Para quem se identificou com meu TOC brando em relação às lombadas que não sabem se sobem ou descem, essa estante, digamos, multidirecional do designer espanhol Jordi Milà pode ser uma solução. Em pé, deitado, mais ou menos? Que tal todas as alternativas acima? A Árvore da Sabedoria – é esse o nome da peça – tem engenhosidade e bastante charme decorativo, suponho, embora me incomode imaginar o quanto os livros podem se sentir desconfortáveis ali. De qualquer maneira, é evidente que a coisa foi feita para quem tem poucos, muito poucos volumes em casa. Eu precisaria de uma floresta inteira de Árvores da Sabedoria – o que, obviamente, não seria nada sábio. (Via blog de livros da “New Yorker”.) E antes que o Rafael, nosso bravo latinista, proteste novamente contra a leveza da pauta, lembro que estamos na bica de mais um feriadão, que talvez fosse lamentável desperdiçar com debates circunspectos. Sempre haverá tempo para voltarmos a ser graves.
Scott Fitzgerald disse que usá-lo é como rir da própria piada! Mas agora ele vive uma renascença, segundo este post de Stuart Jeffries no blog do “Guardian”! E a culpa – adivinhem – está sendo atribuída mais uma vez à internet! (Vão acabar descobrindo que a gripe suína se espalha pelo Twitter!)
Trata-se, sem dúvida alguma, da descoberta mais idiota e inútil que já fiz em minhas estantes. Resolvi compartilhá-la com os leitores por dois motivos: primeiro, me intriga que, sendo óbvio, o padrão tenha me escapado em tantos anos de convivência com livros; segundo, nunca se sabe que sentido ou proveito alguém poderá tirar de detalhes como esse. Mas depois não digam que eu não avisei: Na imensa maioria dos meus livros, os nomes de autor e obra aparecem escritos na lombada de cima para baixo, isto é, descendo. Isso parece ser uma regra das editoras, com poucas exceções. Acontece que duas das exceções são notáveis pelo perfil e pela constância: nos livros da Companhia das Letras e da Alfaguara, os nomes vêm sempre de baixo para cima! (Sim, há certos volumes mais grossinhos em que os nomes aparecem na horizontal, mas são estatisticamente desprezíveis.) E com licença, que agora eu vou contar os azulejos da cozinha.
Esta é uma história para ser lida na cama de uma casa velha em noite chuvosa. Os cachorros dormem e os cavalos de montaria – Dombey e Trey – podem ser ouvidos em suas baias do outro lado da estrada de terra, para lá do pomar. A chuva é suave e necessária, mas não desesperadamente necessária. O nível dos lençóis freáticos se mantém equilibrado, o rio próximo é abundante, os jardins e pomares – é uma virada de estação – estão irrigados no ponto ideal. Quase todas as luzes estão apagadas na pequena vila junto à queda d’água onde o moinho, tantos anos atrás, movia um tear de algodão. Assim, em clima idílico, começa a novela Oh what a paradise it seems, do grande estilista americano John Cheever, lançada às vésperas de sua morte, em 1982 (Vintage International, 1991, tradução caseira – mas o livro tem uma edição recente no Brasil pela Arx, com o título “Ah, até parece o paraíso”). A história do velho executivo Lemuel Sears, apresentado como um sujeito do tempo em que as banheiras tinham pés em forma de garras de leão, merece como poucas o clichê “pequeno grande livro”. Com sua mistura quase porra-louca de…
Ao fazer seu mea culpa no caso do uso abusivo pelos parlamentares de passagens aéreas pagas pelo contribuinte, o deputado Fernando Gabeira deu certa profundidade ao debate: “Agi como se a cota fosse minha propriedade soberana”, disse a Josias de Souza, da Folha de S.Paulo. “Confesso que caí na ilusão patrimonialista brasileira.” O uso do conceito de patrimonialismo, termo do vocabulário sociológico, é preciso. Estranho é vê-lo associado à palavra ilusão. Patrimonialismo vem de patrimônio, do latim patrimonium – em seu sentido original, conjunto dos bens paternos, herança familiar. Mas o significado que vem ao caso nasce como um conceito cunhado pelo jurista alemão Max Weber (1864-1920), um dos pais da sociologia. Em linhas gerais, trata-se de uma forma de dominação política comum em regimes absolutistas, em que o governante não diferencia bens particulares de públicos, tratando a administração como assunto pessoal. O patrimonialismo weberiano encontrou solo fértil no pensamento brasileiro do século 20. O primeiro a usá-lo foi Sérgio Buarque de Hollanda no clássico Raízes do Brasil. “Para o funcionário ‘patrimonial’, a própria gestão política apresenta-se como assunto de seu interesse particular”, escreve ele, parecendo falar do que ocorre hoje no Congresso. “As funções, os empregos e os benefícios…
A intrigante nota que o diretor de programação da Flip, Flavio Moura, publicou há poucos dias em seu blog sob o título “Proposta indecente” fala de um autor americano que fez exigências descabidas para vir à Flip – passagens de primeira classe para ele e seu assessor e 65 mil dólares de cachê. Discreto, Moura não dá o nome, mas adianta que o principal livro da figura ganhou um prêmio relevante há cerca de vinte anos, “teve papel importante na luta pelos direitos civis e alguma visibilidade recente por conta da eleição de Obama”. Foi o bastante para despertar o Dupin que dormita em meu cérebro habitualmente confuso. Juntando as pistas – e transformando aquele “autor” em genérico de “autor(a)” – tudo aponta para Alice Walker, de “A cor púrpura”, romance que foi adaptado para o cinema por Steven Spielberg e levou o Pulitzer de 1983.
Quem se lembra da guerrinha cultural entre Europa e EUA iniciada de forma idiota pela Academia Sueca às vésperas da entrega do Nobel de Literatura do ano passado? Algumas conseqüências já se tinham feito notar, como esta, mas nada que se compare ao artigo infantil publicado neste domingo por Marie Arana, crítica do “Washington Post”, propondo simplesmente a extinção do prêmio. Seu argumento? Ah, em primeiro lugar (beicinho) os caras não gostam dos americanos; em segundo, consagram tantas mediocridades e esquecem tantos escritores brilhantes… Como observa o ótimo The Elegant Variation – que chama de “estridente e tolo” o texto de Arana – se escolher sua cota de mediocridades fosse motivo razoável para extinguir um prêmio literário, não sobraria um único de pé.
Você escreve porque escreve, não porque tenha necessariamente algo interessante a dizer. Provavelmente escreve bastante bem, mas seu negócio é estilo, não substância, porque você nunca chegou a fazer grande coisa na vida além de escrever. O importante em Ballard é que ele tinha estilo e substância. Como escritores da estirpe de Joseph Heller e Kurt Vonnegut, Ballard pagou seus tributos à vida real, e sua literatura tinha profundidade psicológica e vivencial por causa disso. Comentando hoje no blog do “Guardian” a obra do escritor inglês J.G. Ballard, que morreu domingo, de câncer, aos 78 anos, John Crace defende a importância fundamental da experiência de vida do autor de “O império do sol” e “Crash”, que foi prisioneiro de guerra e vendedor de enciclopédias antes de se tornar escritor. Ótimo pretexto para o blogueiro alfinetar a suposta falta de vivência extraliterária dos escritores de hoje, característica que seria responsável por uma literatura mais aguada e menos autêntica. Hmm. E hmmmm de novo. Embora à primeira vista seja tentador dar razão ao raciocínio do sujeito, recomendo pensar um pouco mais no assunto. Não dá para negar que imaturidade e umbiguismo são defeitos irritantes de boa parte do que se publica hoje,…
Da porta do La Crónica Santiago olha a avenida Tacna, sem amor: automóveis, edifícios desiguais e desbotados, esqueletos de anúncios luminosos flutuando na neblina, o meio-dia cinzento. Em que momento o Peru se fodera? Boa pergunta: em que momento? Antes ou depois do Brasil? Em busca de uma resposta, o leitor é convidado a atravessar as 790 páginas de “Conversa na Catedral” (Arx, 2004, tradução de Wladir Dupont), o terceiro romance de Mario Vargas Llosa, lançado em 1969.
Houve um tempo em que o adjetivo republicano se opunha ao adjetivo monarquista. Mas quem é monarquista hoje em dia? Por falta de um adversário de peso, republicano se viu no papel de palavra sonora e respeitável (república existe em nosso idioma desde o século 15 e veio do latim res publica, isto é, coisa pública, o bem comum pelo qual zela o Estado) em busca de uma aplicação mais moderninha. Talvez tal disponibilidade ajude a entender por que, nos últimos anos, o termo se transformou num dos preferidos do vocabulário político brasileiro. Fetichista, recoberto de conotações puras e arejadas, republicano vem sendo empregado como um sinônimo mais nobre de qualificativos – talvez gastos pelo abuso – como democrático, transparente, respeitador da cidadania e das liberdades civis, não-clientelista e até… honesto. O batismo do recente Pacto Republicano foi feliz. Recorre à impressionante cauda de conotações positivas da palavra com evidentes intenções alicerçadas no campo do marketing político, mas, ao mesmo tempo, mantém um pé firme na velha semântica: trata-se, afinal, de um acordo firmado entre os três poderes da República. A aura mítica de republicano encontra menos sustentação ao se falar em “debate republicano” quando se quer dizer apenas debate…
Mais três autores brasileiros estão confirmados na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip): Arnaldo Bloch, Sérgio Rodrigues e Tatiana Salem Levy. Durante o evento, que vai de 1 a 5 de julho, eles participarão de um debate sobre pesquisa e invenção. O furo foi dado hoje pelo repórter Miguel Conde no blog Prosa Online. Só me resta confirmar a informação e dizer que considero essa mesa sobre “pesquisa e invenção” um achado. Não só porque o tema é um fio realmente comum aos três livros em questão, de resto tão diferentes, mas porque não há nenhum outro aspecto de meu romance que me interesse tanto discutir.
Venho em nome de nossa empresa, a Write Right, oferecer nossos serviços diferenciados de soluções literárias com foco customizado nas necessidades de escritores situados em qualquer nicho mercadológico/estético/igrejístico. Dos minicontos aguadinhos aos grandes épicos pedregosos, da poesia formalista altamente ilegível às letras de música dããã de axé e pagode, nosso compromisso é agregar o máximo de valor às suas criações/diluições/cópias, provendo soluções formais imediatas de eficácia comprovada e gerando contatos de negócio (57 resenhistas na folha de pagamento!) que oportunizarão um aumento significativo de sua satisfação autoral e de seu prestígio social, sem perder de vista a maximização do market share de seu produto e a fidelização eterna de seus clientes/leitores/otários. Se você quer apenas escrever, não precisa da Write Right. Mas se quer ESCREVER SEU NOME NA HISTÓRIA, está esperando o quê, ô?
Creio que pelo trechinho abaixo já dê para sentir a qualidade da resenha que o escritor Ernani Ssó publicou hoje sobre meu romance “Elza, a garota” em sua coluna no site gaúcho Coletiva.net. Quem acha que escritores valorizam elogios — mesmo ocos — acima de qualquer coisa não conhece o poder das leituras capazes de iluminar aspectos de um livro que se mantinham penumbrosos até para o autor: Não há uma simetria de tipo matemático entre as duas partes. Isso poderia ser bonito, talvez prazeroso, certamente tranquilizador. O que há são sombras, sonhos, lacunas, mentiras e assombrações ligadas às vezes de modo imprevisto, ou desagradável. O que se pode dizer, por exemplo, sobre os conspiradores da Intentona assessorando a guerrilha pós-64 com a mesma competência política e militar demonstrada anteriormente? Ou o reflexo de Elza — uma boba alegre, no mínimo — sobre a cunhada adolescente de Molina? Ou os Rios de Janeiro: o de antes e o de agora? Não exatamente a cidade, mas o que foi feito dela, o que foi feito do mundo, o que foi feito de nós. Para os que suspiram aliviados porque os sonhos comunistas continuaram sonhos, o romance ergue esse Rio de Janeiro…
Desocupado leitor: sem juramento meu embora, poderás acreditar que eu gostaria que este livro, como filho da razão, fosse o mais formoso, o mais primoroso e o mais judicioso e agudo que se pudesse imaginar. Mas não pude eu contravir a ordem da natureza, que nela cada coisa engendra seu semelhante. E, assim, o que poderá engendrar o estéril e mal cultivado engenho meu, senão a história de um filho seco, murcho, antojadiço e cheio de pensamentos díspares e nunca imaginados por ninguém mais, exatamente como quem foi engendrado num cárcere, onde toda a incomodidade tem assento e onde todo o triste barulho faz sua habitação? Assim começa o romance “O engenhoso fidalgo D. Quixote de la Mancha”, ou simplesmente “D. Quixote”, lançado em duas partes, a primeira delas em 1605, pelo espanhol Miguel de Cervantes (Record, 2005, tradução de Carlos Nougué e José Luis Sánchez). Assim começa o romance.
O terremoto veio da Itália. E não apenas no sentido imediato de ter abalado o noticiário da semana, mas no etimológico também. A palavra italiana terremoto, cunhada no século 13, é considerada pela maioria dos estudiosos a matriz do vocábulo português, que fez sua aparição por aqui já no século seguinte, e também do espanhol, todos com grafia idêntica. O inglês earthquake e o alemão Erdbeben são traduções literais de terremoto. O francês prefere uma solução menos sucinta, a locução tremblement de terre. Se o sentido da palavra fica evidente ao se examinar cada um de seus termos – terra + tremor, movimento –, o fato de ter raiz latina não é menos claro. Segundo o Houaiss, o termo terraemotus já aparece registrado antes de Cristo em Cícero, o grande orador e mestre da prosa latina, que após a morte de Júlio César foi apanhado num terremoto político (agora em sentido figurado, claro) e condenado à morte por Marco Antônio em 43 a.C. Sismo, um sinônimo perfeito de terremoto, tem raiz também antiga no vocábulo grego seismós, mas sua introdução em nossa língua foi, por assim dizer, fabricada numa época bem mais recente: chegou por aqui na grande onda dos…
“Acordei, fui ao banheiro…” E eu com isso, meu amigo, você diria, ai na sua moita existencial, nem aí para o que se passa na vida de seu ninguém. “Dei a descarga…” E daí, colega, não fez mais que o recomendável pela boa educação materna. “Bebi um copo d´água…” (…) E por aí segue a narração, tintim por tintim, de tudo que se passa na vida da tal criatura. Só não comunica das suas humaníssimas ventosidades intestinais e traques do gênero. O resto vale na miudeza cotidiana. Eis o espírito da mais nova modinha da Internet, meu jovem, o tal do twitter, que você, novidadeiro por excelência, já deve ter enfadado de ouvir falar. Xico Sá, em seu blog, entre pasmo e irritado com o Twitter, a nova doença infantil da internet. Sei não, estou pensando em seguir esse cara.
Quando decidiu que seria escritora, Maria Cândida descobriu que, sem saber, já vinha se preparando nos últimos anos para aquele momento: estavam a postos o ouvido bisbilhoteiro, o olho clínico, aqueles surtos mórbidos de introspecção a cada café-da-manhã, o cabelo mais curto de um lado que do outro, os óculos de antiquário, as camisetas pretas puídas, o desapego a modismos e coisas materiais. Aí, como já tinha computador, foi só descolar um bom corretor ortográfico em versão pirata e espetar em sua parede de cortiça uma coleção de frases sobre a arte de escrever, com aquela genial da Dorothy Parker encabeçando a lista, e esperar. Quando a espera começou a se prolongar além do razoável, Maria Cândida acrescentou à sua escrivaninha um porta-lápis com o logo da Granta e um exemplar de The art of fiction, de John Gardner, que, mesmo sem saber inglês, passou a abrir em páginas aleatórias e folhear preguiçosamente sempre que ameaçava se impacientar. Depois comprou uma cadeira de escritório com ajuste de altura, um pôster comemorativo dos 50 anos de O encontro marcado, duas dúzias de lápis coloridos, uma coleção de cadernos de capa dura, uma luminária verde-água totally anos 50, uma caneca de chá…