E por falar em inutilidade (do tipo divertido, é claro): andam provocando comoção os rumores de que a voz que narra em off o vídeo promocional do novo livro de Thomas Pynchon, Inherent Vice, é do próprio reclusíssimo autor. A editora Penguin e a produtora do vídeo não negam nem confirmam. Hmmm, quem sabe? Mas que parece o João Ubaldo, parece.
Não sei se os leitores habituais do blog terão percebido, mas o acaso produziu um efeito interessante por aqui no fim da semana passada. O post de sexta-feira, a propósito de um episódio de Twilight Zone, falava de uma certa atmosfera pesada de antiintelectualismo que sobrevive no Brasil. E os comentários deixados por vários leitores no post de sábado – que não pretendia ter nada a ver com o peixe, limitando-se a examinar certas curiosidades vadias sobre a origem do adjetivo “crasso” – trataram de ilustrar o anterior. A ira despertada em alguns leitores – em geral desavisados que caem aqui atraídos por uma chamada na capa do portal – pelas questões de língua e linguagem abordadas na seção “A palavra é…” é uma velha conhecida. “Inútil” costuma ser o qualificativo mais brando que esse tipo de texto lhes desperta. O que é compreensível, talvez: utilidade prática não é mesmo o forte da casa. Restaria esclarecer por que, a julgar pela virulência da reação, a croniqueta lingüística lhes parece mais “inútil” do que uma notícia sobre o pum que Miley Cyrus deu no táxi ou outras dessas informações que compõem 90% do show internético – mas deixa pra lá. A…
(…) é evidente que ainda não se ressaltaram, conveniente e convincentemente, as qualidades que converteram a obra de Leonardo Sciascia em uma das mais importantes precursoras da profunda renovação da literatura policial ou romance negro que se produziu nas últimas décadas do século passado e que sobrevive até hoje. Às vezes, aliás, nem se recorda que, ao lado de autores como o brasileiro Rubem Fonseca e o americano Donald Westlake (em seu momento literariamente distantes entre si, mas conectados pelas exigências da época e o esgotamento de um certo tipo de escritura), Sciascia foi um dos encarregados de estabelecer, na década de 1960, os pressupostos estéticos e sociais do que seria a revolução conceitual que acabaria por conferir um caráter literário e social indiscutível à narrativa policial. Foi uma surpresa agradável ver que, fazendo no “Babelia” do último sábado uma defesa do excelente Leonardo Sciascia, seu xará Padura – um autor cubano de quem li apenas o bom “Adeus Hemingway”, daquela coleção Literatura ou Morte da Companhia – acaba por trazer de cambulhada em sua vindicação um velho conhecido nosso.
Aos 16 anos matei meu professor de lógica. Invocando a legítima defesa – e qual defesa seria mais legítima? – logrei ser absolvido por cinco votos contra dois, e fui morar sob uma ponte do Sena, embora nunca tenha estado em Paris. E já que mencionei a sisudez da literatura contemporânea, aí vai o supra-sumo do contrário: o primeiro parágrafo do romance “A lua vem da Ásia”, lançado pelo grande Campos de Carvalho (1916-1998) em 1956 (José Olympio, Obra reunida, 2a. edição, 1995). Publicado em 10/2/2007.
O post de hoje é a reunião de dois textos publicados no NoMínimo em 7 e 8/11/2005: O adjetivo “crasso”, do latim crassus (gordo, espesso), ganhou em português o sentido figurado – e hoje dominante – de “grosseiro, tosco”. Pode-se falar, por exemplo, numa pessoa crassa, num acabamento crasso, num discurso crasso, entre infinitas possibilidades mais ou menos crassas. Mas isso é teoria. Curiosamente, “crasso” acabou restrito, no mercado real das palavras, ao emprego de ajudante do substantivo “erro”. Algumas palavras se casam, entre juras de fidelidade eterna, e não é mole separá-las. * Volto à palavra de ontem porque vários leitores – alguns deles, justiça seja feita, com uma dose saudável de ceticismo – me escreveram para dizer que, segundo uma tese de sucesso na internet, inclusive na Wikipedia, os erros grosseiros começaram a ser chamados de “crassos” por alusão a um grave equívoco de estratégia militar cometido por Marco Licínio Crasso, membro do primeiro triunvirato romano, ao lado de Pompeu e Júlio César. Pode ser verdade? Pode, nunca se sabe. Mas que tem cheiro de etimologia romântica, tem. Consultando tomos vetustos e outros nem tanto, não encontrei nenhum etimologista sério que dê crédito a essa tese. De resto,…