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Concurso Todoprosa de Microcontos: os vencedores
Vida literária / 29/10/2010

A caixa de emails da mulher aberta diante de si. Dali mesmo gritou perguntando se demoraria no banho. Acabei de entrar, ela respondeu. O texto acima, de autoria de Denival Fernandes Moreira, é o vencedor do Concurso Todoprosa de Microcontos para Twitter, que recebeu mais de 600 inscrições ao longo de uma semana. A disputa foi dura. Cerca de 10% dos inscritos se classificaram para a fase final, em que todos se enfrentaram em sistema de pontos corridos. O juiz solitário – que tentou amenizar a solidão colhendo algumas opiniões respeitáveis entre amigos – sabia que não adiantava lutar contra o caráter subjetivo de suas decisões, mas tinha um critério em mente: marcava mais pontos o microconto que mais se aproximasse do efeito produzido por um conto redondo, completo. O despojado texto de Denival venceu pelo bom uso da técnica do iceberg, em que a maior parte da história – no caso, o passado de desconfianças e o futuro incerto do casal – fica oculta abaixo da linha das palavras, sem que isso pareça um truque narrativo, mas apenas natural. Em segundo lugar veio este triste monólogo de Dilson L.D., exemplar na concisão e na contenção emocional: Todos estão mais…

Como diria Juarez Soares: Kindle é Kindle, iPad é iPad
Pelo mundo / 27/10/2010

Um interessante artigo de Lance Ulanov na PCMag.com, intitulado “Kindle x iPad: uma falsa escolha”, informa que os últimos números de venda dos dois aparelhos já permitem afirmar que o pessoal estava errado ao saudar o lançamento da Apple como “exterminador de Kindle”: ambos vão muito bem, obrigado. Ulanov, que tem os dois, considera isso apenas natural: Faço coisas muito diferentes com eles. Me pedir que escolha um é como me pedir que escolha entre meu carro e minha HDTV. O fato de tanto o carro quanto a TV serem capazes de tocar música não quer dizer que eu deva começar a tentar dirigir minha HDTV, ou me sentar diante do carro à espera do próximo episódio de ‘Mad Men’. Seria obviamente uma escolha absurda, tão falsa quanto a de optar entre o Kindle e o iPad, e quanto antes pararmos de pedir às pessoas que a façam, melhor. O argumento central do artigo é que o iPad, maravilha tecnológica sob tantos aspectos, leva uma surra da engenhoca da Amazon num quesito crucial: como leitor de livro, ou leitor-leitor de livro-livro, como talvez devêssemos dizer. É o mesmo ponto de vista que eu defendi aqui em janeiro, assim que o…

Os melhores começos inesquecíveis (VI)

Na manhã em que a última filha dos Lisbon decidiu-se também pelo suicídio – foi Mary dessa vez, e soníferos, como Thereza –, os dois paramédicos chegaram à casa sabendo exatamente onde ficavam a gaveta das facas, o forno, e a viga no porão à qual era possível atar uma corda. Não se pode dizer que o início da novela “Virgens suicidas”, de Jeffrey Eugenides (na ótima tradução de Marina Colasanti), deva sua estranha beleza ao fato de abrir com esse prosaico “na manhã em que…”, que chega a lembrar o clichê “era uma vez” dos contos de fadas. No entanto, ao escorar tão firmemente no tempo a história, o autor lhe confere densidade e verossimilhança. Um crítico mais intolerante com as artimanhas dos narradores poderia argumentar justamente o contrário: que estamos diante de um ponto fraco do texto, uma concessão à banalidade e ao lugar-comum. Foi o que fez Paul Valéry em sua famosa diatribe contra o romance, ao se dizer incapaz de escrever uma frase tão prosaica quanto “A marquesa saiu às cinco horas”. Bobagem. A tal frase só será banal se a marquesa se mostrar uma personagem bidimensional ou desinteressante – o resto é preconceito contra a…

Concurso Todoprosa de Microcontos para Twitter
Vida literária / 22/10/2010

Expandindo a experiência iniciada aqui esta semana, em busca do que por enquanto é pouco mais que uma miragem – uma literatura forte no Twitter – lanço o Concurso Todoprosa de Microcontos para Twitter. Por trás do nome que as iniciais maiúsculas ajudam a tornar (ironicamente, combinado?) pomposo, uma brincadeira simples: estimular a produção de micronarrativas em formato de tweet, com 140 toques no máximo, mas que consigam atingir alguma densidade literária. A tarefa é mais difícil do que parece à primeira vista. Para começar, esse papo de twitteratura já rola por aí há algum tempo, o suficiente para que até a conservadora Academia Brasileira de Letras, pulando alegremente no bonde digital, organizasse este ano seu concurso, vencido por esta historinha de Bibiana Da Pieve: Toda terça ia ao dentista e voltava ensolarada. Contaram ao marido sem a menor anestesia. Foi achada numa quarta, sumariamente anoitecida. Daí decorre que a maior dificuldade do microcontista-tuiteiro é que, sinal dos tempos, seu formato mal nasceu e já está superexplorado. Não faltam microcontos por aí, como se pode conferir na profusão de links reunidos nesta página. Some-se a isso a vasta produção de aforismos no Twitter – que também são uma forma de…

Bartleby, Bellow, Tezza e Vargas Llosa: os links de segunda
Pelo mundo / 18/10/2010

Bartleby, o escriturário de Herman Melville, sofria de síndrome de Asperger, pesquisadores acabam de anunciar. Supunho que, diante dessa informação, eu devesse escalar agora os píncaros da revelação literário-científica. Mas prefiro não. Saul Bellow, em carta de 1959 ao colega Bernard Malamud, que queria convencê-lo a entrar para o sindicado dos escritores, recusou a proposta dizendo que “o editor e o agente não são os inimigos. Os inimigos (e eu tampouco os hostilizo demais) são cento e sessenta milhões de pessoas que não leem nada”. Um volume com a maior parte das cartas escritas por Bellow será publicado mês que vem nos EUA. Sem link aproveitável (ah, Estadão…), mas vale assim mesmo: a resenha do Sabático sobre o novo romance de Cristovão Tezza, “Um erro emocional”, chama o livro de “Um erro promocional”. Ato falho? Diante da expectativa mais ou menos generalizada – e frustrada, o que é um bom sinal – de que Tezza poria na rua um livro tão confessional e dramático quanto o best-seller “O filho eterno”, é inevitável achar que sim. No Babelia, as possíveis semelhanças entre dois ganhadores do Nobel, Albert Camus e Mario Vargas Llosa, que se encontraram em Paris numa certa manhã de…

‘Viva a caligrafia!’, escreveu ele em seu teclado
Pelo mundo / 15/10/2010

Mais um sensacional capítulo da série “Como a tecnologia vai transformar nossos cérebros em esponja de lavar louça”: uma reportagem do “Wall Street Journal” (em inglês, acesso gratuito) cita pesquisas científicas que apontam o papel fundamental desempenhado pela velha escrita à mão no desenvolvimento do cérebro. “A prática ajuda no aprendizado de letras e formas, pode aprimorar a composição e a expressão de ideias e até auxiliar no ajuste fino de habilidades motoras”, diz o texto, acrescentando que escrever à mão também pode ser um bom exercício para manter o cérebro ativo na velhice. O texto não chega a entrar nessa área, mas não pude deixar de imaginar desdobramentos literários interessantes. Será que os poetas, que na maior parte dos casos tendem a usar lápis ou caneta, se saem melhor no quesito “composição e expressão de ideias” do que os prosadores, já rendidos majoritariamente ao teclado? De uma forma ou de outra, a mensagem é clara: apocalipse à vista, certo? Não é bem assim. Ocorre que a própria tecnologia pode nos salvar, oba! Como já disse David Foster Wallace em um de seus brilhantes ensaios sobre a cultura americana, a tecnologia que cria o problema é a mesma que acaba…

Quem não gosta de sexo na literatura gosta de sexo?
Vida literária / 13/10/2010

Lendo o artigo de Jojo Moyes no “Telegraph” sobre a dificuldade – ou a impossibilidade, segundo Martin Amis – de escrever boas cenas literárias de sexo, me dou conta de que o tema virou uma pequena obsessão dos ingleses. Sim, o Bad Sex Award, coberto com alguma atenção aqui no blog, tem sua graça. Mas aí veio o post de Sarah Duncan, e agora esse artigo. Será que a pauta é mesmo tão boa assim? Vamos admitir logo que a dificuldade existe e é interessante. Como escrever – ou optar por não escrever – o que acontece quando dois personagens, fazendo avançar a narrativa, resolvem transar sempre foi uma questão relevante e talvez seja especialmente escorregadia para o escritor de hoje. As fórmulas que um dia funcionaram tendem a nos soar canhestras, tudo resvala perigosamente no clichê. As decisões a tomar por linha são mais numerosas do que o habitual e cada uma contém seus riscos. Nomear, por exemplo, os órgãos sexuais, as ações? Usar termos técnicos ou chulos? Ou quem sabe poéticos, derivativos e metafóricos, em busca de um certo clima? Com a irresponsabilidade dos chutadores, mas sem muita dúvida de acertar o gol, eu diria que a literatura…

Argentina brilhou em Frankfurt
Pelo mundo / 11/10/2010

A participação da Argentina como país homenageado na Feira de Frankfurt deste ano, encerrada ontem, foi chamada de “a mais literária que tivemos em anos” pelo diretor do evento, Juergen Boos, que se declarou convencido de estar ocorrendo neste momento “uma redescoberta da literatura da América Latina”. O caminho que conduziu até lá não foi, no âmbito doméstico, livre de percalços, como demonstra a crítica à exploração da imagem de ícones como Carlos Gardel e Diego Maradona contida num abaixo-assinado divulgado mês passado por escritores argentinos. No entanto, uma conferida na luxuosa cobertura online feita pela equipe da revista “Ñ”, do jornal “Clarín”, confirma a impressão de uma oportunidade bem aproveitada. Isso se vê nas boas ideias levadas ao pavilhão – como o labirinto (borgiano, evidentemente) que contava a história da literatura argentina e o memorial em homenagem aos escritores desaparecidos na ditadura – mas também em ações preparatórias como um programa estatal de apoio a traduções, lançado ano passado e batizado Sur, que promoveu a edição de 130 escritores argentinos em 54 países. A presidente do comitê organizador argentino, Magdalena Faillace, classificou a sensação de ver em Frankfurt tantos conterrâneos traduzidos em tantas línguas como “erótica”. O Brasil tem…

A vida íntima dos Tolstoi foi escrita por Dostoievski
Pelo mundo / 08/10/2010

Achei surpreendentemente fascinante este ensaio da revista “Boston Review” (em inglês, acesso gratuito), em que Vivian Gornick, a partir dos diários deixados por Sofia Tolstoi (que acabam de ganhar nova edição em inglês) e por seu marido Leon (cuja morte completa cem anos mês que vem), imagina-os como personagens de Dostoievski. A surpresa vem do fato de minha reação habitual ser de desinteresse – ou de interesse moderado, o que dá no mesmo – diante de informações biográficas de escritores e artistas em geral. Só a obra importa, certo? Por que, então, fui sentir tal encanto horrorizado diante da história de um casal inseparável até a morte numa rotina pontuada por ímpetos de assassinato e suicídio, atolado na infelicidade e na humilhação que provocava em ambos, nas palavras de Gornick, “a discrepância entre o que se esperava do amor conjugal e o que ele de fato mostrara ser”? Talvez o trunfo da ensaísta seja a sacada que entrego já no título deste post, e que nega ou pelo menos complica todos os modelos certinhos demais de arte e vida que tantos autores e leitores de biografias cultivam: se Dostoievski escrevia a vida conjugal de Tolstoi, a vida de quem Tolstoi…

Nobel para Vargas Llosa: ganham os dois, ele e o prêmio
Pelo mundo / 07/10/2010

O escritor peruano Mario Vargas Llosa, anunciado agora há pouco pela Academia Sueca como vencedor do prêmio Nobel de Literatura de 2010, é um dos nomes mais incontestáveis a receber a honraria em muitos anos. Um dos mais destacados representantes da geração do chamado “boom latino-americano” dos anos 1960-70, Vargas Llosa, 74 anos, nascido em Arequipa, mora hoje em Nova York e leciona na Universidade de Princeton, em Nova Jersey. É autor de diversos romances que combinam sucesso de público com o respeito da crítica, como “A cidade e os cachorros”, “Conversa na catedral”, “A guerra do fim do mundo” (sobre Canudos), “Tia Julia e o escrevinhador”, “Pantaleão e as visitadoras” e “Travessuras da menina má”. Seu próximo romance, “O sonho do celta”, será lançado em breve. A obra de Vargas Llosa vem sendo relançada no Brasil pela Alfaguara e uma coletânea de artigos e ensaios, “Sabres e utopias”, acaba de sair por aqui aqui pela editora Objetiva, do mesmo grupo. Nos ensaios literários deste livro, Vargas Llosa enfoca nomes como Jorge Luis Borges, Cabrera Infante e Jorge Amado, classificado por ele como o único escritor a merecer ir para o céu. Sua militância latino-americanista fica evidente, mas a literatura…

Rowling pode voltar a escrever Harry Potter – e outros links
Pelo mundo / 04/10/2010

Saladinha de segunda, para poupar aos leitores do Todoprosa a tarefa de revirar a ganga bruta da web literária atrás de pequenas pepitas de informação: J.K. Rowling admitiu à apresentadora americana de TV Oprah Winfrey – em entrevista que foi ao ar sexta-feira – que pode voltar a escrever um livro da série Harry Potter, que já vendeu 400 milhões de cópias. “Não estou dizendo que não o farei”, disse. Quando o nível da conta bancária começar a baixar, por que não? Falando em dinheiro, um estranho exercício de jornalismo econômico-literário: no “Babelia”, uma reportagem ouve editores espanhois e conclui que, nestes tempos de crise econômica (não aqui, certo?), caem as vendas de clássicos enquanto sobem as de romances policiais. Um azarão atropelou por fora e já aparece em segundo lugar na lista de favoritos ao Nobel de Literatura da casa de apostas inglesa Ladbrokes: o romancista Ngugi wa Thiong’o começou pagando 75 por 1 e está em 5 por 1. Continua atrás do sueco Tomas Tranströmer (4/1), mas por muito pouco. A importância do fator “quem?”, assim, multiplica-se. Thiong’o tem títulos traduzidos para o português pelas Edições 70, de Portugal, mas não no Brasil. Com desempenho menos fulgurante, o…

‘Alô, é o Sr. Roth? Aqui é da Academia Sueca…’
Pelo mundo / 01/10/2010

A mais cruel das pegadinhas literárias: telefone para Philip Roth às seis da manhã da próxima quinta-feira e fale com sotaque sueco. Interessado no Nobel, o prêmio dos prêmios literários, que será anunciado na próxima quinta-feira? Bom, eu confesso que, a cada ano, fico menos. Isso não me impede de reconhecer que pode ser divertido acompanhar o aquecimento que rola online, como este ou aquele outro, da revista eletrônica Words Without Borders, de onde saiu a piada acima. O aquecimento é divertido desde que se leve em conta que costuma ser vão. Em primeiro lugar entre os favoritos das casas de apostas está o poeta sueco Tomas Tranströmer (cujo fator “quem?” pode ser, justamente, um trunfo decisivo). O problema é que as casas de apostas nunca acertam. Em outras paragens, têm sido ventilados Ismail Kadaré, Milan Kundera, Javier Marías e Amós Oz. Os nomes de Roth e Thomas Pynchon também são citados, mas sempre com uma dose saudável de ceticismo, que cresceu desde que a Academia Sueca declarou guerra à “insular” literatura americana, há dois anos. Mas nunca se sabe, não é?