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Interlúdio portenho
Pelo mundo / 31/12/2010

K. é um jovem (na casa dos 40) e bem-sucedido escritor de língua alemã que vive em Buenos Aires com a mulher e a filha pequena, num apartamento tão amplo, belo e cinematográfico que não dispensa sequer um elevador de porta pantográfica que parece saído de “O bebê de Rosemary”. Eu não conheço K., nunca o encontrei, de modo que não saberia começar a explicar por que um jovem e bem-sucedido escritor suíço de língua alemã elegeu a capital argentina para viver, mergulhado num idioma que ele próprio – assim me dizem – não fala direito. Sequer li K., que jamais foi traduzido no Brasil e de quem ouvi falar apenas agora, já hospedado em sua casa, tornada imensamente vazia pelas férias africanas da família – sim, folheei alguns de seus livros na biblioteca, junto à lareira extemporânea, mas aqueles tomos podiam estar escritos em grego. Apesar de toda essa distância linguístico-existencial, a hospitalidade de K., por meio de amigos comuns, contribui decisivamente para tornar memorável minha passagem de ano portenha, entre dias que parecem querer competir com a temperatura dos ojos de bife fumegantes que alimentam meu corpo e noites frescas em que o vinho tinto torna-se subitamente inadiável…