Desocupado leitor: sem juramento meu embora, poderás acreditar que eu gostaria que este livro, como filho da razão, fosse o mais formoso, o mais primoroso e o mais judicioso e agudo que se pudesse imaginar. Mas não pude eu contravir a ordem da natureza, que nela cada coisa engendra seu semelhante. E, assim, o que poderá engendrar o estéril e mal cultivado engenho meu, senão a história de um filho seco, murcho, antojadiço e cheio de pensamentos díspares e nunca imaginados por ninguém mais, exatamente como quem foi engendrado num cárcere, onde toda a incomodidade tem assento e onde todo o triste barulho faz sua habitação? Assim começa o romance “O engenhoso fidalgo D. Quixote de la Mancha”, ou simplesmente “D. Quixote”, lançado em duas partes, a primeira delas em 1605, pelo espanhol Miguel de Cervantes (Record, 2005, tradução de Carlos Nougué e José Luis Sánchez). Assim começa o romance.