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Começos inesquecíveis: Isaias Pessotti

Qualquer pesquisador sabe que, para obter financiamentos, é preciso que seu trabalho conduza a “avanços tecnológicos de vanguarda” ou “resultados relevantes para a realidade nacional na área em apreço”. Como se verá, o nosso trabalho, diante desses critérios, era de fulgurante inutilidade. Bem diferente, portanto, do trabalho que essas linhas abrem: o romance – de inegável utilidade para quem aprecia uma boa diversão inteligente – “Aqueles cães malditos de Arquelau” (editora 34, 1995, 3ª. edição), de Isaias Pessotti.

Craque
A palavra é... / 09/05/2009

O início de um Campeonato Brasileiro marcado pela volta de jogadores de alto nível que andavam fora do país, Ronaldo Fenômeno à frente, é uma boa oportunidade para falar da história da palavra craque. Tudo indica que o termo, um dos muitos anglicismos que povoam o vocabulário do futebol, tenha nos chegado no equipamento esportivo de um daqueles ingleses que, no início do século passado, ainda nos ensinavam a jogar bola – poucas décadas antes de se inverter dramaticamente a posição de quem tinha coisas a aprender nesse departamento. O desembarque oficial de craque em nosso idioma leva a data de 1913, quando apareceu no Novo Dicionário da Língua Portuguesa, de Cândido de Figueiredo. Era um tempo de aclimatação apressada de termos ligados ao futebol – casos semelhantes foram quíper (do inglês goalkeeper, goleiro), que praticamente caiu em desuso, e beque (de back, jogador de defesa), que ainda se usa hoje, embora zagueiro seja a forma preferencial. Sem mencionar o próprio termo futebol, versão aportuguesada de football, que se sobrepôs a todas as tentativas de criar um neologismo culto para nomear o esporte, como ludopédio e balípodo. A matriz inglesa de craque é crack – não o substantivo, que quer…

Todoprosa faz três anos e dá Elza
NoMínimo / 08/05/2009

Há exatos três anos, dois posts críticos sobre a velha questão da presença magra do futebol em nossa literatura inauguravam este blog. Naquele momento eu acharia graça se alguém me dissesse que o Todoprosa chegaria tão longe, sobrevivendo até ao site que eu editava na época, o saudoso NoMínimo, onde ele surgiu para preencher uma lacuna na área de literatura em meio à reforma editorial que criou uma série de colunas diárias no formato blog. A longevidade inesperada num meio tão volátil é motivo de festa. E como essa duração se deve antes de mais nada aos leitores, tentei bolar aqui uma forma de incluir todo mundo na celebração. Então aí vai a “promoção”, que é singela mas é sincera: vou sortear três exemplares autografados de “Elza, a garota”, um para cada ano de vida do blog, entre os leitores que se manifestarem na caixa de comentários desta nota até a noite de terça-feira (lembro que é preciso fornecer um email válido, que não será publicado – os vencedores serão informados através dele). Aos interessados, boa sorte!

Emma Bovary se despe na rede
NoMínimo / 07/05/2009

Dia desses, um estudante de Jornalismo de Belo Horizonte me mandou um pequeno questionário por email sobre as relações entre internet e literatura. Quase respondi que está na hora de arrumarmos uma pauta mais original, mas me contive – ainda bem. É verdade que já faz alguns anos que nossos papos andam um tanto obsessivos, mas talvez isso seja compreensível diante da vastidão do tema. Acabei respondendo o que sempre respondo, que a internet não me parece um ambiente muito propício para a criação literária em si, mas é sem dúvida o paraíso para todo o resto: divulgação, debate, circulação, descoberta, pesquisa, tietagem, compra, venda, o diabo. Um belíssimo exemplo disso é este site da Universidade de Rouen, na França, em que se pode ler o texto de “Madame Bovary” em francês e, clicando num trecho qualquer, abrir o fac-símile do original manuscrito – a maioria, como este aí ao lado, rabiscadíssimo por Gustave Flaubert em sua lendária caça à “palavra justa”. Escoltando a página com os garranchos há uma outra, limpa, com sua decifração/transcrição. À parte a utilidade óbvia para estudiosos de Flaubert, trata-se de um brinquedo genial. E um encontro emocionante entre literatura e internet.

O charme escandaloso de Edna O’Brien
NoMínimo / 06/05/2009

Essa moça aí ao lado é Edna O’Brien, escritora irlandesa que, salvo algum efeito Carlos Fuentes de última hora, estará na Flip. Mas não se trata do mais fiel retrato de divulgação que se pode encontrar: Edna está hoje com 78 anos e só veio parar aqui no blog, em foto de 1965, como porta de entrada para a divertida galeria de velhos anúncios publicitários de literatura disponível no site do “New York Times”, quase todos com a carinha do autor (uma Susan Sontag gatinha entre eles) e uma série de blurbs que, em sua previsibilidade e seus clichês, talvez sejam a única coisa que não tenha mudado absolutamente nada desde então. Edna é pouco conhecida no Brasil. Tornou-se um ícone do feminismo nos anos 60 depois que teve seu livro de estréia, The country girls, proibido na Irlanda por conter descrições supostamente livres demais da vida sexual das personagens femininas. Por aqui, além da biografia de James Joyce lançada nos anos 90 pela Objetiva – e programada para relançamento em breve pela mesma editora – saíram a coletânea de contos “Uma mulher escandalosa”, pela Francisco Alves, no distante 1982, e o o romance “Dezembros selvagens” pela Bertrand Brasil, em…

Xian Xu e os mongóis
Sobrescritos / 04/05/2009

Em 658, o pequeno reino de Lu Xian Xu, o Sábio, ao norte do Rio da Fertilidade, foi invadido pelos mongóis. Os mongóis eram terríveis. Depois de reduzirem a papa os campos de arroz do povo de Xian Xu, queimaram suas vilas, uma a uma, e chegaram por fim à cidade real. A bela Tsuido Hen consistia apenas no palácio do monarca cercado de ruas labirínticas, e os mongóis entraram pisoteando com seus cavalos peludos o labirinto, que era de papel e bambu, e foram direto ao palácio. Puseram-se então a destruí-lo, como haviam feito com colheita, crianças, adultos, cidades, esperança. Enquanto seu palácio ardia, Xian Xu, o Sábio, entrou nos aposentos de suas onze esposas e, anunciando a derrota, ordenou que o seguissem. Pegariam a passagem secreta – a última esperança. Arrastando aquela cauda de mulheres assustadas, Xian Xu venceu o corredor com passos apressados e abriu de par em par as portas do salão abobadado da Grande Biblioteca, um aposento de vitrais altos e piso de mármore onde se assentava o xadrez das prateleiras repletas de arcanos teológicos e criacionistas, poéticos e terapêuticos, morais, filosóficos, míticos e cômicos. O Sábio avistou então Suri Kuoda, o jovem bibliotecário, espanando…

Começos inesquecíveis: Jules Michelet

Certos autores garantem-nos que, pouco antes da vitória do cristianismo, se ouvia, ao longo das margens do mar Egeu, uma voz que dizia: “O grande Pã morreu”. Finara-se o antigo Deus universal da Natureza. Imaginava-se que, morta a Natureza, estaria morta a tentação. Durante tanto tempo perturbada pela tempestade, a alma humana ia enfim descansar. Tratar-se-ia simplesmente do fim do antigo culto, da sua derrota, do eclipse das velhas fórmulas religiosas? De maneira alguma. Consultando os primeiros túmulos cristãos, vê-se a cada passo a esperança de que a natureza vá desaparecer, de que a vida se extinga, que, enfim, se chegue ao fim do mundo. Acabaram-se os deuses da vida, que durante tanto tempo prolongaram essa ilusão. Tudo cai, tudo se desmorona, se deteriora. O Tudo transforma-se em nada: “O grande Pã morreu!” Assim começa “Sobre as feiticeiras” (Edições Afrodite, Lisboa, 1974, tradução de Manuel João Gomes), relato brilhante do historiador francês Jules Michelet (1798-1874) sobre a longa história cultural que foi dar na Inquisição. Não, não se trata de ficção. É História escrita com a verve narrativa e a parcialidade apaixonada que fizeram de Michelet, mais que um grande historiador, um baita escritor. Ele costumava dizer que sua disciplina,…

Gripe
A palavra é... / 02/05/2009

Suína, mexicana, norte-americana – ainda não se chegou a um acordo sobre o nome definitivo que ganhará o surto de gripe que preocupa o mundo, provocado pelo vírus A/H1N1. O que se sabe com certeza é que a história da palavra atesta o quanto é antigo o contágio entre línguas. A epidemia de gripe que se espalhou pela Europa a partir da Itália, em 1743, provocou em seu rastro a disseminação de dois nomes para a doença: o francês grippe e o italiano influenza. O primeiro é a forma nominal do verbo gripper, “agarrar”, talvez numa referência ao modo súbito como o vírus se apodera do organismo. O segundo – substantivo derivado do latim medieval influentia, “influência dos astros sobre os homens” – provavelmente ganhou seu sentido médico devido ao hábito de se atribuir a essa causa qualquer problema de saúde. Curiosamente, embora exista em inglês a palavra grip com o mesmo sentido original do termo francês, foi o italiano influenza que acabou vingando no idioma de Barack Obama, no qual ganhou em meados do século 19 o apelido (carinhoso?) de flu. O holandês e o húngaro, entre outras línguas, também foram por esse caminho. Já o português e o…