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Os melhores começos inesquecíveis (IV)

Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo. O começo de “Cem anos de solidão”, romance lançado em 1967 por Gabriel García Márquez (Record, tradução de Eliane Zagury), é um dos maiores clássicos do gênero, sobretudo na preferência do leitor comum. Presença obrigatória em listas de aberturas romanescas memoráveis, vale a pena examinar mais de perto o mecanismo que o torna tão eficaz: a superposição de tempos narrativos. García Márquez demarca com brevidade impressionante dois momentos de ação, separados por “muitos anos”, e em cada um deles pendura um anzol que o leitor dificilmente deixará de morder. O primeiro traz uma isca política ou mundana: quais foram os motivos e o desfecho do tal fuzilamento? O segundo abre uma dimensão poética de formação, situando numa “tarde remota” a transmissão entre pai e filho de um saber sobre a natureza. Sem forçar barra nenhuma, pode-se imaginar até um terceiro anzol em que a isca é a curiosidade de saber como histórias tão díspares vão se combinar. E tudo isso em duas linhas. Além de enredar o leitor em mais de uma…