendo aqui? Hmmm. E quem disse que não é um romance? “O negro no futebol brasileiro” pode – e, acredito, deve –…

Banco
A palavra é... / 07/03/2009

Quando se diz que um banco foi ou está ameaçado de ir à bancarrota – e como se diz isso nos últimos meses, não? –, esbarramos numa sabedoria etimológica que, apesar de óbvia, o hábito mantém trancada no cofre da língua. É que o substantivo bancarrota, existente no português desde o século 16, foi importado do italiano banca rotta, que significa literalmente “banco quebrado”. Quase um século antes da bancarrota, e vindo do mesmo italiano, tinha desembarcado no português o substantivo banco com o sentido de instituição financeira especializada em depósitos e créditos. Na origem dessa acepção havia uma metonímia, figura de linguagem pela qual se nomeia a parte para designar o todo: banca era a mesa, a bancada em que se realizavam as transações em dinheiro, especialmente empréstimos. Como se vê, é dessa forma que o sentido financeiro de banco se liga àquela outra acepção do termo, a de superfície (em geral de madeira) usada como assento ou mesa, que é mais antiga e tem prováveis raízes germânicas. Peça de mobília à parte, é um atestado da importância das cidades-Estado italianas como centros financeiros da época o fato de que banca gerou uma inflação de palavras em outras línguas,…

Não vem por quê? Por que não vem?
NoMínimo / 05/03/2009

Foi anunciado ontem que o escritor dominicano-americano Junot Díaz, que tinha confirmado presença na Flip, desistiu da viagem. “Não se perde grande coisa”, já vejo alguns leitores dizendo, mas não se trata disso. O fato provocou um post interessante no blog de Flavio Moura, diretor de programação do evento, que eleva a um novo patamar a transparência (estamos em tempos de Obama, afinal) com que as negociações pré-festival vêm sendo tratadas na edição deste ano. Um trecho: A recusa chama a atenção para um lado curioso da atividade de organizar festivais: o acesso a dimensões comezinhas do dia-a-dia dos escritores. Verdadeiros ou não, os motivos que os levam a recusar muitas vezes são divertidos e dizem algo a respeito da personalidade de cada um. Em 2008, o mesmo Junot disse que não podia vir porque tinha “um casamento na Itália”. No mesmo ano, Lobo Antunes – que segue confirmadíssimo para 2009 – não pôde vir em razão da formatura da filha, na mesma data da Flip. A família é também o ponto de apoio de Kazuo Ishiguro, autor de Vestígios do dia, e do crítico James Wood, de How fiction works. O primeiro se diz pouco à vontade para viajar…

O problema é o 'problema'
Sobrescritos / 03/03/2009

Qual é o maior problema da literatura brasileira? ( ) Os escritores não sabem escrever. ( ) Os leitores não sabem ler. ( ) Os críticos não sabem criticar. ( ) Os blogueiros se acham escritores. ( ) Os comentaristas de blog se acham críticos. ( ) Os críticos dos comentaristas de blog se acham. ( ) Os críticos dos comentaristas dos críticos dos comentaristas de blog… hã, onde estávamos mesmo? ( ) Ser brasileira demais. ( ) Não ser suficientemente brasileira. ( ) Não ser literatura. ( ) Literatura brasileira? Onde? ( ) Vai ler um livro e não me enche o saco. Publicado em 25/7/2007. Republicado a pedidos.

Começos inesquecíveis: Henry James

A história havia nos prendido em suspense suficiente ao redor da lareira, mas exceto pela observação de que ela era horripilante, como, na véspera do Natal em um casarão antigo, qualquer relato estranho devia ser mesmo, não me lembro de nenhum comentário ter sido feito até calhar de alguém dizer que, em sua experiência, aquele era o único caso em que a aparição havia surgido para uma criança. O caso, devo mencionar, envolvia uma assombração numa casa velha exatamente igual àquela em que nos reuníamos na ocasião – uma aparição tenebrosa para um garotinho que dormia no quarto com sua mãe e que a acordou aterrorizado; acordou-a apenas para vê-la, antes que pudesse dissipar seu horror e pô-lo para dormir novamente com palavras tranqüilizadoras, encontrar ela também a visão que o abalara. Foi essa observação que levou Douglas a dar uma resposta – não imediatamente, mas mais tarde – que teria a interessante conseqüência para a qual eu desejo chamar atenção. Outra pessoa contava àquela altura uma história não muito bem-sucedida, que, eu notei, ele não estava acompanhando. Interpretei isso como um sinal de que ele mesmo tinha algo a relatar, e que não precisaríamos aguardar muito. Na verdade, tivemos…