Quando ele fez o velho sinal de pedir a conta rabiscando o ar, o garçom – um sujeito alto e branquelo, cabelos vermelhos cortados à máquina – se aproximou com um sorriso amplo e disse: – Como tu adivinhou que eu escrevo? E em vez da conta pôs em suas mãos um manuscrito pesado, com encadernação em espiral, chamado “Carnificina”. Antes de se retirar, acrescentou: – Sou um escritor gaúcho. Claro, ele pensou, nada mais apropriado. Você vai jantar numa churrascaria em São Paulo e o garçom é um escritor gaúcho. Estava decidido a não tomar o ansiolítico – não ainda. Atraiu outro garçom, desta vez tendo o cuidado de se expressar verbalmente: – A conta! Foi então que viu entrar na churrascaria aquele famoso escritor gaúcho de meia-idade, feio como poucos, acompanhado de uma mulher jovem e bonita. Ouviu quando o casal da mesa ao seu lado comentou: – Viu quem chegou? E discerniu no sussuro dos dois os nomes estrangeirados do escritor de meia-idade e de uma jovem escritora gaúcha emergente cuja cara ele não conhecia, embora, por dever de ofício, já a tivesse lido – não era má. Sem se dar conta, acompanhou os recém-chegados com os…
Manuscritos de Stendhal, como já ocorrera este ano com os de seu conterrâneo Flaubert, caem na rede.
A informação (em inglês) é só uma curiosidade: a combalida Olivetti Lettera 32 em que o escritor americano Cormac McCarthy escreveu ao longo de quase 50 anos e cinco milhões de palavras será leiloada pela Christie’s com propósitos beneficentes nesta sexta-feira, com expectativa de sair por algo entre 15 mil e 20 mil dólares. Para mim, porém, a notícia tem sabor de madeleine. Tenho em casa um modesto museu da máquina de escrever. Além da portátil Hermes 2000 que já comprei velhinha nos anos 1980, num antiquário, mas ainda cheguei a usar, conservo a pesada Remington que herdei de meu pai, na qual batuquei meus primeiros contos adolescentes, e desde o início deste ano a estrela da companhia: uma restauradíssima Olivetti Lexikon 80 (foto ao lado), maravilha dos anos 1950 que, naquele clima de balanço universal da virada do milênio, foi eleita por um júri internacional de design a melhor máquina de escrever de todos os tempos. Mas não é essa glória mundana, ou não só ela, que a conduziu ao lugar de maior destaque no centro da sala: ao mesmo tempo sólida e macia, a Lexikon 80 era a máquina de linha na redação do velho “Jornal do Brasil”…