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O novo romance de Verissimo
NoMínimo / 30/11/2009

Luis Fernando Verissimo costuma ser esnobado como romancista por nossa crítica literária (vai sem aspas mesmo, mas falta claramente uma expressão melhor), embora tenha produzido algumas pérolas numa área em que a cultura brasileira sempre foi carente: a dos livros “leves” que as pessoas realmente lêem e que dissimulam sua sofisticação por trás da linguagem cristalina. Talvez porque essa operação seja oposta àquela que conta mais pontos em nosso meio intelectual – a dos livros “pesados” que ninguém lê e que dissimulam a falta do que dizer por trás de uma linguagem turva – Verissimo ainda aguarda uma vindicação que conceda um lugar menos marginal a, por exemplo, seu romance de estréia, o aliciante “O jardim do diabo”. Esse nariz-de-cera vem a propósito do novo livro do homem, “Os espiões”, que acaba de sair pelo selo Alfaguara. É o primeiro romance de Verissimo que não lhe foi encomendado por um editor – o que é sem dúvida auspicioso. Ontem, sem tempo para ler, abri o magro volume e dei uma espiada na primeira frase: “Formei-me em Letras e na bebida busco esquecer”. Seria uma barbada de começo inesquecível, se esta seção ainda existisse aqui. Depois conto mais. * Nota de…

Curiosidades etimológicas: Escroque
A palavra é... / 28/11/2009

O leitor José Luiz Fonseca escreve para falar de sua curiosidade sobre a palavra “escroque”, que, como ele diz, “no meio dessa crise, vejo toda hora aparecer nos textos”. De fato, escroque – “indivíduo que se apodera de bens alheios por manobras fraudulentas”, segundo o Aurélio – não é artigo que ande em falta. O Houaiss informa que a palavra, vinda do francês, chegou por aqui oficialmente em 1914. Foi naquele ano que a revista “Fon-Fon” empregou o termo pela primeira vez – ainda com a grafia “escroc”, que só seria adaptada para a atual duas décadas mais tarde. O francês, por sua vez, tinha ido buscar a palavra no italiano scrocco, “golpe, calote”. Como se percebe, “escroque” nada tem a ver, etimologicamente, com “escroto”, que numa acepção bem brasileira serve para qualificar aquele ou aquilo que é ruim, feio, mau-caráter, de mau gosto etc. Acontece que a etimologia não explica tudo. É provável que as semelhanças sonoras e semânticas entre as duas palavras tenham contribuído para que prosperasse entre nós o velho galicismo da “Fon-Fon”. Publicado no “NoMínimo” em 26/8/2005.

O que acontece com as palavras quando as lemos
NoMínimo / 27/11/2009

Atenção, editor ou autor: procurando idéias para fazer um videoclipe promocional do seu livro, esse gênero que o YouTube pariu e que vai amadurecendo velozmente? (Bom, eu meio que estou…) É sensacional essa animação aí, produzida sem uso de computador por um estúdio britânico para o New Zealand Book Council, em cima – literalmente – de um livro chamado Going west, do neozelandês Maurice Gee. Bela dica do blog que o jornalista Almir de Freitas, editor da “Bravo!”, mantém no site da revista.

Tabucchi e a liberdade de expressão
NoMínimo / 26/11/2009

O escritor italiano Antonio Tabucchi está sendo processado pelo presidente do Senado de seu país, o berlusconista Renato Schifani, que pleiteia uma indenização de 1,3 milhão de euros. O crime do escritor: ter afirmado num artigo publicado ano passado pelo jornal “L’Unità” que Schifani precisa explicar suas relações com personagens já condenados como mafiosos. Tratado com descaso pela imprensa italiana, o caso está sendo transformado na França naquilo que realmente é: uma batalha pela liberdade de expressão. O jornal francês “Le Monde” publicou na semana passada uma espécie de manifesto chamado “Nós apoiamos Antonio Tabucchi”, com a assinatura de intelectuais do mundo inteiro – entre eles Philip Roth, Orhan Pamuk, António Lobo Antunes, Mário Soares e Antonio Munoz Molina.

Uma ilha, um livro
Sobrescritos / 24/11/2009

– Você vai passar o resto dos seus dias numa ilha deserta e pode levar um livro – ela diz. – Um só? – Um só. Qual você escolhe? Ele pensa um pouco. – Nenhum. – Como, nenhum? – Nenhum. Não vou ler, morto não lê. – Não – ela ri – quê isso, na ilha tem comida à vontade, você não morre. Só fica lá de bobeira, vivendo superbem e… lendo um livro. – Pode ser que você fique lá, lendo esse livro. Eu não fico porque me mato antes. – Se mata… – Mato, mato. Um livro só? Mil vezes a morte. Ela fica meio desconcertada porque é a primeira vez que um homem bagunça assim o seu teste, mas acaba decidindo que gostou, gostou muito, mais até do que se ele dissesse Estrela da vida inteira, Em busca do tempo perdido ou outra das respostas que ela costumava classificar como “certas”. Olhando para o homem do outro lado da mesa do restaurante, vê alguém que nunca viu antes. Pela primeira vez tem vontade de beijá-lo e pensa, sentindo uma moleza nos joelhos, que a noite promete. Enquanto isso, ele fica matutando que a idéia de um único…

Hay que sufrir…
NoMínimo / 23/11/2009

Quer ser um bom escritor? O primeiro passo é não ser feliz demais, sugere uma pesquisa recente (em inglês). (Via blog de livros da “New Yorker”.)

Curiosidades etimológicas: Chulé
A palavra é... / 21/11/2009

Quem se divertiu com a embrulhada do forró, que teria vindo mas não veio de for all, como muita gente – inclusive gente professora – acredita e repete por aí, vai gostar dessa: chulé viria de shoeless (descalço). Um achado digno de rivalizar com o for all but dogs (para todos, menos cachorros) que um leitor pôs na roda para dar conta de forrobodó – palavra bem anterior à Segunda Guerra, do repertório de Chiquinha Gonzaga, o que liquida a tese da influência americana de for all: pode-se afirmar com segurança que forró é a forma reduzida de forrobodó, baile, furdunço. A teoria shoeless já foi desmentida em três golpes firmes pelo bom professor Cláudio Moreno em sua coluna (vai nas minhas palavras): o termo “chulé” nomeia um fato universal e ancestral; existe em português desde quando a influência do inglês sobre nosso idioma era muito pequena; não tem a menor correspondência de sentido com shoeless, que em sua língua significa apenas descalço – nada a ver com o olfato. O trabalho de demolição foi bem feito por Moreno, mas talvez tenha faltado dizer que, diante de for all, shoeless leva pelo menos uma vantagem: não há etimologia sólida a…

Sexo bom
NoMínimo / 20/11/2009

A propósito do Bad Sex Award, nosso tema de ontem, Sarah Duncan escreve (em inglês) no blog de livros do “Guardian” sobre o que faz uma cena ficcional de sexo funcionar. O assunto é interminável e, embora a moça defenda seu ponto de vista com bravura, não concordo inteiramente com ela. Como tudo mais num romance, o que dá certo ou não dá certo nada tem a ver com alguma idéia preconcebida que se possa adotar universalmente, e tudo com a moldura da obra em questão. Quem acha que descrições gráficas de sexo não podem ser excitantes nunca leu “História de O”. Mesmo assim, a ênfase de Duncan no clima, na sugestão e nas lacunas não me parece um mau conselho a quem se vê diante da tarefa insana de conjurar essa febre num monitor de cristal líquido: No meio do ato sexual eu não penso: oh, ele acaba de enfiar seu órgão pulsante em minha genitália, então por que o personagem deveria pensar tal coisa? Em vez de escrever sobre ações, eu me concentro nas reações, nas sensações mentais e físicas. Entre na cabeça do personagem e você conseguirá criar a ilusão de que, sim, aquilo é real, está…

Sexo ruim
NoMínimo / 19/11/2009

Quem se lembra do Bad Sex Award, aquele prêmio inglês para o livro que contém a pior cena de sexo do ano, que o Todoprosa acompanha com o maior interesse? Pois não é que nesta edição escalaram Philip Roth entre os finalistas, por uma cena de The humbling que envolve duas mulheres, um strap-on verde e um deus Pã que tudo observa, lascivo? Estava demorando.

Promover a leitura é alfabetizar de verdade
NoMínimo / 18/11/2009

Diz o escritor argentino César Aira em entrevista à revista “Letras Libres”, aqui: Acho que a literatura não tem uma função importante na sociedade. Por outro lado acho que a literatura sempre foi e é e continuará a ser minoritária, para poucos. E acho que a literatura tem que ser opcional. Há muitos colegas meus pregando a obrigatoriedade da literatura. Fazer os jovens lerem. Não gosto disso. Na nossa sociedade tudo vai se tornando aos poucos obrigatório, deixemos a literatura ser uma atividade optativa. Leia quem quiser. Quem quiser ler terá muita felicidade na vida, mas não querendo ler também se pode ser muito feliz. Não sou um evangelista da leitura. Agora isso está na moda, promover a leitura. Há até fundações que se dedicam a isso. Suspeito que todos os que fazem tal trabalho, e ganham um bom dinheiro ao fazê-lo, nunca lêem. Nós que lemos não somos tão inclinados a promover a leitura. Talvez por já termos aprendido que é a atividade mais livre que alguém pode exercer. Gostei. Sempre encarei com algum desconforto os “programas de incentivo à leitura”. Programa de incentivo à leitura que eu conheço, e parece que funciona, é alfabetização de verdade. Ensinar a…

Cafungadores e coveiros: vamos virar a página?
NoMínimo / 16/11/2009

Um maniqueísmo mais apaixonado que inteligente tem marcado as conversas sobre o livro eletrônico no Brasil, entre o pessoal que prefere morrer a abrir mão de uma cafungada no papel e o que prega simplesmente a morte do livro como o conhecemos. Nesse cenário, é uma boa notícia este artigo de Jerome Vonk, que o autor me enviou por email e que pode ser lido na íntegra em pdf em seu site. Não por conter novidades, mas por trazer um olhar lúcido e a certeza de que não estamos diante de um mata-mata: o campeonato se estende até onde a vista alcança e é disputado em sistema de pontos corridos. Um trecho: Examinemos de perto o livro eletrônico, e percebamos que ele não é apenas a versão digital do livro físico; é muito, muito mais! É o superlivro no modo mega hiper blaster total; confira aqui os acessórios originais de fábrica (variações existem de modelo a modelo): • busca de palavra ou expressão • dicionário embutido • imagens animadas, áudio e vídeo (multimídia) • hiperlinks e referências cruzadas com outros livros, revistas online, blogs… • realce de texto, marcação de página e anotações • empréstimo do livro e envio de…

Curiosidades etimológicas: Puxa!
A palavra é... / 14/11/2009

Todo mundo pode falar “puxa!”. Tem ótimo trânsito na família brasileira essa interjeição, faz tempo que vem se perdendo nela a memória da puta. Puxa vida! Vida cadela! Está no Houaiss: puxa, “forma eufemística do substantivo puta, tomada de empréstimo ao espanhol pucha (c1500) ‘eufemismo por puta; interjeição de surpresa, desgosto etc.’” Puxa é como cacilda, caramba, caraca, tabuísmos atenuados. De todos eles, é provavelmente o que disfarça melhor a sua origem. Não para Glauco Mattoso, que não tem dúvida sobre ela em seu bilíngüe “Dicionarinho do palavrão & correlatos” (Record): manda direto de Puxa!, Puxa vida! para Puta merda!, e traduz para o inglês: “Hell’s bells! Hot damn! Holy shit! Holy fuck! Holy cow! Fuck a duck!”, e por aí vai. Mas puxa é diferente, todo mundo fala. Confunde-se com o verbo puxar, parece uma interjeição inocente. O Houaiss informa que Antenor Nascentes e Cândido Jucá brigaram pela grafia pucha, “mais consentânea com o étimo”, mas perderam. Ainda bem. Curioso: de poxa, que o dicionarinho do poeta Glauco não registra, os dicionarões dizem apenas isto: o mesmo que “puxa”. Nem uma palavra sobre a óbvia mudança de palavrão que a troca de vogal provoca. Publicado no “NoMínimo” em 16/5/2005.

Um Nabokov ‘devastadoramente triste’
NoMínimo / 13/11/2009

Quem acompanha este blog começou a ouvir falar no ano passado do projeto de romance que o grande Vladimir Nabokov deixou rascunhado em 138 fichas antes de morrer, em 1977 – e que, de acordo com seu desejo, deveria ter virado cinza há muito tempo. Como se sabe, seu filho Dmitri descumpriu a ordem paterna. “O original de Laura”, sobre um escritor que decide morrer pelo processo inaudito de “autodissolução”, começando pelos dedos dos pés, ganhou o subtítulo “Morrer é divertido” e começa agora a ser resenhado pelo mundo. De modo geral, não tem sobrado ficha sobre ficha, como neste texto (em inglês) de Aleksandar Hemon para a revista eletrônica “Slate”. Seria ridículo, claro, culpar o falecido pela venda de seu espólio. Nabokov não se limitou a ser inequívoco em seu desejo de que as fichas manuscritas fossem destruídas. Também era intransigentemente claro em seus pontos de vista sobre a arqueologia de manuscritos inacabados ou de rascunhos que precedessem versões finais e publicadas – e também sobre o valor absoluto de uma obra de arte pronta. Na introdução à sua tradução de “Eugene Onegin”, escreveu: “Um artista deve destruir sem dó seus manuscritos após a publicação, para evitar que eles…

Diálogo entreouvido na fila do sopão
Sobrescritos / 11/11/2009

Imagine o processo de fazer um livro como se estivéssemos na indústria automobilística. Só faz sentido fabricar um carro se for para ele andar, certo? O livro também precisa andar, quer dizer, cumprir sua própria função. E qual é a função do livro, me diz? Vender? Que vender! Se fazer ler, é óbvio. Ser lido. Esta é a viagem, o passeio. Carros precisam andar. Podem se destacar por serem velozes, lentos mas confiáveis, elegantes, econômicos, seguros, bonitos, espaçosos, baratinhos, o escambau. O mundo dos quatro-rodas, como o da literatura, é infinitamente vário. Mas uma característica todos os carros compartilham: precisam andar. Se não andam, não são carros. Não são nada. Sei. O problema é que, quando você vai construir o seu carro, ou seu carrinho de rolimã, como quiser, ou puder, você tem que fabricar peça por peça. Tem o design, naturalmente: o projeto geral, a cara do bicho, a distância entre eixos, a, digamos, proposta. Isso é importante e até divertido. O problema que pouca gente leva em conta é que, para o carro andar, tem também um monte de parafusos e porcas e bielas e rolamentos e correias e engrenagens e travas e juntas e molas e rebites…

Reificação da hegemonia pós-capitalista é a…
NoMínimo / 10/11/2009

Uma divertida ferramenta da Universidade de Chicago, chamada “Monte sua própria frase acadêmica” (em inglês), permite a qualquer pessoa escrever sentenças tão boas quanto – ou melhores que – as de muitos pós-doutores cascudos. Ou seja, coisas inteiramente destituídas de sentido, mas com aquele ar hermético de altíssima sabedoria que é fundamental para enganar trouxas. Funciona assim: você escolhe quatro substantivos cabeludos em quatro listas e recebe uma frase pronta. Se não gostar dela, basta um clique e os termos voltam numa nova ordem. Tanto faz, claro, porque nada quer dizer nada. Eis alguns exemplos traduzidos do que arranjei por lá: A reificação da hegemonia pós-capitalista revive (de forma paródica) a historicização da economia especular. A cultura dos valores normativos carrega em si a política da esfera pública. A poética da cultura pop pede para ser lida como a autenticação do poder/conhecimento. Uma única limitação impede a brincadeira de ser genial, como observa Macy Halford, do blog de livros da “New Yorker” (onde eu soube da novidade): as frases são curtas demais. Nenhum acadêmico que se preze seria tão sucinto. No entanto, com um certo jogo de cintura sintático, é possível emendá-las e corrigir o problema. Assim: Conquanto a reificação…

Como escrever um grande romance
NoMínimo / 09/11/2009

A reportagem do “Wall Street Journal” (em inglês, acesso gratuito) pergunta a um punhado de escritores qual é sua rotina ao escrever. Previsivelmente, aparecem métodos, hábitos, rituais e manias de todos os tipos – ou alguém achou que o título deste post, que é também o da reportagem, anunciava um passo-a-passo de validade universal? De qualquer modo, é sempre interessante saber o que se passa na mesa de trabalho dos outros. O que mais me impressionou foi descobrir que ainda existem tantos adeptos – Michael Ondaatje, Kazuo Ishiguro, Orhan Pamuk, Amitav Gosh – da velha caneta (ou lápis) no papel. Eu acreditava que esse tipo de escritor, com a óbvia exceção dos poetas, estivesse rumando para a extinção. Pelo visto, não está. Talvez a turma da caligrafia concorde com Graham Greene, que disse: “Meus dois dedos numa máquina de escrever nunca se conectaram com meu cérebro. Minha mão numa caneta, sim. Uma caneta tinteiro, é claro”. Ressalvado o direito sagrado de cada um escrever como bem entende, alguma coisa nessa tirada de Greene sempre me incomodou. Um dia descobri o que era: os dois dedos. O cara catava milho! Da minha parte, para retomar a feliz idéia de “conexão” com…

Curiosidades etimológicas: Hipócrita
A palavra é... / 07/11/2009

Recuando na história da palavra, vamos encontrar um parentesco entre o hipócrita (falso, dissimulado) e o adivinho grego, o hupokrites. De início, a palavra que hoje parece feita sob medida para letras de bolero designava um intérprete de sonhos, profeta ou vidente; em seguida, passou a nomear um ator, um comediante; por fim, o mentiroso genérico. De todos esses sentidos, o que transbordou para diversas línguas modernas, por meio do latim, foi o último. Mero acaso? Ou será que a denúncia da falsidade que acabou prevalecendo em “hipócrita” se deve a uma progressiva desilusão – ou tomada de consciência, chamem como quiserem – da espécie humana ao longo da História, desde a crença cega em oráculos até o ceticismo que hoje exercitamos diante da TV Senado? Publicado no “NoMínimo” em 19/8/2005.